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Diniz de Almeida (1944-2021): O Capitão de Abril na linha da frente da Revolução

Eduardo Diniz de Almeida morreu aos 76 anos. O Esquerda.net falou com Mário Tomé, António Calvinho, António Louçã, Carlos Matos Gomes e Pezarat Correia sobre o militar de Abril que integrou, desde o primeiro momento, o Movimento dos Capitães e se manteve fiel à defesa da Revolução. Por Mariana Carneiro.
Diniz de Almeida em entrevista a António Louçã, para a RTP.

Eduardo Diniz de Almeida nasceu em Lisboa a 7 de julho de 1944. Pertenceu ao Movimento dos Capitães desde a sua génese, integrando os seus principais centros de decisão, e, posteriormente, os do Movimento das Forças Armadas, seja na vertente de mobilização, como de planeamento e de ação. Foi ainda um dos obreiros da ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas.

Diniz de Almeida teve um papel fundamental na Revolução. O Capitão de Abril comandou uma coluna militar saída da Figueira da Foz com destino a Lisboa. Devemos-lhe o controlo do Forte de Peniche e a ocupação do Ralis. A 11 de Março de 1975, Diniz de Almeida travou o ataque ao Ralis por parte das forças contra-revolucionárias do general António de Spínola. E, no 25 de Novembro, foi um dos últimos resistentes na defesa da Revolução.

Tal como refere o militar de Abril António Carmo Vicente, sargento-mor paraquedista e dirigente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, "os golpistas de Novembro não lhe perdoaram a fidelidade aos ideais de Abril".

Diniz de Almeida foi chamado ao Palácio de Belém pelo presidente da República, Costa Gomes, e ali detido. O Capitão de Abril foi ainda "obrigado a passar à reforma compulsiva pelo conselho superior de disciplina da Arma, que aqui serviu como uma espécie de 'tribunal plenário'".

 

Após passar à reforma, Diniz de Almeida licenciou-se em Psicologia Clínica e Medicina Dentária. Dedicou-se ao apoio a toxicodependentes e exerceu pro bono, prestando assistência aos mais desfavorecidos. Com uma grande ligação à comunidade, manteve um forte elo com o Bairro da Boavista.

Diniz de Almeida foi vereador na Câmara Municipal de Cascais pela CDU, entre 2001 e 2005. É autor do livro "As origens e evolução do Movimento dos Capitães" e da trilogia "Ascensão, apogeu e queda do MFA".

Diniz de Almeida manteve-se fiel aos seus princípios e à verdade dos factos. A sua recusa em alinhar em branqueamentos da história da Revolução teve consequências, nomeadamente no que respeita ao seu esquecimento por parte dos órgãos de comunicação social mainstream.

O Capitão de Abril, agora coronel de Artilharia na reforma, morreu aos 76 anos. A partir de terça-feira, o seu corpo estará em câmara ardente na Basílica da Estrela, em Lisboa. O funeral sairá na manhã de quarta-feira para o Cemitério do Alto de São João, onde o seu corpo será cremado.

"Morreu um indómito Capitão de Abril"

“Ainda jovem capitão empenhado na guerra colonial”, Mário Tomé teve “a grande honra de comandar” o então alferes Diniz de Almeida na Companhia de Cavalaria 1601, no Niassa. “Um grande profissional e um grande revolucionário. Como eu, aprendeu o suficiente para acabar com ela”, referiu Mário Tomé em declarações ao Esquerda.net.

Reagindo à morte do capitão Diniz de Almeida, oficialmente coronel de Artilharia Diniz de Almeida, o militar de Abril e coronel na reforma frisou que, “se há capitães de Abril que, durante a situação revolucionária, vulgo PREC, estiveram sempre no olho do furacão, Diniz de Almeida foi um deles”. “Direi, mesmo, dos primeiros de entre eles”, reforçou.

De acordo com Mário Tomé, deve-se a Diniz de Almeida, “pela sua coragem e ponderação revolucionárias, que a contrarevolução ensaiada por Spínola e spinolistas não tivesse terminado em tragédia no ataque covarde ao RALIS em 11 de Março de 1975 pelos paraquedistas às ordens do comandante do Corpo de Paraquedista, coronel Rafael Durão”.

Assim como a ele se deve que “a miserável demonstração de despotismo ‘maoísta’ na tortura a Marcelino da Mata por MRPP’s infiltrados no seu quartel, o RAL 1, não tivesse consequências mais funestas”.

Diniz de Almeida teve ainda uma “intervenção sempre atempada na dissuasão de atos contra-revolucionários ou de atos ditos revolucionários na região e na cidade de Lisboa”.

Pertencendo desde os primeiros instantes ao núcleo duro do Movimento dos Capitães, Diniz de Almeida “integrou os principais centros de decisão do Movimento dos Capitães (depois MFA numa decisão que já prognosticava cedência à hierarquia derrotada) quer na vertente de mobilização, quer nas de planeamento e de ação”, assinalou Mário Tomé.

O militar de Abril referiu ainda que, “com Otelo e Vasco Gonçalves”, Diniz de Almeida foi “alvo das mais imbecis e brutais calúnias por parte dos que, civis e militares, mesmo que rendidos a uma revolução que lhes trocou as voltas, tiveram sempre no pensamento e no coração um 25 de Novembro que haveria de chegar”.

“O seu carácter e verticalidade ética, assim como o seu desassombro na defesa do que considerava justo e de acordo com os objetivos que desencadearam a Revolução de Abril - o fim da guerra colonial, a defesa da liberdade e responder aos superiores interesses populares -, marcaram todo o seu empenhamento radical no Movimento e na Revolução”.

“Uma peça fundamental na Revolução”

António Calvinho e Diniz de Almeida estiveram na mesma comissão em África.

“Eu tinha sido ferido na 4ª Companhia de Comandos, onde o Diniz de Almeida também era alferes. Foi ele que preparou a minha evacuação e ficámos amigos desde então”, lembrou o Coronel António Calvinho.

Quando Diniz de Almeida regressou a Portugal, visitou Calvinho no Hospital Militar praticamente todos os dias. Após a alta hospitalar, começaram a trabalhar juntos.

“O Diniz de Almeida transmitiu-me a necessidade de agrupar o nosso movimento, e de os Deficientes das Forças Armadas participarem na feitura de várias iniciativas, como a recolha de assinaturas para a exposição a ser entregue ao Marcelo Caetano e a elaboração de vários comunicados dos milicianos que foram clandestinamente impressos no Ralis”, explicou o militar de Abril, fundador e ex-presidente da direção da ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas. Foram muitas as reuniões em casa de Calvinho e muitas as ações em conjunto.

Calvinho assinalou que Diniz de Almeida foi uma das vítimas da PIDE/DGS, tendo sido afastado do comando operacional de Lisboa, enviado para Penafiel e depois para a Figueira da Foz. “Não lhe permitiam qualquer tipo de organização a nível de comando. Ainda assim, no pouco tempo que esteve na Figueira da Foz, organizou a coluna que rumou no 25 de Abril para Peniche”. recordou.

Para Calvinho, Diniz de Almeida “foi uma peça fundamental” na Revolução.

Era “a fonte da informação e um dinamizador da ação”

O coronel Carlos Matos Gomes conheceu Diniz de Almeida em 1964. Posteriormente, Diniz de Almeida “foi substituir-me em Moçambique”, lembrou.

O militar de Abril também enfatizou o papel muito importante de Diniz de Almeida na Revolução: “Era uma pessoa bastante politizada, que sabia o que estava em causa no 25 de Abril”.

Carlos Matos Gomes referiu que, ainda antes de Abril de 74, Diniz de Almeida “assumiu, em boa parte, a responsabilidade de ir transmitindo a situação em Portugal às comissões coordenadoras que estavam nas colónias”.

“Eu estava na Guiné e recebia dele as mensagens, uns bilhetes quase sempre escritos à mão, com uma letra de médico, a transmitir as sínteses das reuniões que se realizavam em Portugal. O que se podia descrever sem pôr em causa a segurança do Movimento”, contou.

Esta era “uma ação importantíssima e arriscada”, já que “a PIDE e as autoridades podiam identificá-lo. Era ele a fonte da informação e um dinamizador da ação”, realçou Matos Gomes.

“Sabíamos que tínhamos ali um camarada que nos informava e em quem confiávamos em absoluto”, continuou o coronel.

“Tivemos uma vida muito intensa, no pré 25 de Abril e depois na constituição da ADFA”

António Calvinho e Diniz de Almeida tiveram uma “vida muito intensa, no pré 25 de Abril e depois na constituição da ADFA”.

Calvinho recordou que Diniz de Almeida foi um dos obreiros da ADFA. “Pretendíamos “evitar que os deficientes fossem matéria de exploração da direita. E conseguimos subverter essa tendência, que já estava a ser preparada pela linha spinolista e outros”, apontou.

Os Deficientes das Forças Armadas (DFA) contaram sempre com o apoio de Diniz de Almeida em toda a sua atividade, como foi o caso da manifestação de 23 de novembro de 1974: “O Diniz de Almeida e o Mário Tomé foram duas pessoas fundamentais no apoio que nos deram, quer nessa manifestação, quer depois na luta que se lhe seguiu”.

A participação dos Deficientes das Forças Armadas nas campanhas de dinamização do Movimento das Forças Armadas também tem a mão de Diniz de Almeida. Ramiro Correia, um primeiro-tenente médico, chamou Calvinho, através de Diniz de Almeida, para integrar as iniciativas e mobilizar os DFA.

Foto publicada pela Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA)

Diniz de Almeida e António Calvinho estiveram lado a lado em momentos-chave da Revolução: “No 11 de março eu estava no Ralis, com o Diniz de Almeida, e participei em toda a dinâmica, a defender o Ralis e a Revolução”. No 25 de Novembro, Calvinho também se encontrava no Ralis e testemunhou como Diniz de Almeida foi um dos últimos resistentes. “Encostado à parede”, só se apresentou a Costa Gomes “quando não havia alternativa e praticamente nenhuma capacidade de resistência”.

Diniz de Almeida “não seguiu exatamente o plano de operações do Otelo”

António Louçã entrevistou Diniz de Almeida quatro vezes: três vezes para a RTP e uma vez para a biografia de Varela Gomes. A mais recente foi a última entrevista dada pelo militar de Abril.

Conforme explicou o historiador e jornalista ao Esquerda.net, “Diniz de Almeida não era tão conhecido como protagonista do 25 de Abril, embora tivesse um papel importante. O herói operacional do 25 de Abril é o Salgueiro Maia e o herói operacional do 11 de Março é o Diniz de Almeida. Salgueiro Maia teve uma notoriedade diferente porque estava destinado a operações no centro de Lisboa, no centro de poder. Foi ele que recebeu a rendição de Marcelo Caetano, ao passo que o Diniz de Almeida tinha sido destinado a ocupar o Forte de Peniche e libertar os presos”.

António Louçã relatou que, numa das entrevistas, Diniz de Almeida afirmou que “não seguiu exatamente o plano de operações do Otelo”.

“Ele achou, e bem, que o Forte de Peniche não era um objetivo prioritário. O que tinha de fazer era controlar o forte e, para esse efeito, deixou lá duas pequenas unidades com obuses. Do forte não dependia a sorte do dia. Com o grosso das suas forças, Diniz de Almeida foi ocupar o Ralis”, continuou o jornalista.

Ataque aos Ralis, 11 de Março de 1975.

No que respeita ao 11 de Março, Diniz de Almeida “tem o papel importante que se sabe”. “Ele organiza a defesa do quartel. Uma defesa bem organizada, pelo que se pode saber. Existiam meios muito superiores a atacar o quartel: aviões de combate e tropas helitransportadas que era suposto serem colocadas dentro do quartel”, descreveu António Louçã.

O jornalista avançou também que “o Ralis tinha armas apontadas aos helicópteros, que lhes condicionaram os movimentos e não os deixaram aterrar. Entretanto, os paraquedistas tentaram cercar o quartel mas acabaram por também ficar cercados. Existia um dispositivo de tropas do Ralis a envolver os paraquedistas”.

Diniz de Almeida explicou a António Louçã que os aviões não puderam bombardear indiscriminadamente um terreno em que as forças paraquedistas, segundo a expressão do entrevistado, se encontravam "enoveladas" com as forças defensoras do Ralis.

O próprio coronel “participou na batalha fora dos muros do quartel e foi um dos sitiantes das tropas sitiantes. De um quarto ou quinto andar de um prédio junto ao Ralis viu um paraquedista que estava num andar abaixo dele. Viu-o de costas, mas não lhe deu um tiro. Disse: ‘Pira-te daqui!’. O paraquedista fugiu assustado porque percebeu que as coisas não estavam a correr como previsto”, afirmou António Louçã.

“Diniz de Almeida batia-se por transformações profundas de natureza social”

O general Pedro de Pezarat Correia recebeu a notícia da morte de Diniz de Almeida “com muita consternação e uma grande mágoa”.

O “camarada do MFA por quem tinha um enorme respeito e consideração” era, de acordo com Pezarat Correia, “um homem determinado, muito corajoso e que sabia o que queria e o chão que pisava”.

Ao “homem de convicções profundas” e “militar de grande dignidade”, o general atribui um “papel importante quer no 25 de Abril como posteriormente no processo revolucionário que se seguiu, nomeadamente no que respeita à resistência ao golpe de 11 de Março”.

Diniz de Almeida “fez o 25 de Abril muito conscientemente. Não se batia apenas por uma transformação da cúpula política do país, batia-se por transformações profundas de natureza social que pudessem, de facto, inverter toda uma quantidade de injustiças que se têm vindo a agravar”, destacou Pezarat Correia.

“No refluxo da maré foi perseguido e maltratado. Mas venceu isso. Passou à reserva, licenciou-se. Viveu a sua vida sem grandes presenças na comunicação social, mas sempre com grande dignidade”, apontou o general.

“Entendeu sempre que se poderia ter feito mais para defender a Revolução”

Carlos Matos Gomes evoca Diniz de Almeida como “uma pessoa de convicções, de princípios, com uma personalidade muito forte. Um homem de uma enorme generosidade e com grande capacidade de liderança. Uma pessoa bem disposta com um grande sentido de humor”.

Diniz de Almeida “nunca se deixou abater, nunca se deixou vencer, nunca se considerou um vencido. Depois do 25 de Novembro, abraçou duas carreiras, uma na área da psicologia, em que se dedicou, de uma forma muito generosa, ao tratamento e ao apoio a toxicodependentes. Outra na área da medicina dentária”, referiu Matos Gomes.

O coronel enfatizou que Diniz de Almeida “queria mais do que aquilo que hoje em dia temos. Ele entendeu sempre que se poderia ter feito mais para defender a Revolução”.

Diniz de Almeida tinha “apego à verdade dos factos”

Para António Louçã, “uma das coisas muito interessantes do Diniz de Almeida é que ele não tinha este paleio todo, unitarista e de fraternidade do MFA, da Associação 25 de Abril: ‘Agora somos todos amigos, todos fizemos o 25 de Abril e o resto eram pequenas divergências’. Não, ele dizia tudo. Nas entrevistas continuava sempre a dizer, sem papas na língua, que o Vasco Lourenço, por exemplo, não entrou no 25 de Abril, não foi um operacional do 25 de Abril. Teve um papel muito importante na preparação do 25 de Abril, na fase conspirativa, mas não participou nas operações do dia. E se lhe diziam que Vasco Lourenço não pôde participar porque estava nos Açores. Respondia: ‘Não pôde, tudo bem. Mas não esteve’”.

O coronel de Artilharia Diniz de Almeida. Foto publicada na sua página de Facebook.

Conforme assinalou o jornalista, Diniz de Almeida também defendia que “o Otelo é a maior fraude do PREC, porque cada vez que acontecia alguma coisa desaparecia, ia entregar-se ao Palácio de Belém e ficava lá. A expressão utilizada por Diniz de Almeida era 'ia logo a correr esconder-se debaixo das saias do Costa Gomes'”.

Segundo António Louçã, o coronel apontava, por outro lado, que Otelo teve o mérito de fazer o plano operacional e de montar o posto de comando da Pontinha. Mas não deixava de referir que o plano operacional que fez, e que tinha falhas, era a agregação de vários planos feitos pelas várias componentes do movimento. Otelo não era, portanto, a seu ver, “o génio militar que concebeu o plano de operações do 25 de Abril”.

“Os factos foram assim e ele continuava a contá-los como foram. Tinha um certo apego à verdade dos factos”, vincou António Louçã.

E, por essa mesma razão, “tornou-se menos grato para a imprensa mainstream, porque não contava as histórias da carochinha que a imprensa mais institucional quer ouvir, que são as histórias da grande amizade e da grande unidade entre os abrilistas todos”, rematou o jornalista.

António Calvinho também lembra o amigo como um “lutador exímio, tenaz, operacionalmente determinado e acutilante na argumentação e na forma como abordava os casos mais críticos dentro do MFA”. “Era muito frontal no confronto de ideias e atitudes”, frisou, dando como exemplo a sua posição em relação a Jaime Neves e ao Golpe do 25 de Novembro.

Sobre o/a autor(a)

Socióloga do Trabalho, especialista em Direito do Trabalho. Mestranda em História Contemporânea.
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