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Deputados brasileiros aprovam “marco temporal”, indígenas protestam

Foi aprovado esta terça-feira na Câmara dos Deputados do Brasil o projeto de lei 490/2007, chamado do “marco temporal”, que limita a demarcação de terras indígenas àquelas que em possa ser comprovado “objetivamente” que eram ocupadas na altura da promulgação da Constituição do país, a 5 de outubro de 1988.
A votação, com 283 a favor, 155 contra e uma abstenção, é uma derrota do campo do governo e uma vitória dos conservadores, nomeadamente da “bancada ruralista” ligada ao agro-negócio. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, reagiu no Twitter considerando o resultado “um ataque grave aos povos indígenas e ao meio ambiente”. A lei terá ainda de ser votada no Senado e a dirigente indígena aposta agora no diálogo “para evitar a negociação de nossas vidas em troca de lucro e destruição”.
Para além disso, está em vias de ser analisada no Supremo Tribunal Federal o caso de uma disputa de terras em Ibirama, Santa Catarina, estando a votação marcada para 7 de junho. A análise do caso foi interrompida em 2021, a pedido do então ministro bolsonarista Alexandre de Moraes. Mas a decisão marcará um precedente a ser aplicado em 82 outros casos. Aqui habitam os povos Xokleng, Kaingang e Guarani. O estado de Santa Catarina opõe-se-lhes argumentando que na altura da promulgação da Constituição não estavam no local. Os indígenas contrapõem que nessa altura tinham sido expulsos das suas terras.
O “marco temporal” tem como objetivo limitar a possibilidade de demarcação de terras. Um dos mecanismos que utiliza é a obrigação imposta aos indígenas de comprovar “objetivamente” que, na altura em que a Constituição foi promulgada, as terras eram habitadas permanentemente e usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
Para além disso, faz com que o processo de demarcação deixe de ser feito pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas e volte ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. E também passa a ser proibida a ampliação de terras indígenas anteriormente demarcadas.
Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch Brasil, em declarações à Deutsche Welle, diz que a lei é “um retrocesso inconcebível” que “violaria os direitos humanos e sinalizaria que o Brasil não está honrando seu compromisso de defender aqueles que comprovadamente melhor protegem nossas florestas”. A “data arbitrária” da entrada em vigor da Constituição não toma em conta que muitos dos povos indígenas foram expulsos décadas antes dos territórios nos quais viviam.
À mesma fonte, o ministério liderado por Sônia Guajajara afirma que assim se pode “inviabilizar demarcações de terras indígenas, ameaçar os territórios já homologados e destituir direitos constitucionais, configurando-se como uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade”. E Célia Xakriabá, deputada do PSOL, presidente da Comissão da Amazónia e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, denuncia que se está a facilitar a apropriação ilegal de terras ao permitir obras sem consulta aos indígenas.
Protesto indígena reprimido
Em protesto contra a aprovação do marco temporal, indígenas guaranis da Terra Indígena do Jaraguá bloquearam a rodovia dos Bandeirantes em São Paulo ao quilómetro 20 com barricadas de pneus em chamas. Tinham intenção de seguir com o protesto para o rio Tietê mas a polícia não os deixou, pelo que se decidiram pelo bloqueio.
A Comissão Guarani Yvyrupa utilizou as redes sociais para classificar o marco temporal como sendo “inconstitucional” e ignorar "o caráter originário do direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional”. A sua aprovação, para além de impedir demarcações, “legitima as violências do passado contra os povos indígenas”.
Depois de três horas de negociação, explicou um coronel da Polícia Militar à Folha de São Paulo, as autoridades mandaram esta terça-feira a Tropa de Choque da Polícia Militar atacá-los com bombas de gás lacrimogéneo, jatos de água e balas de borrachas.
Já esta quarta-feira, viaturas da Polícia “cercaram e entraram” na Terra Indígena Jaraguá “constrangendo moradores”, escreve a Folha de São Paulo. À reportagem do jornal as autoridades no local disseram estar numa “patrulha de rotina”. Isto apesar das diretrizes da Funai, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, portanto as regras oficiais publicadas na página do governo brasileiro, determinarem que o acesso às terras demarcadas só pode acontecer com autorização obtida após processo administrativo ou com permissão de representantes dos povos indígenas.
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