Declarações de Sanchez sobre Palestina abrem crise diplomática entre Espanha e Israel

26 de novembro 2023 - 13:41

Chefe do executivo espanhol condenou “matança indiscriminada de civis inocentes”. Governo de Madrid admite reconhecer unilateralmente o Estado da Palestina, caso a União Europeia não o faça em conjunto. Ministro português João Cravinho afirma ter tido diálogo produtivo com presidente israelita.

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Benjamin Netanyahu recebe o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez e o primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo. Jerusalém, 23 de novembro de 2023. Foto de GPO; KOBI GIDEON HANDOUT HANDOUT, EPA/agência Lusa.

A tensão instalou-se durante a viagem de Pedro Sánchez a Israel. O atual presidente rotativo do Conselho da UE participou numa reunião com Benjamin Netanyahu, que contou ainda com a presença do primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, que o substituirá na presidência da UE a dia 1 de janeiro.

Durante o encontro, Sanchez leu ao chefe de Estado de Israel uma missiva em que assinalava que “o mundo inteiro está impressionado pelas imagens de Gaza”, e que “o número de palestinianos mortos é realmente insuportável”.

“Há que distinguir claramente entre alvos militares e a proteção dos civis”, referia ainda a nota.

Numa conferência de imprensa durante a sua visita, na sexta-feira, à passagem fronteiriça de Rafah, entre o Egito e a Faixa de Gaza, os governantes de Espanha e Bélgica repudiaram as morte de milhares de civis.

Sanchez apelou a um “cessar-fogo humanitário duradouro” em Gaza e enfatizou que “a matança indiscriminada de civis inocentes, incluindo milhares de rapazes e raparigas, é completamente inaceitável”. “A violência só levará a mais violência”, afirmou. O chefe do executivo espanhol defendeu ainda que “chegou a hora de a comunidade internacional, sobretudo a UE, tomar uma decisão sobre o reconhecimento do Estado palestiniano. Valeria a pena, seria importante muitos membros da UE fazerem-no juntos”.

Segundo avança o semanário Expresso, o Governo de Madrid admite reconhecer unilateralmente o Estado da Palestina, caso a União Europeia não o faça em conjunto. Sanchez garantiu-o ao presidente da Autoridade Nacional Palestiniana, Mahmud Abbas, na visita que fez a Ramallah, na Cisjordânia.

Madrid disponibilizou-se para acolher uma conferência internacional de paz no sentido da criação de dois Estados, iniciativa que Israel repudia. Ainda que tenha prometido fazê-lo, Telavive nem sequer participará no Fórum do Mediterrâneo, promovido pela UE e que decorrerá em Barcelona a partir de dia 27.

O mau-estar entre o Governo espanhol e Israel já era notório nas vésperas da visita. Os meios de comunicação israelitas, como o periódico Yediot Aharonot, deram destaque às posições de Ernest Urtasun, novo ministro da Cultura, e Sira Rego, com a pasta da Infância e Juventude, ambos da Somar, que se pronunciaram contra o genocídio na Palestina.

Mas as tensões diplomáticas estendem-se também à Bélgica, na medida em que, durante a visita à passagem fronteiriça de Rafah, Alexander De Croo proferiu, igualmente, declarações que irritaram Israel, ao afirmar que “a destruição de Gaza é inaceitável”. “Não podemos aceitar que uma sociedade esteja a ser destruída da forma como está a ser destruída", disse.

A diplomacia israelita acusou os governantes belgas e espanhóis de apoiar o terrorismo e convocou os embaixadores dos dois países por “falsas alegações”. O ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Eli Cohen, afirmou que “Israel está a agir de acordo com o direito internacional e a combater uma organização terrorista assassina pior do que o Estado Islâmico, que comete crimes de guerra e crimes contra a humanidade”.

Depois de Telavive ter confrontado a embaixadora espanhola numa “dura conversa de reprimenda”, Madrid convocou também a representante diplomática israelita.

O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel Albares, respondeu ainda às acusações israelitas na televisão pública: “São totalmente falsas e inaceitáveis. Repudiamo-las taxativamente. O Ministério está a avaliar a resposta oportuna que vamos dar e haverá contestação a essas acusações falsas, fora do lugar e inaceitáveis”.

João Cravinho visita Israel, Palestina, Jordânia e Egito

Na sexta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, iniciou uma visita ao Médio Oriente, com deslocações a Israel, Palestina, Jordânia e Egito.

Antes de se encontrar com o seu homólogo, Cravinho afirmou, em declarações à RTP, que iria dizer a Eli Cohen “é que, em primeiro lugar, Portugal é solidário em relação aos ataques terroristas do Hamas. Portugal obviamente que defende o direito de Israel de proteger os seus cidadãos e o seu território".

"Ao mesmo tempo, nós estamos numa situação em que houve um nível absolutamente incomportável de vítimas civis em Gaza e vou-lhe também transmitir a mensagem que é absolutamente fundamental: o cessar-fogo temporário, humanitário, que se vive neste momento deve ter continuidade", acrescentou.

Na rede social X, o ministério dos Negócios Estrangeiros assinala que Cravinho teve um “diálogo produtivo” com o presidente israelita Isaac Herzog sobre “o papel da comunidade internacional no momento atual”. Cravinho reiterou a sua solidariedade face aos ataques de 7 de outubro, e sublinhou que só uma solução política permitirá alcançar a paz.

Já na reunião com o primeiro-ministro palestiniano Mohammad Shtayyeh, o governante português expressou a sua solidariedade face à tragédia humana em Gaza e apontou a convergência ”quanto à importância de aproveitar a atual dinâmica para concretizar a solução de dois Estados”.

Sobre os encontros com o Egito e Jordânia, Cravinho deu conta das prioridades elencadas: “alcançar um cessar-fogo definitivo, intensificar o fluxo de ajuda humanitária em Gaza e criar condições para a estabilidade perene na região”.