De olhos postos na Síria

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José Manuel Rosendo em Meu Mundo Minha Aldeia.

11 de janeiro 2025 - 12:13
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Se há quem possa vir a ser responsabilizado por desestabilizar a Síria, Israel e a Turquia estão no topo da lista. Ainda assim, foram quase nenhumas as palavras que foram ditas nas principais capitais sobre estes focos de desestabilização.

Campo palestiniano de Yarmouk, a sul de Damasco. Exemplo da destruição provocada por mais de uma década de guerra.
Campo palestiniano de Yarmouk, a sul de Damasco. Exemplo da destruição provocada por mais de uma década de guerra. Foto: jmr/20 de dezembro de 2024

8 de Janeiro de 2025 – Passou um mês da tomada de Damasco pelos grupos rebeldes e da fuga de Bashar Al Assad para a Rússia. Após algumas hesitações, a correria dos representantes estrangeiros ocidentais para a capital Síria começou pouco depois do 8 de Dezembro. Curiosamente, os novos líderes sírios optaram por outras prioridades, como por exemplo, viagens à Arábia Saudita ou ao Qatar.

Em Damasco, ministros e representantes de instituições internacionais ocidentais foram cuidadosos nas declarações, soltando palavras e expressões como “cepticismo”, “encruzilhada”, “nova relação”, “expectativa” e avisando, todos eles, que vão “julgar o Hayat Tharir Al Sham (HTS) pelos seus actos”. Ou seja, descodificando a linguagem diplomática: portem-se bem ou não há apoios.

Diferentes pesos e medidas

Não vem mal ao mundo, antes pelo contrário, julgar as pessoas e as instituições pelos actos e pelas decisões. É assim que deve ser. Mas não foi assim noutros momentos e com outras pessoas e instituições – basta lembrarmo-nos da guerra lançada contra o Iraque, em 2003, quando Colin Powell mostrou no Conselho de Segurança um pequeno tudo onde alegadamente estaria uma amostra das armas químicas de Saddam Hussein; ou agora, com a carnificina que Israel está a massacrar Gaza; ou também agora, com Israel a entrar em território sírio; ou ainda com a Turquia a entrar na Síria (desde há muto tempo) e a combater os curdos sírios, precisamente o único grupo armado que mais se aproxima do padrão de sociedade que o chamado Ocidente diz defender.

Aqueles que correm agora para Damasco esquecem-se que o país viveu mais de 13 anos de guerra e que está quase totalmente destruído: as infraestruturas quase desapareceram, a economia está de rastos, a população está exausta. Esquecem-se que deixaram a Síria à sua sorte e que foi essa inação que contribuiu para o apoio e a entrada da Rússia na guerra síria.

Turquia e Israel

Para além disso, a guerra na Síria ainda não terminou. Toda a região norte tem sido palco de violentos combates com muitas dezenas de mortos. As milícias apoiadas directamente pela Turquia (o chamado Exército Nacional Sírio) atacam as posições das Forças Democráticas da Síria (curdos e árabes) e o presidente turco não podia ter sido mais claro ao colocar no mesmo plano as forças que se combateram ainda não há muito tempo: “O Daech, o PKK e os seus associados, que ameaçam a sobrevivência da Síria, devem ser erradicados” (…) “é o momento de neutralizar as organizações terroristas existentes na Síria”. Para além disso, Erdogan anuncia dois objetivos incompatíveis: estabilizar a Síria e atingir os curdos. Um desígnio que Erdogan sabe ser impossível porque ao atingir os curdos vai, inevitavelmente, desestabilizar a Síria.

Depois, no outro extremo do país, um conflito anunciado: Israel ocupou a zona tampão dos Montes Golan e, para além dessa ocupação ilegal, entrou em território sírio. No último mês, Israel intensificou os bombardeamentos a alvos militares sírios e praticamente destruiu a capacidade militar do país. O líder do HTS disse que, neste momento, a Síria não está interessada num conflito com Israel, mas ninguém duvida que esse conflito irá surgir logo que o novo poder de Damasco tenha outra capacidade e se Israel permanecer nos territórios que agora ocupou. Abu Mohammed al-Golani, não carregou nas palavras, mas foi bem claro: “Os argumentos israelitas tornaram-se fracos e já não justificam as suas recentes violações. Os israelitas ultrapassaram claramente os limites do envolvimento na Síria, o que representa uma ameaça de escalada injustificada na região.”

Do lado israelita, também há declarações a anunciarem tempestade, como é o caso do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Gideon Sa’ar, sobre o novo regime sírio: “Este é o mesmo gangue terrorista que estava em Idlib e tomou o controlo de Damasco e de outras áreas”.

Quanto à situação no norte da Síria, Israel pede à comunidade internacional que pressione a Turquia para parar os ataques. Citado pelas agências internacionais de notícias, o director-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel disse que “a comunidade internacional deve apelar à Turquia para que pare com estas agressões e chacinas. Os curdos devem ser protegidos pela comunidade internacional”. Este apoio de Israel aos curdos é, no entanto, um presente envenenado, porque reduz substancialmente eventuais apoios e o capital de simpatia que os curdos possam ter na região. Nunca foi bom para nenhum grupo étnico ou político da região ser visto como um parceiro ou protegido de Israel.

Silêncio…

Se há quem possa vir a ser responsabilizado por desestabilizar a Síria, Israel e a Turquia estão no topo da lista. Ainda assim, foram quase nenhumas as palavras que foram ditas nas principais capitais sobre estes focos de desestabilização.

Quem pretende, e bem, que a Síria venha a ser um Estado de Direito, que respeite a diversidade étnica e religiosa da sua população, devia saber que a estabilidade necessária para atingir esses objetivos implica uma protecção de acções como aquelas que a Turquia e Israel estão a desenvolver. Mas todos sabemos como é difícil, principalmente aos países ocidentais, dizer uma palavra que seja contra Israel ou até contra a Turquia, aliado NATO.

Os apoios à Síria não devem ser “cegos”, mas exigir a perfeição a um governo e a um país, que viveu uma guerra prolongada, que tem enormes feridas por sarar e que tem ainda perigosos focos de conflito, não parece ser a melhor política.


Publicado por José Manuel Rosendo a 8 de janeiro de 2025 no blogue Meu Mundo Minha Aldeia.

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