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A cultura de direita (segundo Malomil), parte 1

António Araújo é historiador, assessor de Cavaco e assumiu recentemente posições favoráveis a Rui Ramos na polémica sobre o branqueamento de alguma historiografia a propósito do Estado Novo. No seu blog, Malomil, analisa com argúcia a cultura da direita pós-revolução de Abril e de como esta se tornou a cultura dominante. Artigo de João Teixeira Lopes publicado em inflexaoblog.blogspot.pt

O artigo tem relevância a vários níveis.

Antes de mais, serve-se de uma pluralidade de fontes (artigos de revistas e jornais, fotografias, trabalhos científicos oriundos de diferentes domínios das ciências sociais - História, Sociologia, Antropologia, Ciência Política...). A imaginação metodológica, a ampliação do espectro de recolha de dados, a reinvenção do próprio conceito de fonte, numa perspetiva aberta, e a utilização de recursos não interferentes, ditos não reativos, uma vez que, como as fotografias de arquivo, não exigem a participação dos sujeitos (ao contrário das entrevistas ou inquéritos), estão bem presentes neste estimulante contributo para a desocultação dos sentidos que se acumulam, em camadas densas e tensas, por detrás das imagens, dos relatos e dos discursos. Os signos exigem uma descodificação. Mais do que isso, interpelam, do ponto de vista das ciências sociais, a uma desmistificação. Se não forem objeto de uma análise crítica, os signos transformam-se facilmente em mitos, em “narrativas” (como agora se diz…) auto-justificativas, resistentes ao debate, delimitando arbitrariamente um campo de possíveis para a sua interpretação, potenciando a sua incorporação como senso comum ou bom senso, cristalizando-se em saber partilhado e inquestionado, servindo ao status quo como confirmação dos limites que este impõe à própria definição da realidade, reproduzindo-se ainda que sob a aparência de metamorfoses. Claro que, ao analisar criticamente, afastamo-nos das conceções pós-modernas segundo as quais apenas podemos relacionar textos com outros textos (relembremos Derrida: não há nada fora do texto), uma vez que o "sentido" seria uma impossibilidade, diferindo de leitura para leitura num vórtice de fluxos rizomáticos, mero jogo de significantes e significados uns nos outros encadeados, sem qualquer linearidade ou configuração.

Ora, o que este ensaio sugere é, precisamente, uma viagem entre as mensagens e os seus contextos. O autor relaciona uma ampla base de dados qualitativos com as representações e as tomadas de posição (para utilizar um termo caro a Pierre Bourdieu, citado no post a propósito do seu conhecido conceito de habitus, do qual se usa e abusa com uma liberdade que por vezes é inimiga do respeito pela realidade empírica – nem todas as disposições, por contraditórias ou frágeis, possuem a coerência e sistematicidade de um habitus, mas isso é outra história).

Sem rodeios, mostra como a Direita portuguesa foi conquistando hegemonia impondo como “natural” um discurso retro, revivalista, imbuído de um nacionalismo supostamente ingénuo, misturado na cultura pop e com declinações na música, na decoração, na moda, na apresentação de si ou nas práticas culturais. Olhamos à nossa volta e quase nos surpreendemos como a crítica é absorvida pelo simulacro conservador da reinvenção da tradição, do “novo design”, do “novo fado”, do “novo artesanato”…Bricolagem infinita que reduz a cinzas, incorporando-o, qualquer ímpeto subversivo…

Artigo de João Teixeira Lopes publicado em inflexaoblog.blogspot.pt

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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