Cuba: a prenda de Natal do governo

31 de dezembro 2019 - 12:50

Quem é Manuel Marrero Cruz, o recém-nomeado primeiro-ministro cubano, cargo que não era ocupado desde que Fidel o eliminou na Constituição de 1976 e que agora regressa com a nova Carta Magna do país? Por Fernanda Montanys.

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Manuel Marrero Cruz
Manuel Marrero Cruz. Foto Cubadebate.

Ninguém esperava vê-lo neste cargo. Na nota de imprensa que anuncia a sua nomeação destacam que é um homem “modesto e simples”, algo que não parece muito credível. O novo primeiro-ministro foi gerente de hotel; a seguir, gerente dos gerentes de hotéis de uma província e mais tarde ministro do Turismo.

Produto do colapso soviético e dos Estados que orbitavam em torno do Kremlin, Cuba viveu a sua maior crise económica nos anos noventa do século passado. Até ao início dessa década, a indústria do turismo estava deprimida. Os chamados países socialistas da Europa de Leste e a União Soviética, que representavam quase 85% dos parceiros comerciais, não forneciam um turismo rentável e essencialmente Cuba viveu de vender açúcar a Moscovo.

Essa crise económica obrigou o governo a dedicar todos os esforços ao fomento do turismo. De tal forma que hoje é a indústria de maior crescimento sustentado do país, chegando a receber quase cinco milhões de visitantes estrangeiros por ano.

Há 15 anos Fidel Castro nomeou um novo ministro para tratar da indústria do ócio: Manuel Marrero Cruz. Pouco depois, por motivos de saúde, o velho líder entregou o poder ao irmão mais novo, Raúl Castro. Após dois anos em regime provisório, em fevereiro de 2008 Raúl Castro foi proclamado de forma oficial Presidente do Conselho de Estado e de Ministros. Em março de 2009 fez uma purga no governo, expulsando todos os ministros do governo de Fidel, com o argumento de que eles tinham desenvolvido uma perigosa ambição de poder. Apenas um ministro nomeado pelo velho líder sobreviveu a esta mudança: o ministro do Turismo que chegara há poucos anos ao governo pela mão de Fidel.

Mas porque é que Manuel Marrero Cruz sobreviveu não apenas a esta limpeza, mas a todo o governo de Raúl, foi depois ratificado pelo novo Presidente, Miguel Diaz-Canel Bérmudez, e além disso, proposto por este e aprovado pelo parlamento como novo primeiro-ministro? Uma coisa é óbvia. Quando o jornal do partido afirmou que era um camarada “modesto”, queria dizer que nunca se tinha interessado pelo poder.

E tem razão, Marrero Cruz é o típico empresário que só trabalha para conseguir o êxito da empresa sem esperar maior reconhecimento do chefe que uma palmadinha no ombro. Não se importou em ascender ao governo, só em manter o crescimento do turismo no país. A tal ponto que acabou por ser nomeado não apenas ministro do Turismo mas também chefe do Grupo Empresarial Gaivota — propriedade das Forças Armadas —, que controla a maior parte do setor turístico cubano. Ou seja, o ministro do Turismo era um grande gestor com a bênção dos generais. Enquanto o resto da direção política e administrativa concorria entre si para ocupar lugares de poder, ele só se dedicava a cumprir com o seu trabalho.

A 10 de abril de 2019, após longos debates da cidadania e um referendo constitucional, Cuba teve uma nova Carta Magna. Até esse momento, Raúl Castro — e antes Fidel — foi ao mesmo tempo Secretário-Geral do Partido Comunista — o partido único na ilha e por isso o mais alto cargo político do país —, Presidente do Conselho de Ministros, leia-se Primeiro-Ministro, e Presidente do Conselho de Estado, ou seja, Chefe de Estado. A dada altura, tanto Fidel como Raúl tiveram o mais alto grau militar do exército que ambos tinham fundado. Raúl sabia que isto era uma concentração anómala de poder e que alguém com tanta força política e administrativa podia levar a nação onde quisesse.

Daí que a partir da nova Constituição, em Cuba há um Secretário-Geral do Partido — Raúl Castro Ruz —, um Presidente da República — Miguel Díaz-Canel Bermúdez — e, desde 21 de dezembro, por acaso a data em que Estaline cumpriria 140 anos de vida, o único ministro que sobreviveu à saída de Fidel Castro do poder e à chegada do seu irmão Raúl, que sobreviveu ainda à eleição de um novo presidente e às suas respetivas mudanças de gabinete, mais às mudanças de uma nova Carta Magna, nesse dia 21 de dezembro Manuel Marrero Cruz foi eleito Primeiro-Ministro.

Mas há algo que não podemos esquecer. Se a aparência cinzenta de Marrero — sendo ao mesmo tempo um tecnocrata de sucesso — foi o que garantiu ao então ministro do Turismo, enquanto os outros caíam, a sua longa sobrevivência política e agora a sua designação como primeiro-ministro, muitos esquecem um elemento que teve influência no processo.

Quando o novo presidente Díaz-Canel era nada mais que o chefe do partido numa remota província do oriente do país, nessa altura Marrero Cruz administrava o turismo de toda essa província. Por acaso, a atual Primeira Dama também era dessa província e foi ali que Díaz-Canel a conheceu. Também por puro acaso a atual primeira dama foi nomeada no mandato de Marrero como dirigente da agência de turismo do Ministério da Cultura. E um detalhe a relembrar: segundo a nova Constituição, o Primeiro-Ministro é nomeado por proposta do Presidente da República. Ou seja, Marrero Cruz foi nomeado por Díz-Canel Bermúdez.

Por fim, a eleição de um tecnocrata, o gestor de sucesso dos gerentes de hotéis de toda a Cuba que no seu mandato encheu a zona antiga de La Habana de hotéis, sem que lhe importasse a crise de acesso à água de que sofrem os habitantes dessa zona da capital. Essa escolha feita pelo presidente, ratificada pelo parlamento, aprovada pelo Bureau Político do Partido, diz muito sobre as intenções do novo governo que agora se forma, enquanto saem do poder os velhos líderes da Revolução de janeiro de 1959.

O anterior Primeiro-Ministro, como o atual, também tinha barba, vinha de uma província remota do oriente do país e teve uma longa carreira de resistência política. Mas Fidel Castro — o anterior Primeiro-Ministro — resistia às armadilhas mortais do imperialismo norteamericano a favor de Cuba e Manuel Marrero Cruz dedicava-se a resistir às armadilhas da burocracia cubana a favor do seu interesse pessoal. A relação de Fidel com os trabalhadores foi conduzi-los à Revolução, a relação de Marrero com os trabalhadores foi criar zonas VIP nos novos hotéis que se construíram. Em menos de três meses irão tomar-se medidas definidoras do rumo económico do país. Um primeiro-ministro, ou seja, um chefe de governo, terá muita responsabilidade no novo rumo da nação.


Fernanda Montanys é estudante catalã em Havana. Artigo publicado no portal Viento Sur e traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.

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