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Crescem as denúncias de violência sexual na repressão dos protestos no Chile

Militares chilenos juntaram-se à polícia para reprimir a população entre 19 e 27 de outubro. Denúncias por torturas e violência sexual já abriram 167 ações policiais.
Jovens em protesto esta sexta-feira contra os abusos sexuais da repressão política no Chile. Na folha pode ler-se: "O Estado $ileno: Humilha; Tortura, Viola; Assassina". Foto de Alberto Valdez/EPA

Uma reportagem da correspondente em Santiago do Chile do portal espanhol El Diário dá conta das dezenas de denúncias de violência sexual por parte de militares e polícias chilenos durante a repressão dos protestos contra o governo de Sebastian Piñera.

Até ao fim de outubro, o Instituto Nacional de Diretos Humanos, um organismo independente do governo, apresentou 167 ações judiciais, das quais cinco por homicídio, 92 por torturas e 19 por violência sexual.

Nos casos de violência sexual, há cinco vítimas maiores do sexo masculino e 21 do sexo feminino. Outras 13 são adolescentes e crianças. Algumas das ações judiciais incluem várias vítimas, como no caso das mulheres obrigadas a despir-se em conjunto dentro das esquadras.

A Procuradoria do Chile informou que entre 18 e 27 de outubro foram abertas 840 investigações por denúncias de violência contra agentes do Estado, oito dos quais por suspeita de abuso sexual ou violação, quatro a ameaças de cometer crimes sexuais e 29 por desnudamentos.

Ouvida pelo El Diário, a porta-voz da Rede Chilena Contra a Violência sobre as Mulheres espera que ainda venham a ser conhecidos muitos mais casos, dada a dimensão das manifestações e da repressão. Lorena Astudillo lembra que não foi apenas no tempo de Pinochet que a violência sexual constituiu uma arma da repressão, dando os exemplos das mobilizações estudantis de 2006 ou de 2011.

“Uma forma de repressão é tocar-lhes na vagina, apertando, batendo-lhes nos peitos e tirando-lhes a roupa para as deixar despidas na rua e prendê-las assim. Quando em maio de 2018 explodiram as ocupações feministas das escolas e universidades por causa do assédio sexual, esta denúncia reapareceu e começa a revelar-se que as mulheres são agredidas em sítios diferentes. Nas nossas casas, por agentes do Estado, onde estudamos, onde trabalhamos e assim fica evidente uma realidade a que mais de metade da população fazia vista grossa”, afirmou a advogada e ativista feminista chilena.

Por seu lado, Beatriz Bataszew, sobrevivente de violência política e sexual da ditadura de Pinochet, aponta o dedo aos partidos da esquerda chilena por terem “sempre deixado de fora o tema das mulheres, do feminismo e a violência política sexual”, o que fez com que os testemunhos deste tipo de violência durante a ditadura não tenham nenhum valor para a justiça.

Esta ativista do coletivo “Mulheres Sobreviventes Sempre Resistentes” lembra que sempre defenderam a tipificação do crime sexual como autónomo na altura do debate sobre lei da tortura, mas isso não foi aceite. “O que se vai passar agora? A judicialização dos casos destas companheiras será sobre violência sexual, mas a componente política dessa violência, a componente de que são agentes do Estado, vai ficar de fora”, lamenta.

Também a comunidade LGBTI+ foi alvo de abusos por parte da polícia e militares durante a semana em que vigorou o estado de exceção no país. Uma advogada da ABOFEM, coletivo de advogadas feministas, também recolheu várias denúncias, incluindo casos de menores. Mais uma vez, as ameaças de violação e os desnudamentos surgem no topo das queixas. “Temos uma polícia que não mudou desde os anos 1980 e agora temos uma situação em que estes corpos diversos são muito mais visíveis e estão presentes nestas manifestações porque também são afetados pelo sistema”, afirmou Érika Montesinos, da associação lésbica chilena “Rompendo o Silêncio”.

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