Está aqui
Crescem as denúncias de violência sexual na repressão dos protestos no Chile
Uma reportagem da correspondente em Santiago do Chile do portal espanhol El Diário dá conta das dezenas de denúncias de violência sexual por parte de militares e polícias chilenos durante a repressão dos protestos contra o governo de Sebastian Piñera.
Até ao fim de outubro, o Instituto Nacional de Diretos Humanos, um organismo independente do governo, apresentou 167 ações judiciais, das quais cinco por homicídio, 92 por torturas e 19 por violência sexual.
Nos casos de violência sexual, há cinco vítimas maiores do sexo masculino e 21 do sexo feminino. Outras 13 são adolescentes e crianças. Algumas das ações judiciais incluem várias vítimas, como no caso das mulheres obrigadas a despir-se em conjunto dentro das esquadras.
A Procuradoria do Chile informou que entre 18 e 27 de outubro foram abertas 840 investigações por denúncias de violência contra agentes do Estado, oito dos quais por suspeita de abuso sexual ou violação, quatro a ameaças de cometer crimes sexuais e 29 por desnudamentos.
Ouvida pelo El Diário, a porta-voz da Rede Chilena Contra a Violência sobre as Mulheres espera que ainda venham a ser conhecidos muitos mais casos, dada a dimensão das manifestações e da repressão. Lorena Astudillo lembra que não foi apenas no tempo de Pinochet que a violência sexual constituiu uma arma da repressão, dando os exemplos das mobilizações estudantis de 2006 ou de 2011.
“Uma forma de repressão é tocar-lhes na vagina, apertando, batendo-lhes nos peitos e tirando-lhes a roupa para as deixar despidas na rua e prendê-las assim. Quando em maio de 2018 explodiram as ocupações feministas das escolas e universidades por causa do assédio sexual, esta denúncia reapareceu e começa a revelar-se que as mulheres são agredidas em sítios diferentes. Nas nossas casas, por agentes do Estado, onde estudamos, onde trabalhamos e assim fica evidente uma realidade a que mais de metade da população fazia vista grossa”, afirmou a advogada e ativista feminista chilena.
Por seu lado, Beatriz Bataszew, sobrevivente de violência política e sexual da ditadura de Pinochet, aponta o dedo aos partidos da esquerda chilena por terem “sempre deixado de fora o tema das mulheres, do feminismo e a violência política sexual”, o que fez com que os testemunhos deste tipo de violência durante a ditadura não tenham nenhum valor para a justiça.
Esta ativista do coletivo “Mulheres Sobreviventes Sempre Resistentes” lembra que sempre defenderam a tipificação do crime sexual como autónomo na altura do debate sobre lei da tortura, mas isso não foi aceite. “O que se vai passar agora? A judicialização dos casos destas companheiras será sobre violência sexual, mas a componente política dessa violência, a componente de que são agentes do Estado, vai ficar de fora”, lamenta.
Também a comunidade LGBTI+ foi alvo de abusos por parte da polícia e militares durante a semana em que vigorou o estado de exceção no país. Uma advogada da ABOFEM, coletivo de advogadas feministas, também recolheu várias denúncias, incluindo casos de menores. Mais uma vez, as ameaças de violação e os desnudamentos surgem no topo das queixas. “Temos uma polícia que não mudou desde os anos 1980 e agora temos uma situação em que estes corpos diversos são muito mais visíveis e estão presentes nestas manifestações porque também são afetados pelo sistema”, afirmou Érika Montesinos, da associação lésbica chilena “Rompendo o Silêncio”.
Adicionar novo comentário