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Correio da Manhã e Observador em silêncio sobre abuso fiscal dos seus patrões
O mais recente arquivo de documentos do Centro Internacional de Jornalistas de Investigação relativos a offshores e fuga fiscal, os Pandora Papers, revelou-se clarificador sobre a forma como vários e destacados dirigentes políticos e personalidades em todo o mundo criam e gerem as suas fortunas. Em Portugal, a investigação do Expresso revelou novas ligações de velhas famílias com contas em diversos paraísos fiscais.
Foi assim com Ricardo Salgado e o universo bancário e empresarial Espírito Santo, com novas ligações a serem reveladas entre Salgado, um ministro venezuelano, a mulher do ministro e uma casa do Chiado, passando por um esquema de suborno e lavagem de dinheiro entre o Brasil, Dubai, Suíça, Venezuela e Portugal.
Também a família Soares dos Santos, dona da rede Pingo Doce e com uma fortuna calculada em pelo menos 3,6 mil milhões de euros, se revelou recorrer atualmente a empresas sediadas no Panamá, Ilhas Virgens Britânicas e ilha de Jersey para gerir a fortuna através de um trust sediado na Suíça.
Agora, foi a vez do patrão da Cofina, Paulo Fernandes, que detém títulos como o Correio da Manhã, a Sábado ou a CMTV, a ser identificado como beneficiário de uma offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, criada através da Alcogal (tal como no caso de Ricardo Salgado) com base no Panamá, a pedido de uma empresa suíça de serviços fiduciários, a AMN Consultants, dando-lhe poderes para gerir uma conta no Morgan Stanley de Genebra.
Foram também identificados quatro acionistas fundadores do Observador: Alexandre Relvas, Filipe de Botton, Pedro Almeida e António Alvim Champalimaud.
Relvas e Botton, ambos administradores da Logoplaste, confirmaram ao Expresso que geriram offshores para o processo de internacionalização da empresa. Paralelamente, Botton criou uma offshore para gerir a fortuna imobiliária da família, empresa que foi repatriada em 2010, durante a vigência do RERT II. Almeida foi beneficiário de duas offshores com sede no Panamá entre 2005 e 2009, tendo depois criado outra offshore ainda ativa com sede na Suíça. Já António Alvim Champalimaud criou as suas offshore em 2018, que se mantêm ativas.
O estranho silêncio seletivo do Observador, Correio da Manhã, Sábado ou Jornal de Negócios
Todas as revelações dos Pandora Papers refletiram-se em notícias dedicadas no Observador, fossem nacionais ou internacionais. "Tudo o que tem de saber sobre os Pandora Papers", pode ler-se num podcast dedicado. "Investigação sobre paraísos fiscais menciona três políticos portugueses", lê-se noutro título. "Manuel Pinho, Morais Sarmento e Vitalino Canas mencionados em nova investigação jornalística", lê-se ainda noutro. Ou ainda, "Shakira, Guardiola e Julio Iglesias entre as estrelas internacionais que usaram offshores para negócios".
Também o Correio da Manhã, tal como a Sábado ou o Jornal de Negócios, deu grande destaque às primeiras revelações dos Pandora Papers relativas a Portugal. "Pandora Papers: Riqueza oculta apanha três políticos portugueses. Saiba quem são", pode ler-se num dos primeiros títulos de 4 de outubro. "Consórcio de jornalistas revela que 14 líderes mundiais esconderam fortuna", lê-se noutro. Ou dina, "Finanças vigiam nomes dos donos de offshores".
No entanto, sobre Relvas, Botton ou Champalimaud ou mesmo Paulo Fernandes, não se encontra qualquer referência.
Depois do Expresso e do Esquerda.net noticiarem as relações dos patrões destes órgãos de comunicação social a offshores, apenas a TSF e Jornal de Notícias o fizeram também.
Do mesmo modo, apesar da preocupação com políticos portugueses, nenhuma destas publicações se preocupou também em fazer referência às offshores da família Soares dos Santos.
O Jornal de Negócios dedicou a Filipe de Botton uma longa e detalhada biografia sobre o sucesso da Logoplaste, publicada em fevereiro de 2020 com o título "A Plasticidade da família Botton", escolha retroativamente irónica. Em nenhum momento é referido o recurso a offshores para a estratégia de internacionalização da empresa que, depois questionado pelo Expresso, Botton justificou como absolutamente normal e consentâneo com empresas internacionais.
Paulo Fernandes, Relvas e Botton foram todos condecorados por Cavaco Silva enquanto Presidente da República com a Grã-Cruz de Mérito Industrial ou de Internacionalização. Esta ligação reflete-se em 2016 numa iniciativa conjunta entre o Jornal de Negócios e o Novo Banco para premiar uma nova geração de gestores.
Na sessão, Paulo Fernandes teceu considerações sobre o país, considerando que, no passado, "pusemos muitos ovos em poucos cestos. E escolhemos os cestos errados", como Angola ou Brasil. Por seu lado, Filipe de Botton disse que "hoje, os empresários têm uma competência que não é igual há 25 anos. A minha geração é medíocre. Temos dificuldade em sair da nossa zona de conforto".
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