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Correio da Manhã e Observador em silêncio sobre abuso fiscal dos seus patrões

Quatro dias depois de o Expresso revelar através dos Pandora Papers que os donos da CMTV, Jornal de Negócios, Sábado ou Observador tiveram ou têm várias contas offshore, nenhum destes órgãos de comunicação social fez referência a estas informações.
Filipe de Botton, acionista do Observador, a ser condecorado com a Grã-Cruz de Mérito Empresarial por Cavaco Silva juntamente com Alexandre Relvas, em 2014. Foto via anibalcavacosilva.arquivo.presidencia.pt.
Filipe de Botton, acionista do Observador, a ser condecorado com a Grã-Cruz de Mérito Empresarial por Cavaco Silva juntamente com Alexandre Relvas, em 2014. Foto via anibalcavacosilva.arquivo.presidencia.pt.

O mais recente arquivo de documentos do Centro Internacional de Jornalistas de Investigação relativos a offshores e fuga fiscal, os Pandora Papers, revelou-se clarificador sobre a forma como vários e destacados dirigentes políticos e personalidades em todo o mundo criam e gerem as suas fortunas. Em Portugal, a investigação do Expresso revelou novas ligações de velhas famílias com contas em diversos paraísos fiscais.

Foi assim com Ricardo Salgado e o universo bancário e empresarial Espírito Santo, com novas ligações a serem reveladas entre Salgado, um ministro venezuelano, a mulher do ministro e uma casa do Chiado, passando por um esquema de suborno e lavagem de dinheiro entre o Brasil, Dubai, Suíça, Venezuela e Portugal.

Também a família Soares dos Santos, dona da rede Pingo Doce e com uma fortuna calculada em pelo menos 3,6 mil milhões de euros, se revelou recorrer atualmente a empresas sediadas no Panamá, Ilhas Virgens Britânicas e ilha de Jersey para gerir a fortuna através de um trust sediado na Suíça.

Agora, foi a vez do patrão da Cofina, Paulo Fernandes, que detém títulos como o Correio da Manhã, a Sábado ou a CMTV, a ser identificado como beneficiário de uma offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, criada através da Alcogal (tal como no caso de Ricardo Salgado) com base no Panamá, a pedido de uma empresa suíça de serviços fiduciários, a AMN Consultants, dando-lhe poderes para gerir uma conta no Morgan Stanley de Genebra.

Foram também identificados quatro acionistas fundadores do Observador: Alexandre Relvas, Filipe de Botton, Pedro Almeida e António Alvim Champalimaud.

Relvas e Botton, ambos administradores da Logoplaste, confirmaram ao Expresso que geriram offshores para o processo de internacionalização da empresa. Paralelamente, Botton criou uma offshore para gerir a fortuna imobiliária da família, empresa que foi repatriada em 2010, durante a vigência do RERT II. Almeida foi beneficiário de duas offshores com sede no Panamá entre 2005 e 2009, tendo depois criado outra offshore ainda ativa com sede na Suíça.  Já António Alvim Champalimaud criou as suas offshore em 2018, que se mantêm ativas. 

O estranho silêncio seletivo do Observador, Correio da Manhã, Sábado ou Jornal de Negócios

Todas as revelações dos Pandora Papers refletiram-se em notícias dedicadas no Observador, fossem nacionais ou internacionais. "Tudo o que tem de saber sobre os Pandora Papers", pode ler-se num podcast dedicado. "Investigação sobre paraísos fiscais menciona três políticos portugueses", lê-se noutro título. "Manuel Pinho, Morais Sarmento e Vitalino Canas mencionados em nova investigação jornalística", lê-se ainda noutro. Ou ainda, "Shakira, Guardiola e Julio Iglesias entre as estrelas internacionais que usaram offshores para negócios".

 

Também o Correio da Manhã, tal como a Sábado ou o Jornal de Negócios, deu grande destaque às primeiras revelações dos Pandora Papers relativas a Portugal. "Pandora Papers: Riqueza oculta apanha três políticos portugueses. Saiba quem são", pode ler-se num dos primeiros títulos de 4 de outubro. "Consórcio de jornalistas revela que 14 líderes mundiais esconderam fortuna", lê-se noutro. Ou dina, "Finanças vigiam nomes dos donos de offshores".

No entanto, sobre Relvas, Botton ou Champalimaud ou mesmo Paulo Fernandes, não se encontra qualquer referência.

Depois do Expresso e do Esquerda.net noticiarem as relações dos patrões destes órgãos de comunicação social a offshores, apenas a TSF e Jornal de Notícias o fizeram também.

Do mesmo modo, apesar da preocupação com políticos portugueses, nenhuma destas publicações se preocupou também em fazer referência às offshores da família Soares dos Santos.

O Jornal de Negócios dedicou a Filipe de Botton uma longa e detalhada biografia sobre o sucesso da Logoplaste, publicada em fevereiro de 2020 com o título "A Plasticidade da família Botton", escolha retroativamente irónica. Em nenhum momento é referido o recurso a offshores para a estratégia de internacionalização da empresa que, depois questionado pelo Expresso, Botton justificou como absolutamente normal e consentâneo com empresas internacionais.

Paulo Fernandes, Relvas e Botton foram todos condecorados por Cavaco Silva enquanto Presidente da República com a Grã-Cruz de Mérito Industrial ou de Internacionalização. Esta ligação reflete-se em 2016 numa iniciativa conjunta entre o Jornal de Negócios e o Novo Banco para premiar uma nova geração de gestores.

Na sessão, Paulo Fernandes teceu considerações sobre o país, considerando que, no passado, "pusemos muitos ovos em poucos cestos. E escolhemos os cestos errados", como Angola ou Brasil. Por seu lado, Filipe de Botton disse que "hoje, os empresários têm uma competência que não é igual há 25 anos. A minha geração é medíocre. Temos dificuldade em sair da nossa zona de conforto".

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