A Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade alcançou um conjunto de acordos que passaram a ser conhecidos como o pacto de Kunming-Montreal. O resultado, que tem sido louvado como um momento “histórico” na conservação do ambiente, deixou de fora os dois países que não participaram no encontro - os Estados Unidos da América e o Vaticano - e foi alcançado na madrugada desta segunda-feira.
Para além disso, vários países africanos queixaram-se de uma imposição de última hora que não respeitou a sua exigência de criação de um novo fundo para a biodiversidade, separado do já existente, o GEF, global environment facility, que tem beneficiado sobretudo a China, o Brasil, a Indonésia, a Índia e o México. Apesar de República Democrática do Congo, Camarões e Uganda expressarem objeções sobre o texto final, o ministro do ambiente chinês que presidia à reunião, Huang Runqiu, procedeu ao anúncio de um acordo às 03.30, saudado efusivamente na sala. Do lado congolês fala-se em incredulidade, do camaronês em “fraude” e do ugandês em “golpe de Estado” revela o Guardian.
Mas estas reticências acabaram por ser abafadas pelos ecos mediáticos de, nesta COP 15 da Biodiversidade, os governos mundiais pela primeira vez terem assinado um acordo desta natureza. Apesar de a decisão não ser vinculativa em termos legais.
Um dos pontos acordados é o chamado 30/30. O compromisso de conservar 30% do planeta até 2030, criando novas áreas protegidas que devem respeitar os territórios indígenas e tradicionais e sublinhando a importância das áreas húmidas, florestas tropicais, recifes de corais e prados. Os modelos de conservação de biodiversidade indígenas devem tornar-se a norma, pois como provam vários estudos científicos, os indígenas são apenas 5% da humanidade e protegem 80% da biodiversidade da Terra. 2030 foi ainda a data para a qual foi apontada a intenção de reduzir o risco de extinções e objetivo de restaurar 30% dos ecossistemas degradados.
Os governos concordaram ainda numa reforma dos subsídios que atentem contra o ambiente. Calcula-se que, a cada ano, 1,8 triliões de dólares de subsídios governamentais tenham efeitos nocivos para a vida selvagem e para o aquecimento global como por exemplo a produção de carne e a utilização de fertilizantes sintéticos. Por ano, os governos comprometem-se a reduzir este tipo de subsídios em 500 mil milhões de dólares. Apesar de não se especificar se se trata de uma redução efetiva, de uma mera diminuição ou de uma reforma destas despesas. Os governos deverão ainda passar a obrigar as empresas multinacionais a revelar “os seus riscos, dependências e impactos sobre a biodiversidade”.
Registaram-se ainda avanços na criação de um mecanismo de financiamento dos chamados DSI, a “sequência digital de informação”, que vinha sendo reclamado pelos países em desenvolvimento. Trata-se da informação genética retirada da natureza e utilizada para produzir medicamentos, vacinas e alimentos. Os países em desenvolvimento, nomeadamente os africanos, exigiam um pagamento pelo uso dos seus recursos.
Do lado dos críticos ao acordo alcançado, sublinha-se que os compromissos ficam aquém do necessário, especialmente em dois pontos-chave o uso de pesticidas e a questão da redução dos padrões de consumo. Por exemplo, a linguagem sobre a poluição por plásticos foi matizada passando a dizer-se que os países devem “trabalhar para a eliminação da poluição por plástico”, não se apresentando quaisquer objetivos concretos.
Não são consideradas satisfatórias também várias ausências notadas nos documentos finais, como não surgir em nenhuma ocorrência o termo “positivo em termos da Natureza” que alguns cientistas usam como o equivalente no que diz respeito à biodiversidade do que significam as emissões zero de carbono no que diz respeito às alterações climáticas. Igualmente de fora ficou o objetivo de aumento de 5% nos ecossistemas naturais até 2030.
Por outro lado, o facto de os acordos não imporem políticas concretas aos Estados signatários faz temer que se venham a tornar letra morta. E mesmo que algumas medidas venham a ser tomadas neste âmbito, explica Stuart Butchart, especialista da BirdLife International, “a ausência de quantificação significa que é difícil responsabilizar os governos”.