Chile: nova Constituinte dominada pelas forças que não querem mudar a Constituição

08 de maio 2023 - 16:32

A extrema-direita foi a força mais votada nas eleições para o Conselho Constitucional encarregue de escrever uma proposta que irá a votos em dezembro. O conjunto da direita tem maioria no órgão. O presidente Boric garante que o seu governo não vai interferir.

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Eleitora a votar este domingo no Chile para o Conselho Constitucional. Foto de AILEN DIAZ/EPA/Lusa.
Eleitora a votar este domingo no Chile para o Conselho Constitucional. Foto de AILEN DIAZ/EPA/Lusa.

Depois da derrota do processo constituinte anterior em referendo, o governo chileno lançou uma nova tentativa para mudar a Constituição herdada de Pinochet. Este domingo houve votação para eleger um Conselho Constitucional de 50 membros encarregue de redigir uma proposta para ir outra vez a votos. Desta vez, foi a direita a ganhar a eleição.

Com 95,13% dos votos contados, estava assegurada já claramente a derrota da coligação de esquerda, Unidade para o Chile, promovida pelo presidente Gabriel Boric e que juntou a Frente Ampla, o Partido Comunista, o Partido Socialista, a Revolução Democrática, os Comuns, o Partido Liberal do Chile, entre outros, ficando-se pelos 28,45% (17 conselheiros).

A extrema-direita foi quem mais ganhou. O Partido Republicano do Chile do ex-candidato presidencial José Antonio Kast obteve 35,48% dos votos (22 conselheiros). E a coligação da direita tradicional, chamada Chile Seguro, juntando União Democrata Independente, Renovação Nacional e Evópoli, obteve 21,14% dos votos (11 conselheiros).

Depois de redigidas as propostas, um novo referendo acontecerá em dezembro deste ano. Mas este processo fica desta forma protagonizado pelos opositores a uma mudança de constituição. Kast foi sempre contra alterar a constituição de Pinochet do qual, aliás, é admirador confesso. Isto para além de promover a imagem do “Trump chileno”, seguindo a mesma agenda ultra-conservadora e neo-liberal dos apoiantes do ex-presidente norte-americano.

A mensagem do líder da extrema-direita nesta noite eleitoral, segundo a Página 12, ficou assim marcada pela ambiguidade de quem assegurou que procurará acordos com a esquerda para se chegar a um texto constitucional mas ao mesmo tempo declarou que o “Chile não precisa de uma nova constituição”. Para ele, a votação significou que o Chile “derrotou um governo falhado”.

Por sua vez, Boric assinalou que, finda esta etapa, “voltamos a ter uma oportunidade de construir com diálogo e encontro uma nova Carta Magna que represente da melhor maneira possível as aspirações que nós, chilenos, queremos construir”, um processo que deveria ser virado para o futuro e no qual “o governo não vai interferir”, “convidando” o Partido Republicano “a não cometer o mesmo erro que nós cometemos”, atribuindo o “fracasso” do processo anterior a “não termos sabido escutar quem pensava de forma diferente”.

Aquele processo tinha ficado marcado pela hegemonia da esquerda. Em 2020, no contexto de um amplo movimento de contestação ao governo anterior de Sebastián Piñera, um referendo respondia à pergunta “quer uma nova constituição” com uns significativos 78,28%. No ano a seguir, uma Convenção Constitucional de 155 membros foi eleita com uma maioria de esquerda.

Só que, em setembro do ano passado, apenas seis meses depois da eleição de Boric para a presidência, acabou por ser rejeitada por 61,89% dos votos. Pelo caminho ficou uma proposta de constituição considerada das mais democráticas e avançadas em termos de direitos sociais, com preocupações ambientais, defesa da plurinacionalidade do país, da paridade de género, respeito pelas identidades indígenas e defesa de um Estado social.

Muitas destas mudanças tinham ficado pelo caminho ainda antes da votação de domingo. Antes destes conselheiros tomarem decisões, ficou acordado que um esboço de constituição iria ser escrito por 24 peritos escolhidos pelos partidos. O acordo alcançado foi que este ponto de partida não iria questionar em nada o sistema político, deixaria de fora o conceito de plurinacionalidade, um dos mais atacados pela direita, e não mudaria o modelo económico do país.

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