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Casa da Música investigada por suspeitas de favorecimento de mecenas

A denúncia entregue às autoridades foi divulgada no site fugasdacasa.net. Documentos e faturas levantam suspeitas de que a administração oferece benefícios aos mecenas, em violação do Estatuto do Mecenato e Código dos Contratos Públicos.
Casa da Música com os logótipos do BPI e La Caixa em destaque. Foto fugasnacasa.net

O site fugasdacasa.net reúne centenas de faturas e documentos da Casa da Música que indiciam uma relação à margem da lei entre a instituição e os seus mecenas. O Estatuto do Mecenato proíbe que os mecenas sejam beneficiados em contrapartida dos seus apoios, mas nos documentos surgem alguns benefícios comerciais e publicitários concedidos pela Casa da Música, além de casos de contratações de serviços por ajuste direto com valor acima do mínimo de cinco mil euros previsto no Código de Contratos Públicos e que não foram publicados no portal Base.

É o caso da compra de arranjos florais a uma empresa, a Casa Florida, detida pela esposa do presidente da Sogrape Vinhos, uma das empresas fundadoras e mecenas da Casa da Música. Segundo a denúncia, Fernando da Cunha Guedes surge como gerente da Casa Florida desde 2015 e é o atual vice-presidente do Conselho de Fundadores da Casa da Música. Segundo os valores apresentados, os custos com as flores adquiridas desde 2009 ascendem a cerca de 200 mil euros e superam mesmo em mais do dobro o valor doado pela Sogrape Vinhos em patrocínios e mecenato. Ao jornal Público, Cunha Guedes rejeita as acusações e qualquer interferência dele próprio ou da Sogrape na gestão executiva da Casa da Música.

Outro dos casos denunciados envolve a seguradora Allianz, em cuja administração se sentava José Pena do Amaral e com quem a Casa da Música contratou apólices de seguro sem concurso público no valor de cerca de 150 mil euros anuais. Também aqui, o valor oferecido pelo mecenas à Casa da Música fica abaixo da despesa da instituição junto da seguradora. A denúncia aponta ainda que "os privilégios concedidos à Allianz pela Fundação Casa da Música começaram precisamente em 2015, assim que José Pena do Amaral foi designado presidente do Conselho de Administração da Casa da Música (cargo que exerceu até Junho de 2021)".

Mecenas tratados como patrocinadores... mas com benefício fiscal

A Sonae é outros dos mecenas que teve dirigentes sentados dos órgãos sociais da Casa da Música, que todos os anos gasta cerca de cem mil euros no hotel Porto Palácio, do mesmo grupo, para alojar artistas, e atribuiu à Sonaecom a sua rede de comunicações em 2008. Também o BPI e a Fundação La Caixa, dois dos mecenas com maior visibilidade nos eventos e no próprio edifício da Casa da Música, com os seus logótipos inscritos no cubo gigante, são privilegiados em relação aos restantes mecenas, ao arrepio do que determina o Estatuto do Mecenato. Segundo a denúncia, apesar de o Relatório de Contas da Casa da Música de 2020 não incluir o pagamento do apoio de 320 mil euros previsto, todas as publicações da instituição incluíram os logótipos do BPI e da Fundação La Caixa como "mecenas principal", no que considera "um caso singular de destaque publicitário a um mecenas que nada contribuiu". A denúncia refere ainda a avença existente desde 2009 com a sociedade de advogados Telles Abreu, também ligada ao BPI, e que em mais de dez anos não foi comunicada no portal Base apesar de a lei obrigar à transparência destes contratos.

O não cumprimento do princípio de tratamento igualitário dos mecenas é assumido em várias publicações da Casa da Música, ao reconhecer "dar visibilidade aos vários mecenas mas escaloná-los de acordo com os níveis de apoio que concedem à Casa da Música”, como se lê no Plano de Atividades para 2018. Os "mecenas principais" têm ainda direito a créditos para aluguer das instalações e uma presença nos materiais de comunicação da Casa da Música que equivale na prática ao de patrocinadores, com a diferença que os seus contributos têm direito a benefícios fiscais.

Em reação a estas denúncias, a administração da Casa da Música afirmou ao jornal Público que as relações com os seus mecenas ou fundadores “não condicionam, determinam ou influenciam a escolha dos prestadores de serviços” e que já enviou os seus esclarecimentos ao Tribunal de Contas, que a terá notificado em dezembro de 2021, aguardando "com serenidade" a decisão dos juízes. A Casa da Música reconhece que só em maio de 2016 passou a “adotar os procedimentos de contratação pública em toda a extensão para o conjunto das actividades da Casa da Música”, na sequência de um relatório da Inspeção Geral de Finanças.

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