Está aqui

A carta venezuelana no Mercosul

A decisão sobre a entrada da Venezuela no fim de julho como membro pleno do Mercosul excede em muito a crise paraguaia. Será difícil para a oposição venezuelana, na campanha eleitoral, atribuir a Hugo Chávez uma política de isolamento internacional. Por Martín Granovsky, da Página/12
Abertura da Cimeira do Mercosul na Argentina a 28 e 29 de junho. Foto MNE Equador/Flickr

Os membros plenos do Mercosul definiram algo que os presidentes do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai já tinham resolvido: fixaram uma data para a incorporação da Venezuela ao Mercosul como o quinto membro do grupo com todos os direitos e obrigações. A diferença é que, desta vez, o Paraguai não participou da decisão porque, justamente, viu suspensos parte dos seus direitos e obrigações. Até então, o Senado paraguaio vinha travando a integração de Caracas. Era a única das oito câmaras legislativas dos quatro membros plenos que se opunha à ratificação do acordo firmado pela presidência. Mas a decisão de agregar a Venezuela excede em muito a crise paraguaia.



Os dois maiores países da região, Brasil e Argentina, conceberam a entrada venezuelana durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. Trata-se da terceira economia da América do Sul, fecha um bloco que articula o extremo sul com o extremo norte do continente, contribui para a solidez energética por seu caráter de membro da Organização de Países Exportadores de Petróleo e não apresenta obstáculos comerciais porque não tem firmado nenhum tratado de livre comércio com terceiros países, como é o caso de Colômbia e Peru, entre outros, com os Estados Unidos.



A data escolhida, 31 de julho, já em plena presidência pro tempore do Brasil no Mercosul, terá incidência política. A Venezuela adiantou dois meses as eleições presidenciais programadas inicialmente para dezembro e as realizará em outubro, ou seja, menos de três meses depois da sua entrada como membro pleno do Mercosul. Será difícil para a oposição venezuelana construir parte de sua campanha eleitoral querendo atribuir a Hugo Chávez uma política de isolamento internacional.



A proximidade entre o 31 de julho e as eleições de outubro fortalece Chávez politicamente. Mais ainda: em função do cancro, Chávez precisa realizar demonstrações de poder o mais perto possível das eleições. E um encontro internacional no Rio de Janeiro, com Dilma Rousseff como anfitriã, pode funcionar como um modo mais de construção política regional para o atual presidente venezuelano. Não é que isso defina as eleições. Como ficou demonstrado, se ainda fosse preciso fazê-lo, pela crise paraguaia, as intervenções políticas externas podem ser preventivas ou dissuasivas só como acréscimo de uma realidade interna. O que manda é esta. Isso acaba de ser confirmado também pela solução da sublevação policial boliviana. Evo Morales, com poder político, decisão, apoio parlamentar e construção própria pode encontrar uma solução e negociar o fim do conflito. Para Fernando Lugo, em troca, foi impossível travar a última tentativa de julgamento político e ele acabou destituído.



Uma teoria sobre a Venezuela é que Brasil e Argentina exercem tutela sobre Chávez, uma espécie de irmão menor desvairado que precisa do controle dos mais velhos. É certo que nenhum desses países tem simpatia, por exemplo, com os contatos da Venezuela com o regime iraniano. Mas nem Buenos Aires nem Brasília podem intrometer-se nos assuntos internos da Venezuela. Também é certo, ao mesmo tempo, que a integração gera laços capazes de mediar atitudes. Uma Venezuela mais conectada física, económica e politicamente ao resto da América do Sul pode fazer com que o seu governo pense mais antes de tomar certas decisões. De facto, esse tipo de assunto costuma fazer parte das conversas íntimas e sinceras entre presidentes. Antes, com Lula e Kirchner. Agora, com Dilma e Cristina.



Um papel chave será desempenhado por Alí Rodriguez, várias vezes ministro de Chávez, ex-secretário da OPEP e novo secretário da União Sulamericana de Nações, sucedendo um instável mandato da colombiana María Emma Mejía. Rodríguez disse ao jornal Página/12 que a América do Sul deve unir-se em defesa de seus recursos naturais e em busca de maior desenvolvimento e de níveis mais amplos de justiça. Ele é assessorado na Unasul pelo argentino Rafael Follonier, que cumpriu as mesmas funções quando Kirchner mediou o conflito entre Colômbia e Venezuela, evitando uma guerra em 2010, e que mantém o seu status de secretário de Estado na Casa do Governo argentino.



A América do Sul, pelo que se vê, ainda tem cartas para jogar em meio ao furacão da economia mundial. Tantas que nem sequer a deposição ilegal de Lugo e sua substituição por Federico Franco foram capazes de arruinar o jogo.




Tradução: Katarina Peixoto. Publicado na Carta Maior

Termos relacionados Internacional
Comentários (1)