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Caniçada: Em 43 construções, apenas uma cumpre os requisitos legais

Após um conjunto de audições solicitadas pelo Bloco, será criada uma equipa para licenciar e fiscalizar as construções ilegais nesta zona do Gerês. “Ficou claro que as várias entidades com responsabilidade não estavam articuladas entre si” afirma o deputado José Maria Cardoso.
Caniçada: em 43 construções apenas uma cumpre os requisitos legais. Fotografia: Indignados de Louredo

De acordo com a Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), das 43 operações urbanísticas realizadas entre 2008 e 2017 na zona da albufeira da Caniçada, próximo do Gerês, apenas uma cumpre os requisitos legais aplicáveis em matéria de ordenamento do território. 

Esta situação tem motivado diversos protestos e movimentações locais, que o Bloco de Esquerda tem acompanhado. Consequentemente, o partido solicitou a audição na Assembleia da República da  IGAMAOT, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) bem como dos presidentes das Câmaras de Terras de Bouro e de Vieira do Minho. O Bloco solicitou pediu também a audição do movimento “Indignados de Louredo”, cujas ativas denúncias levaram à inspeção da IGAMAOT. 
 

Das audições entretanto efetuadas (às quais não compareceu o presidente da Câmara de Vieira do Minho), denota-se uma “assumida falta de articulação entre os organismos fiscalizadores”, afirma José Maria Cardoso. 

Entretanto, o inspetor-geral da IGAMAOT, José Brito e Silva, apresentou a criação de uma “task-force com entidades com capacidade para licenciar e fiscalizar para atacar o problema” das construções ilegais. 

Em declarações ao esquerda.net, o deputado José Maria Cardoso refere que “nada foi feito para responder às indicações arrasadoras patentes no relatório da IGAMAOT”, acrescentando que se verificou que “a APA não tem profissionais suficientes para intervir” e que o Plano de Ordenamento Albufeira Caniçada “já tem mais de 20 anos e está para ser revisto há mais de 10”.
 

“É essencial que as entidades responsáveis se articulem e sejam capazes de agir adequada e atempadamente para fazer face a estes abusos, de modo a evitar que se perpetuem os impactos no ambiente”, conclui José Maria Cardoso, afirmando que o Bloco de Esquerda irá continuar a acompanhar atentamente esta situação. 

O que está em causa

No dia 21 de abril de 2021, o Ministério Público constituiu 31 arguidos em dois processos  referentes a construções ilegais na área envolvente da albufeira da Caniçada. Entre os acusados encontram-se autarcas e técnicos das câmaras municipais de Terras de Bouro e  de Vieira do Minho, bem como proprietários e arquitetos das construções. Em causa estarão crimes de violação de regras urbanísticas, de falsificação ou contrafação de  documento, crimes de abuso de poder e crimes de prevaricação de titular de cargo político. 

Das 43 operações urbanísticas realizadas entre 2008 e 2017 na zona da albufeira da Caniçada, apenas uma cumpre os requisitos legais aplicáveis em matéria de ordenamento do território. Esta é a principal conclusão do relatório da IGAMAOT publicado em fevereiro de 2017 sobre o cumprimento do Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada (POAC) cuja abrangência territorial compreende os municípios de Terras de Bouro e de Vieira do Minho. 

No relatório, a Inspeção Geral identifica dezenas de intervenções urbanísticas ilegais, a maioria das quais habitações, não só na zona terrestre de proteção da albufeira da Caniçada, mas também em zonas do Parque Nacional da Peneda-Gerês e em servidões e restrições de utilidade pública como a Reserva Ecológica Nacional (REN), a Reserva Agrícola Nacional (RAN), o Sítio de Interesse Comunitário da Rede Natura 2000 Peneda/Gerês (PTCON0001) e o Domínio Público Hídrico. 

No município de Terras de Bouro, a IGAMAOT avaliou 24 construções – todas ilegais –, 13 das quais no Parque Nacional da Peneda Gerês. Metade das intervenções são habitações,  cinco dizem respeito à consolidação ilegal de edifícios em domínio hídrico para apoio de  praia e desportos náuticos e sete para o apoio a atividades económicas. A Inspeção Geral concluiu que as construções provocaram impactos na paisagem e no meio hídrico através  da movimentação de terra, da abertura de acessos e da construção de muros de vedação e suporte.  

Entre as operações urbanísticas avaliadas em Terras de Bouro, apenas seis foram precedidas de controlo prévio e quatro foram mesmo construídas à revelia do projet  aprovado. O IGAMAOT concluiu que “nenhuma das operações urbanísticas objeto de análise cumpriu com as exigências respeitantes aos regimes de salvaguarda e de gestão do POAC, ou ainda, com as regras de ocupação, uso e transformação do solo decorrentes das demais disposições legais aplicáveis.” 

Em Vieira do Minho, o relatório da Inspeção Geral avaliou 19 construções, das quais apenas uma cumpria as normas relativas aos regimes de salvaguarda e gestão do POAC. A maioria das intervenções urbanísticas são também habitações, existindo ainda  três edifícios licenciados para o apoio à agricultura – apesar de dois não o aparentarem, segundo a IGAMAOT –, um edifício de uso desconhecido, muros de vedação e de suporte e um clube náutico. Foram detetadas 15 obras sem controlo prévio ou construídas à  revelia do projeto aprovado.  

Apesar de muitas das falhas e insuficiências serem atribuídas aos serviços municipais de Terras de Bouro e de Vieira do Minho, a IGAMAOT revela que várias destas situações eram há muito do conhecimento de entidades da Administração Central. Concretamente, sete das obras ilegais detetadas em Vieira do Minho estavam referenciadas pela APA, CCDR-N e ICNF. O relatório dá como exemplos a construção ilegal de um clube náutico, de moradias e piscinas, movimentação de terras e destruição de coberto vegetal que eram do conhecimento da APA, pelo menos desde 2014, e da CCDR-N, pelo menos desde 2012. A Inspeção Geral refere que à data da publicação do relatório estas entidades não tinham  ainda “esgotado todos os mecanismos colocados ao seu alcance para restituir a legalidade”. 

Sobre o sancionamento das ilegalidades detetadas, a IGAMAOT verificou que dos “16 processos contraordenacionais apresentados, nove foram arquivados e destes, cinco bastaram-se com o pagamento de coima, de valor reduzido face aos bens jurídicos violados, não tendo sido concretizadas as indispensáveis medidas de reposição da legalidade.” Acresce ainda o facto de que “três dos processos contraordenacionais decididos pela APA determinaram a reposição da situação anterior à infração que, contudo, não foi concretizada até à data de conclusão do projeto do relatório.” 

Notícia atualizada a 1 de julho de 2021.

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