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Bloco acusa autarca de Loures de aproximação à extrema-direita com “caça aos mais pobres”

O presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, a pretexto do Plano Extraordinário de Recuperação de Créditos e Regularização de Dívidas da Habitação Municipal, anunciou esta segunda-feira que, se no prazo de 90 dias 800 famílias com rendas em atraso não aderirem a este programa e não cumprirem os requisitos burocráticos para provar que estão na habitação de forma legal, a autarquia iniciará “os processos de despejo".
A deputada municipal do Bloco Rita Sarrico, reagindo a este anúncio, explica que o mesmo “é contraditório com a proposta que foi apresentada para a regularização das dívidas da habitação municipal e que visava, exatamente, evitar os despejos”.
Conforme explicou a dirigente bloquista, o plano prevê, por exemplo, que quem tenha ordem de despejo e adira ao programa, e efetue o pagamento da primeira prestação, vê a ordem de despejo suspensa; que quem pague a dívida na íntegra tem uma redução de 10% no valor da dívida a pagar; e que uma família com um elevado nível de carência financeira poderá regularizar a dívida em maior número de prestações.
“Foi apresentada como uma proposta para garantir o direito à habitação e evitar despejos, e depois anunciam-nos que essa proposta irá servir para despejos em série. Das duas uma: Ou há aqui uma falha de comunicação, ou então as intenções deste executivo estão muito confusas”, assinalou Rita Sarrico.
A deputada do Bloco foi perentória ao afirmar que não é admissível despejar pessoas sem alternativas dignas. E lamentou que a autarquia não tenha tido abertura para contemplar no plano um acompanhamento direto das famílias visadas, que muitas vezes, não têm a “literacia burocrática” necessária para cumprir os requisitos exigidos, as tenha “deixado à sua sorte” e agora as acuse de “não quererem pagar as suas dívidas”.
“Perseguição aos mais pobres”
No entanto, a posição de Ricardo Leão não constitui uma surpresa para a deputada municipal, tendo em conta “o discurso muito insistente de perseguição aos mais pobres” que o autarca tem adotado.
Rita Sarrico lembrou que, numa reunião da Assembleia Municipal em que se abordou a questão das dívidas relativas às refeições escolares de crianças de famílias mais carenciadas, o autarca afirmou que, se as famílias não pagassem, as crianças ficariam sem comer.
Portanto, este anúncio, “vindo de um presidente que diz este tipo de coisas”, não surpreende a dirigente bloquista. Ou, acrescentou Rita Sarrico, “vindo de um presidente que usa muito o discurso ‘temos direitos mas também temos deveres’ apenas quando se refere, por exemplo, às pessoas que precisam de apoio para ter acesso à habitação. Isto ao mesmo tempo que, no último orçamento, se duplicou a estrutura orgânica da Câmara e os cargos de chefia, sem que se justificasse muito bem a sua criação”, o que representa encargos para a autarquia de um milhão de euros por ano.
A ameaça de despejo de 800 famílias é, para o Bloco, ainda mais condenável num contexto de crise, com uma inflação galopante e a degradação de salários e pensões e, consequentemente, dos rendimentos disponíveis, e com uma especulação imobiliária sem precedentes que põe em causa o direito constitucional a uma habitação digna.
Inclusive, Loures, estando localizado ao lado de Lisboa, acaba por sentir os seus efeitos de forma mais agravada, com “um aumento colossal do valor das rendas”, alertou Rita Sarrico.
A deputada municipal fez referência aos despejos, “de uma violência enorme”, no Bairro do Talude. “Há muito pouco tivemos as demolições das habitações precárias do Bairro do Talude, em que o presidente se congratulou por estar a levar a cabo a erradicação das barracas. Eu pergunto se demolir antes de encontrar soluções de alojamento irá acabar com a proliferação de barracas. E pergunto também se levar a cabo despejos em série de pessoas que não têm sequer 9 euros para pagar a renda não contribuirá para a proliferação de barracas e não o contrário”, frisou Rita Sarrico.
Discurso de Ricardo Leão assemelha-se àquele que André Ventura ensaiou em Loures
O Bloco, garantiu, “fará o que tem feito até agora”. Ou seja, tudo o que está ao seu alcance para garantir que os direitos das famílias carenciadas que habitam nas habitações municipais não são atropelados e o plano de regularização de dívidas não seja usado como “escudo para justificar estes despejos em série”.
Repudiando a “caça aos mais pobres” promovida por Ricardo Leão, Rita Sarrico confronta o PS sobre se este pretende “aproximar cada vez mais as suas posições das da extrema-direita” ou se quer “adotar políticas de esquerda que garantam o direito à habitação”.
A deputada apontou que o discurso de Ricardo Leão se assemelha àquele que André Ventura ensaiou em Loures quando ainda era candidato pelo PSD.
SOBRE A AMEAÇA DE DESPEJO A 800 FAMÍLIAS EM LOURES
Face às recentes notícias relativas às dividas da habitação municipal em Loures, não surpreende que o foco do Presidente da Câmara seja a perseguição dos mais pobres e a ameaça de deixar 800 famílias na rua.
— Rita Sarrico (@sarricorita) May 29, 2023
Associações denunciam que bairros municipais estão “ao abandono”
Em declarações à agência Lusa, José Duarte, missionário comboniano no concelho de Loures, denunciou que não houve “possibilidade de diálogo” com a autarquia. “Isso preocupa-nos, porque quem está no terreno devia também ser escutado. Estamos a falar de muitas organizações, associações", vincou.
De acordo com José Duarte, é preciso expor "o problema nu e cru" e, "entre todos, procurar as soluções alternativas". O missionário alertou que, "se a sociedade civil não é envolvida, há uma parte do problema que não vai ter solução ou, se a tem, não é a mais adequada".
Acresce que “é gravíssimo o estado de saúde mental destas famílias (...), porque não encontram solução para os seus problemas básicos. Não é só a habitação, é a água, a eletricidade, a alimentação, é tudo", apontou.
José Duarte detalhou que a humidade e a falta de higiene e limpeza urbanas constituem os principais problemas das habitações.
Já Rita Silva, da associação Habita!, avançou que “está tudo um pouco abandonado, não há acompanhamento adequado".
Segundo a ativista, os bairros municipais estão ao "abandono completo" e "a falta de manutenção é crítica", pelo que as pessoas deixaram de pagar renda também como forma de protesto por a Câmara não assumir as suas responsabilidades.
"A Câmara devia anular as dívidas para trás, arranjar as casas e começar do zero", defendeu, criticando que a autarquia esteja a "culpabilizar as vítimas" e a nomear como "Habitação Justa" um programa que vai "pesar ainda mais em cima dos desfavorecidos".
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