Blatten votou massivamente contra adaptação climática, agora foi engolida por um glaciar

31 de maio 2025 - 20:38

O colapso do glaciar Birch fez as imagens da vila suíça correrem mundo e colocou novamente na agenda as consequências do aquecimento global.

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Imagens de Blatten este sábado.
Blatten, este sábado. Foto de CYRIL ZINGARO/EPA/Lusa.

Em fevereiro, Blatten parecia muito distante de ser notícia mundial. Esta comuna rural do vale de Lötschental, no cantão de Valais, nos Alpes suíços, com parte importante do seu território incluído na Área de Proteção de Jungfrau-Aletsch, Património Mundial da Unesco por razões ambientais, ia a votos em referendo como o resto do país.

Uma das votações do dia 9 desse mês era sobre a adaptação da economia do país aos limites planetários. Blatten tem cerca de 300 habitantes e o resultado foi massivamente não. Nem todos os eleitores foram às urnas mas, dos que foram, 107 votaram não (91.45%) e apenas dez (8.55%) votaram sim. O sentido de voto foi mais acentuado do que o geral do país onde 69,8% votaram “não” com uma taxa de participação de 37,9%.

A proposta tinha sido apresentada pelos jovens verdes, subscrita por mais de 100.000 cidadãos e era apoiada por movimentos ambientalistas e pela esquerda. Do outro lado estava o governo, liberais e conservadores, e as associações patronais, invocando os custos possíveis, agitando com limitações ao consumo e lançando a ideia de que seria “utópica”.

A iniciativa “por uma economia responsável nos limites do planeta” pretendia a implementação de um plano em dez anos para adaptar a quantidade de recursos gastos e de poluição criada às proporções suportáveis pelo ambiente, respeitando a capacidade de renovação da Natureza. Baseava-se no conceito científico de “limites planetários” que inclui fatores como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, o consumo de água, o uso da terra e de inputs de azoto e fósforo. Incluía preocupações de justiça social e de transição económica de forma a contrariar os habituais argumentos contra medidas ambientais.

O resultado desta votação local estava já esquecido quando, poucos meses passados, as imagens de Blatten chegam a todo o mundo. Depois da evacuação de pessoas e animais, a vila foi literalmente engolida na sua esmagadora maioria, em menos de quarenta segundos, por uma amálgama de dez milhões de metros cúbicos de gelo, lama e rochas, vindas do descongelamento do glaciar Birch. Algumas aldeias próximas correm ainda risco, sobretudo de inundações, e há um desaparecido.

O presidente da autarquia, Matthias Bellwald, declarou perante o sucedido que “o inimaginável aconteceu”. E, esta sexta-feira, Karin Keller-Sutter, presidente da Confederação Helvética, visitou o local, o que também já tinha sido feito por vários ministros, prometendo a chegada em breve de ajuda financeira de emergência. Questionada pelo Le Monde, foi cautelosa quanto às causas do evento.

O mais recente relatório sobre a condição dos glaciares suíços indica que possam desaparecer na sua totalidade caso não seja cumprido o objetivo, cada vez mais longínquo, de manter o aquecimento global abaixo de mais 1,5º relativamente à era pré-industrial, lembra a BBC.

Num artigo diferente, a mesma fonte cita Matthias Huss, do Instituto de Tecnologia Federal de Zurique, cuja equipa monitoriza os glaciares, e cujo trabalho mostra “um degelo claro e acelerado, ligado ao aquecimento global”. Ele sublinha que “muitos destes eventos nos Alpes nos últimos anos estão ligados ao aquecimento global. Parece haver uma ligação bastante clara, porque o aquecimento está a afetar o degelo do permafrost, e o permafrost é o que estabiliza estas altas montanhas”. Para ele, o aconteceu esta semana “é um evento que será bastante decisivo para a Suíça e a forma como entendemos as montanhas”.