Ana Rita Cavaco, ex-bastonária da Ordem dos Enfermeiros e Luís Barreira, atual titular do cargo, irão ser julgados por peculato e falsificação de documentos. De acordo com a acusação do Ministério Público, com a qual a juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa concordou, os 13 arguidos, antigos dirigentes desta organização, terão beneficiado de “ajudas de custo” provenientes do pagamento indevido de despesas de deslocação.
O processo já era conhecido, uma vez que constava de um relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde. Neste se revelava que, em apenas três meses do verão de 2016, Ana Rita Cavaco, tinha recebido verbas entre os 3.265 euros e os 3.984 euros, o que implicaria deslocações de mais de 400 quilómetros todos os dias, 498 em setembro. Tornou-se conhecido numa reportagem da TVI, em 2017, intitulada “As Contas da Ordem”, e foi substanciado no depoimento da ex-dirigente da Ordem dos Enfermeiros, Graça Machado, que confessou que recebia 1.400 euros fixos por mês por deslocações não realizadas como complemento do salário que tinha por desempenhar este cargo. Terá de devolver mais de 14 mil euros.
Ao todo, os arguidos são acusados de se terem apropriado de perto de 61 mil euros. A ex-bastonária ter-se-á apropriado de perto de 10.600 euros. De acordo com o Expresso, o Ministério Público considera que o esquema começou “assim que Ana Rita Cavaco foi eleita no início de 2016”, tendo os arguidos decidido “criar artificialmente um suplemento remuneratório não tributado a que não tinham direito aumentando os valores máximos que poderiam receber ao abrigo dessas normas”.
O esquema durou entre fevereiro e novembro desse ano. No ano seguinte, foi criado um “subsídio de função” para aumentar os salários destes dirigentes. A acusação nota que as folhas de quilómetros emitidas nos anos imediatamente posteriores, 2017 e 2018, passaram a “refletir um número inferior de quilómetros percorridos”.
A juíza de instrução não deu como provadas as contestações apresentadas pelos arguidos para essas viagens escrevendo: “se realizarmos uma análise dos mapas de despesas da arguida pelo prisma da arguida, ou seja, o prisma que a coluna da duração corresponde à duração da viagem facilmente se conclui que as informações não coincidem nem são razoáveis ou sequer possíveis”.
A magistrada desmonta as respostas de Ana Rita Cavaco com exemplos: “não se alcança como pode a arguida insistir em tal interpretação quando a mesma implica, por exemplo que a duração de uma viagem de Lisboa para Ponte de Lima e desta para Lisboa num trajeto de 784 quilómetros fosse empreendido em duas horas (como no caso do dia 1 de julho de 2016)” ou: “Como poderia a arguida no caso da viagem de Lisboa a Melgaço e de Melgaço para Lisboa ter efetuado tal trajeto numa hora e 50 minutos quando estão em causa 930 quilómetros? E como poderia ter almoçado e jantado em Lisboa?” questiona.
O mesmo exercício é feito com as alegações de Luís Barreira, que na altura era vice-bastonário: “Basta atentar na viagem de 10 de agosto de 2016 em que apesar de estar em causa um trajeto de 780 quilómetros (Lisboa-Viana do Castelo-Lisboa) que corresponde, de acordo com o Google Maps, a um tempo total de viagem de 7h33 e indicia-se que o arguido logrou almoçar no restaurante Jesus de Sousa em Lisboa (pagamento pelas 14h08) e também jantar em Lisboa (pagamento pelas 21h05).”