O governador do Banco de Portugal veio ao Parlamento a pedido do Bloco de Esquerda para dar explicações sobre o regime das moratórias de crédito implementadas para proteger pessoas e empresas que perderam rendimentos por causa da pandemia.
Na sua primeira intervenção, Mariana Mortágua começou por referir que os dados relativos às moratórias demoraram muito tempo a serem disponibilizados. De acordo com os dados do Banco de Portugal estavam em moratória “33% do credito empresarial” e “16% do crédito a particulares, sendo 86% deste crédito relativo a habitação.”
A deputada afirmou que “a economia, o tecido empresarial, o emprego e a vida de muitas pessoas está a ser segurada pelo fio das moratórias”. Os apoios sociais “não são suficientes” para fazer face às dificuldades” e muitas pessoas confrontam-se já amanhã com o fim das moratórias, designadamante, um em cinco empréstimos, pelo que “precisam de resposta”.
Mariana Mortágua recordou ainda que terminam em dezembro as moratórias empresariais, considerando que o “Banco de Portugal tem que dar uma resposta muito clara: O que pretende? Uma vaga de incumprimentos?”.
Mário Centeno reconheceu que as “moratórias são um pilar importante da resposta à crise”. Afirmou que “a esmagadora maioria das moratórias estão ao abrigo da moratória pública” mas não apresentou respostas para as muitas pessoas que já amanhã vêm as suas moratórias a terminar.
Quanto às moratórias privadas do crédito à habitação, o governador do Banco de Portugal destacou a trajetória descendente observada desde junho. “Desde o ponto mais alto, que se deu em junho, até fevereiro, houve uma redução dessas moratórias de 42%. São menos 2.375 milhões de euros de euros em moratórias”, afirmou Centeno, sugerindo em seguida a hipótese de "haver um fenómeno de transferência para as moratórias públicas", que desde outubro viram o seu valor crescer em 242 milhões de euros.
O que está em causa
De acordo com o requerimento do Bloco de Esquerda solicitando a audição de Mário Centeno na Comissão de Orçamento e Finanças, o conjunto de moratórias hoje em vigor é provavelmente o maior balão de oxigénio para famílias e empresas perante a crise económica provocada pela pandemia Covid19, especialmente face aos curtos, insuficientes e tardios apoios do Estado.
Esta solução acarreta riscos, quer para a estabilidade do sistema financeiro, quer para as famílias e empresas que temem que o fim destas moratórias preceda a recuperação da atividade económica e do emprego. Sem rendimentos, o retorno sem mais dos pagamentos das dívidas, entretanto aumentadas pela capitalização dos juros, é uma sentença de falência.
Vence no dia 31 de março a primeira tranche significativa de moratórias, as moratórias privadas criadas no âmbito da Associação Portuguesa de Bancos (APB), que essencialmente abrangem o crédito ao consumo e algum crédito à habitação; o crédito ao consumo vence doze meses após a contratação, com o limite de 30 de junho.
A última informação disponibilizada pelo Banco de Portugal relativa ao número de moratórias é referente ao final de setembro e é preciso recuar a maio para obter dados sobre a distribuição entre moratórias públicas e privadas. Assim, não é possível saber quantas famílias enfrentam já a aflição do fim das moratórias da APB, nem quais as razões para que não tenham transitado para o regime público. Acresce que é cada vez mais claro que, em setembro, nem as famílias nem as empresas em Portugal estarão em condições de retomar as suas obrigações de crédito.
O Bloco de Esquerda considera que o fim precipitado das moratórias face à efetiva recuperação da economia e dos rendimentos pode provocar uma vaga de falências com efeitos na economia, no emprego e nos níveis de pobreza, mas na também na estabilidade bancária. Por outro lado, é também claro que, mesmo depois do necessário prolongamento, será preciso pôr em prática um programa de reestruturações que adeque o retorno aos pagamentos à situação financeira de cada devedor.