Nos últimos dias foram conhecidos mais alguns elementos sobre a atividade da Spinumviva, a empresa que o primeiro-ministro criou em 2021, antes de dar o salto para o regresso à primeira linha da atividade política, e que continuou a receber avenças dos clientes já com Montenegro à frente do Governo.
Na quarta-feira, o Observador relatou ter tido acesso a alguns documentos da Spinumviva sobre os serviços prestados pela empresa no âmbito da proteção de dados dos maiores clientes, acompanhados de declarações de Luís Montenegro. Nestas declarações, o primeiro-ministro diz não existir qualquer contrato escrito com os seus maiores clientes para a prestação destes serviços. Apesar de no Parlamento ter sublinhado a complexidade e responsabilidade de lidar com os dados pessoais de milhões de clientes daquelas empresas, incluindo dados sobre saúde, Montenegro refere que a prestação do serviço pela Spinumviva tem como origem um acordo simplesmente verbal entre o então advogado e os responsáveis pelas administrações da Solverde, Ferpinta, Rádio Popular, CLIP e Sofarma.
Segundo o próprio Luís Montenegro confidenciou ao Observador, a metodologia da contratação passava pela apresentação de uma proposta inicial que depois era adaptada nas reuniões com os clientes para definir formas de trabalho e valores de pagamento. “Confesso que na prática as coisas aconteceram com a naturalidade de um trabalho em equipa, e que correu sempre bem, como pode ser confirmado pelas entidades em causa”, acrescenta. Mas quando o Observador lhe pediu o acesso a essas propostas, que tinham ficado fora dos documentos que obtivera, apenas recebeu em troca uma minuta de proposta-tipo sem valores nem datas.
A explicação para a ausência de formalidades (e de documentos) pode estar no facto de que Luís Montenegro já era o prestador do serviço através da sua sociedade de advogados, a SP&M. O Expresso e o Observador confirmaram junto da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) que aquelas empresas já eram assessoradas no âmbito da proteção de dados pela SP&M, tendo apenas migrado esse serviço para a Spinumviva após Montenegro abrir a empresa. A data concreta dessa migração continua sem se saber, à exceção do caso da Solverde, que confirmou ao Observador ter ocorrido em julho de 2021 para garantir “o exercício da função de encarregado de proteção de dados”. Nos documentos da Spinumviva consultados pelo Observador relativos à Sofarma, também há referências à prestação anterior do mesmo serviço pela sociedade de advogados de que Montenegro se desvinculou quando se tornou líder do PSD em junho de 2022, dez anos após a ter criado.
Solverde pagou duas avenças ao mesmo tempo, Spinumviva faturou sem se registar na Comissão Nacional de Proteção de Dados
Segundo avança o Expresso esta sexta-feira, a Solverde terá ficado durante quase um ano a pagar duas avenças às sociedades de Montenegro - à SP&M e à Spinumviva -, pois antes tinha dito ao semanário que a SP&M prestou serviços jurídicos “em várias áreas do direito” entre abril de 2018 e maio de 2022, sem referir na altura que esses serviços incluíam a proteção de dados. Por outro lado, se a avença mensal de 2.500 euros paga à SP&M pela Solverde incluía a proteção de dados e outros serviços jurídicos, fica também por explicar por que aceitou pagar 4.500 euros por mês à empresa de Montenegro apenas pelo trabalho de proteção de dados, dado que a Spinumviva está legalmente impedida de prestar serviços jurídicos.
Ainda segundo o Expresso, apesar da Spinumviva ter iniciado este trabalho com a Solverde em julho de 2021, o encarregado de proteção de dados do grupo de casinos e hotéis registado na CNPD continuou a ser até janeiro 2023 o escritório de advogados SP&M. O mesmo acontece com a Ferpinta e a Rádio Popular, nas quais o encarregado de proteção de dados só deixou de ser a SP&M a 1 e 17 de janeiro de 2023, respetivamente. No caso do CLIP - Colégio Luso Internacional do Porto, acrescenta a CNPD ao Expresso, ainda será a SP&M a estar registada nessa função desde março de 2019. E quanto à Sofarma (Lopes Barata, Consultoria e Gestão, Lda), a CNPD não conseguiu encontrar qualquer registo.
Qual será a explicação para este atraso na atualização do encarregado de proteção de dados junto da CNPD? Sabe-se que no caso da Solverde foi de ano e meio, mas nos restantes casos não se sabe, pois nem a Spinumviva nem os clientes dizem qual a data do início da prestação de serviços e ao Observador só foram entregues documentos desde novembro de 2022. A explicação mais simples para o incumprimento desta obrigação recorrente do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados seria o esquecimento ou negligência. Mas mais uma vez não bate certo com a descrição do primeiro-minstro acerca do zelo e da competência com que a Spinumviva executa os seus serviços na sensível área da proteção de dados pessoais.