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Argentina: Macri procura manter-se à tona

A pesada derrota sofrida pelo atual presidente nas primárias obrigatórias torna praticamente impossível uma reviravolta até às eleições de outubro. Governo anuncia medidas para compensar a crise económica, mas a oposição não o leva a sério.
Meme que circulou na Internet ironizando o resultado das primárias que deixou Macri 16 pontos atrás do seu adversário peronista.
Meme que circulou na Internet ironizando o resultado das primárias que deixou Macri 16 pontos atrás do seu adversário peronista.

O presidente da Argentina, Mauricio Macri, pediu desculpas nesta quarta-feira pelo que disse dois dias antes, ao saber da pesada derrota que sofreu nas eleições primárias obrigatórias (PASO). Com a apuração já praticamente terminada, a Frente de Todos, dos peronistas Alberto Fernández e Cristina Kirchner, venceu com 49,2%, contra 33,2% do Juntos pela Mudança de Macri. Depois de um dia de euforia entre os macristas, devido a uma sondagem que dava uma pequena vantagem ao atual presidente, a dura realidade de uma derrota tão pesada teve efeitos. Ao reconhecer que teve uma má eleição, Macri culpou a oposição e os seus eleitores pela desvalorização do peso e a queda abrupta da Bolsa de Buenos Aires que ocorreu segunda-feira. “Estava afetado pelos resultados de domingo e triste pelo que aconteceu na economia”, justificou-se dois dias depois, acrescentando também que estava sem dormir.

Macri anunciou um conjunto de medidas para minorar os efeitos das últimas desvalorizações, que incluem o pagamento aos trabalhadores de até 2000 pesos de abono nos meses de setembro e outubro, um bónus de 5000 pesos aos funcionários públicos no fim deste mês, um plano de refinanciamento das pequenas empresas, sufocadas por taxas de juros acima de 70%, e o congelamento do preço da gasolina por 90 dias.

Governo continua em campanha eleitoral

O vencedor das primárias, Alberto Fernández, disse que as medidas anunciadas pelo presidente respondem a “uma necessidade eleitoral e não são por convicção”, considerando-as tardias e desesperadas: “é como o padre-nosso que rezam os ateus antes de morrer”, gracejou.

É como o padre-nosso que rezam os ateus antes de morrer, gracejou o peronista Alberto Férmnadez a propósito das medidas tardias e desesperadas anunciadas por Macri.

Nicolas del Caño, candidato à presidência da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT), que teve 3% nas primárias e alimenta expectativas de aumentar a sua bancada parlamentar (o seu resultado da votação para deputados foi um pouco maior, 3,4%), resumiu as medidas de Macri desta forma: “Para os reformados e as reformadas, NADA. Para alguns trabalhadores, só migalhas”, escreveu no Twitter.

O jornal Página 12 foi muito direto: “O governo continua em campanha eleitoral, sem registar a tremenda sova que recebeu nas urnas.”

As primárias são uma originalidade do processo eleitoral argentino. Funcionam como uma prévia, e servem para eliminar um eventual excesso de candidaturas, pois os partidos que não tiverem pelo menos 1,5% não podem apresentar-se às eleições presidenciais e parlamentares, marcadas para 27 de outubro.

Com uma diferença de 16 pontos entre Fernández e Macri, é praticamente impossível uma reviravolta eleitoral daqui até outubro.”É muito pouco e demasiado tarde”, disse um analista ligado à finança internacional ouvido pelo Financial Times. “O populismo pode fazer muito pouco para mudar três anos de recessão. Não consigo pensar em alguma coisa que ele possa fazer ou dizer para reverter o resultado das próximas eleições”.

Nem Macri governa, nem Fernández pode assumir

O problema é que o interregno entre as primárias e as eleições que contam, de um pouco mais que dois meses, cria uma situação difícil: por um lado, o governo Macri já perdeu muita da sua legitimidade, tornou-se um governo a prazo; mas por outro, os vencedores das primárias têm de esperar pela vitória e a tomada de posse para governarem. Isso não causaria necessariamente problemas se a economia argentina estivesse bem. Mas não está. Em junho de 2018, o governo Macri fez um acordo para um empréstimo ao FMI, ampliado em setembro, envolvendo 57.100 milhões de dólares, comprometendo-se em contrapartida a obter um superávit primário de 1%. Isto significa mais cortes de gastos públicos numa economia que já vinha sofrendo com a austeridade imposta pelo governo.

Quatro quintos da dívida argentina é em moeda estrangeira, o que significa que cada ponto de desvalorização do peso torna mais difícil o pagamento dos compromissos.

A reação do capital especulativo diante da mais que provável vitória dos peronistas, o chamado “voto dos mercados” ocorreu segunda-feira. O valor do peso argentino caiu 25,3% em relação ao dólar. A Bolsa de Valores desmoronou numa queda de 37%, o que significa que em dólares, perdeu num só dia metade do valor.

Nesta quarta-feira, o peso voltou a deslizar cerca de 5%, atingindo os 58,75 pesos por dólar. A queda do peso aumentou o temor de que a Argentina esteja a um passo do default da dívida. Quatro quintos da dívida argentina é em moeda estrangeira, o que significa que cada ponto de desvalorização da moeda torna mais difícil o pagamento dos compromissos. Só este ano, o país terá de reembolsar 19.000 milhões de dólares ao FMI.

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