ALSA despede condutora por causa das suas dores menstruais

30 de agosto 2023 - 16:44

O grupo ALSA despediu uma das suas condutoras em Almeria na Andaluzia por ter parado o veículo numa área de descanso devido às suas dores provocadas pela endometriose. Por Aurora Báez Boza

PARTILHAR
Autocarro da ALSA. Foto de Antonio Rodríguez/Flickr.
Autocarro da ALSA. Foto de Antonio Rodríguez/Flickr.

Em junho passado, Encarna Aznar desempenhava o seu trabalho como condutora na linha da empresa ALSA entre Almeria e Valência quando começou a sentir fortes dores menstruais derivadas da endometriose de que sofre. Devido a esta situação, decidiu parar na estação de repouso mais próxima do local onde se encontrava, apesar desta não ser ponto habitual no seu percurso. Uma decisão que lhe valeu o emprego. “Mandaram-me uma carta para me sancionar e pedindo que eu explicasse os motivos da minha paragem e eu justifiquei com a minha endometriose. Não o aceitaram e enviaram-me diretamente a carta de despedimento”.

A CGT da Andaluzia denuncia o despedimento sem justa causa da “única mulher condutora” da empresa ALSA-Balcoma e afirma que esta “tomou a decisão de parar devido a uma sonolência repentina”. Uma justificação habitual no grémiodos motoristas profissionais para a paralisação temporária da atividade e recomendada pela DGT. Segundo os dados deste órgão de segurança rodoviária, a sonolência é a causa de 7% dos acidentes de trânsito, o segundo motivo, a seguir ao álcool. Pelo que o sindicato considera, que a decisão tomada pelo motorista foi em prol “da segurança dos passageiros”.

A CGT denuncia que o único motivo do despedimento é “o tratamento misógino que viola os seus direitos fundamentais à igualdade e à não discriminação em razão do género, o direito à saúde, o direito a defender-se, o direito à liberdade sindical”. A condição de saúde de Aznar, funcionária da empresa desde 2014, que sofre de endometriose, era conhecida pela transportadora.

O despedimento é a ponta do iceberg de uma situação de discriminação que a trabalhadora sofre há meses, segundo o sindicato. A empresa discriminou-a “diretamente sem descansar ao sábado ou domingo desde janeiro de 2023, ao contrário do resto dos seus colegas , com exceção de um em maio”. A empresa também a sancionou e “posteriormente o tribunal social de Almeria removeu a sanção como desproporcional e implausível”. A empresa, nas palavras de Aznar, “argumentou motivos organizacionais para me deixar sem férias, mas então, por que isso só me afetava a mim?”

Este despedimento surge poucos meses depois da entrada em vigor da Lei do aborto e da saúde sexual e reprodutiva que incluiu a regulamentação das licenças por doença por menstruação incapacitante no dia 1 de junho. Uma legislação pioneira na Europa em termos de direitos de saúde menstrual de que o Estado se encarrega. Uma lei que entrou em vigor: “para garantir que as mulheres possam viver melhor e desenvolver os seus projetos de vida com plena garantia dos seus direitos”, segundo a então Ministra da Igualdade, Irene Montero e que colocou no centro social o debate sobre a menstruação.

A ativista da saúde menstrual e idealizadora do projeto Cyclo, Paloma Alma, acredita que a lei vai “ajudar a legislar contra este tipo de ação injusta”. Este quadro jurídico deixa claro que casos como o de Encarna não constituem “motivo lícito para despedimento”, uma vez que são ilegais. Por isso, o sindicato vai levar a empresa a tribunal para requerer a anulação do despedimento: “o que nunca deveria ter acontecido porque mesmo que os tribunais decidam a seu favor dentro de alguns meses ou anos, o prejuízo ficará marcado a fogo em Encarna”. Além das ações judiciais, a CGT Andaluzia, convocou uma série de manifestações em frente à Estação Intermodal de Almeria para forçar a reintegração da trabalhadora.

Para Alma, estas situações discriminatórias decorrem do “desconhecimento” e a solução passa pela “educação menstrual” que deve ser dada “desde cedo na escola e também no ensino secundário e até no local de trabalho”. A ativista foca-se ainda na responsabilidade das empresas que “precisam de incorporar programas sobre como gerar bem-estar no local de trabalho, de forma a facilitar o trabalho das suas funcionárias tendo em conta o seu ciclo menstrual”.

Apesar da denúncia, a Bacoma-Alsa publicou na segunda-feira um comunicado em que justifica o despedimento alegando “a reiteração de contravenções graves e gravíssimas”, e insistiu que “não tem nada a ver com a sua condição de mulher”, alegando que a empresa “respeita escrupulosamente” os direitos de todos os seus trabalhadores “sem qualquer discriminação de género ou qualquer outro motivo”.

O vereador do Podemos na Câmara Municipal de Almeria, Alejandro Lorenzo, exigiu a reintegração da trabalhadora e argumentou que “é surpreendente que em plena polémica sobre o caso Rubiales, quando o feminismo saiu às ruas, aconteçam situações como esta que violam diretamente os direitos laborais das mulheres, ainda mais quando a menstruação dolorosa tem sido reconhecida como uma doença que afeta a atividade laboral”.

Apesar dos avanços, a menstruação no âmbito laboral continua a ser um tema pouco abordado. “Há bem pouco tempo tínhamos vergonha de falar da nossa menstruação com os colegas de trabalho”, afirma Paloma Alma que acredita que a situação está a melhorar e que aos poucos “a mente abriu-se aberta para poder ser um pouco flexível na forma como as pessoas trabalham e também para poder confiar nas trabalhadoras”.


Texto publicado originalmente no El Salto. Tradução de Carlos Carujo para o Esquerda.net.