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Alexandre Alves Costa: “As pessoas acreditavam que era possível conquistar uma casa”

O Esquerda.net entrevistou Alexandre Alves Costa, arquiteto que integrou entre 1974 e 1976 a Comissão Coordenadora do SAAL/ Norte. Fizemos a viagem ao passado com ele, ao mesmo tempo que nas salas do Trindade dois documentários, inseridos no Desobedoc - Mostra de Cinema Insubmisso, retratavam o tema. Por Dalila Teixeira.
Foto de Dalila Teixeira

Abril fez 40 anos. Eram seis da tarde quando o cinema Trindade, no Porto, abriu de novo as portas para receber o Desobedoc - Mostra de Cinema Insubmisso. Encerrado há 14 anos, ontem a afluência às salas do Trindade atravessou gerações. Eram novos e velhos. Chegavam aos molhos. E as salas lotaram. A proposta foi dada pelo Partido da Esquerda Europeia em colaboração com o Bloco de Esquerda: três dias de cinema insubmisso. 25 documentários. Entrada livre. A população respondeu assertivamente. Encontrámo-nos com Alexandre Alves Costa, arquiteto e professor catedrático na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Há 40 anos, membro da Comissão Coordenadora do SAAL/ Norte. Fizemos a viagem ao passado com ele, ao mesmo tempo que nas salas do Trindade dois documentários retratavam o tema.

Que cheiro tem este dia em que a Democracia portuguesa faz 40 anos?

É complicado falar sobre isso porque a esperança que nós depositámos no 25 de abril foi muito grande, foi total, foi completa. Era a esperança de construir uma sociedade nova. Não tínhamos um modelo que disséssemos: vamos copiar - mas sabíamos que estávamos a construir uma sociedade nova, mais justa, mais igualitária, mais generosa, mais solidária. E hoje, 40 anos passados, tantas coisas que se conquistaram naquela altura se perderam, se estão a perder diariamente, que o cheiro é um bocadinho azedo. Não é um cheiro de felicidade.

Eu acho que o festejo do 25 de abril neste momento não deve ser comemorativo, deve ser de protesto.

Nós vivemos de facto uma festa. Como dizia o Chico Buarque, vivemos uma grande festa nessa altura. E vivemos essa festa durante dois anos ininterruptamente, quotidianamente. Mas essa festa foi sucessivamente ganhando tons mais cinzentos. E hoje em dia estamos com um retrocesso incrível relativamente às conquistas que apesar de tudo foram feitas.

Eu acho que o festejo do 25 de abril neste momento não deve ser comemorativo, deve ser de protesto.

Envolveu-se de uma forma bastante ativa no combate ao fascismo e acabou mesmo por ser preso três vezes...

Fui preso duas vezes...

Como é que foi isso?

Nunca cheguei a estar preso muito tempo. Uma das prisões foi aqui em minha casa, no Porto. Houve uma denúncia qualquer e foram-me prender. Nessa altura pertencia ao Partido Comunista – pertenci ao partido entre 72 e 77/8, mais ou menos, foi o máximo que aguentei.

Eu nessa altura tinha debaixo da minha cama um copiógrafo, uma máquina para fazer panfletos. E a empregada da casa dos meus pais, quando apareceram os ‘pides’, pegou naquilo e passou para os vizinhos do lado, porque estas casas têm muros baixos que comunicam com os vizinhos, e eles não encontraram nada.

Levaram-me para a PIDE e fizeram-me um interrogatório mas eles não tinham a certeza se seria eu ou se seria outro qualquer. Havia um Alexandre qualquer de quem eles suspeitavam. Mas na minha escola haviam vários Alexandres, de maneira que consegui despistar. Não foi dramático, mas apanhei um susto. Um citroen escuro parado na esquina, às seis da manhã... enfim, não é muito simpático.

E da segunda vez?

Foi mais rocambolesca porque foi no Alentejo. Eu era muito amigo de uma gente no Alentejo. Conheci-os aqui no norte. Convidaram-me e eu fui lá com um amigo. Criou-se uma grande afetividade e passei a ir lá quase todos os anos. Numa das vezes fui com o Luís Ferreira Alves e com a mulher. Estávamos lá os três, descansadíssimos, quando um aparato militar incrível veio a cercar a aldeia. Prenderam-nos e levaram-nos para Beja suspeitando que nós éramos funcionários do Partido Comunista e que estávamos a fazer uma ação política qualquer. Não era o caso. Nós fazíamos política todos os dias mas era uma política diferente, não era uma política integrada em qualquer institucionalização. E pronto, levaram-nos para Beja, interrogaram-nos. Achavam estranhíssimo que três estudantes universitários achassem piada a estarem numa aldeia onde não havia ninguém da nossa classe, onde era tudo camponês. Eles foram muito provocatórios e vimo-nos atrapalhados para justificar que podíamos ser amigos e podíamos gostar imenso de estar ali.

A vida das pessoas era completamente posta a nu por parte da PIDE...

Completamente. Quando fui preso aqui no Porto, por exemplo, tinha uma gaveta cheia de cartas, trocadas com várias pessoas, e eles abriram as cartas e leram-nas em voz alta. E aquilo foi absolutamente insuportável. Mas isso deu-me força. E lembro-me que à porta de casa o meu pai me disse “porta-te bem”. Depois sempre que tinha que ir ao Alentejo tinha de pedir autorização à PIDE. Portanto passei a viajar como se fosse estrangeiro. O Alentejo para mim era como ir ao estrangeiro.

Quantas vezes foi ao Alentejo depois disso?

Muitas. Dezenas. E sem nunca pedir autorização.

Oito anos depois de ter obtido o diploma em arquitetura integra a coordenação do SAAL/ Norte. Já conhecia o Nuno Portas?

Quando ele [Nuno Portas] foi nomeado Secretário de Estado da habitação criou-se o SAAL – que foi uma coisa criada por despacho, uma coisa secundária, mas que se transformou na única política de habitação do Governo português da altura.

Sim, o Nuno Portas foi o meu orientador de estágio. Para ter a licenciatura tive que fazer um estágio no Laboratório de Engenharia Civil, exatamente numa divisão que tratava de problemas de habitação. E ele estava muito envolvido nas questões da habitação social. Quando ele foi nomeado Secretário de Estado da habitação criou-se o SAAL – que foi uma coisa criada por despacho, uma coisa secundária, mas que se transformou na única política de habitação do Governo português da altura. Não havia outra. E quando foi criado o SAAL era suposto haver uma comissão coordenadora. Ele não me nomeou a mim, embora agora diga que sim. Nomeou a Margarida Coelho, que era uma pessoa de mais confiança – provavelmente mais serena e menos radical do que eu. Depois a Margarida é que me integrou na equipa para as questões de arquitetura e urbanismo e ao Mário Machado Coelho como jurista.

A importância que eu ganhei foi o resultado das questões relacionadas com o desenho da cidade, as questões tipológicas, etc., que têm muito a ver com a minha profissão. Depois consegui juntar um grupo grande de arquitetos meus colegas e criámos um grupo que, dentro do serviço, fazia a coordenação de todas as atividades. Posso dizer que essa coordenação foi absolutamente central porque os moradores tinham uma confiança muito grande em nós.

Como funcionava esse grupo. Quem eram esses colegas?

Quase todos eram colegas da escola, da Universidade. As brigadas eram constituídas também por muitos estudantes que nos conheciam bem. Nós tínhamos uma posição privilegiada na relação entre os arquitetos e os moradores.

A participação era a força motriz do projeto?

A questão da participação é muito complicada porque pode cair-se muito facilmente na questão do populismo. Mas nós conseguimos mediar essa relação entre uma verdadeira participação dos moradores e as competências técnicas dos arquitetos.

Aqui no Porto foi uma coisa muito clara. A competência das populações era uma -  tinha a ver com a tipologia, o equipamento das casas, a relação da cozinha com a sala, etc.. As populações tinham todo o direito de decidir aquilo que quisessem. Mas depois a resolução projetual competia aos arquitetos. As populações tinham uma competência, os arquitetos outra, e a comissão coordenadora fazia a mediação. Portanto, ao contrário do que muita gente pensa, incluindo o Nuno Portas, creio eu, não houve nunca populismo por parte dos arquitetos, nem sequer interferências políticas na decisão dos moradores, antes pelo contrário.

Como é que relembra o SAAL no Porto?

O SAAL foi criado em abril de 74 e em outubro ou novembro de 76 acabou. Portanto foi uma coisa que demorou um ano e meio, é inacreditável. Nesse ano e meio, para lhe dizer números, foram iniciadas 33 operações - as operações correspondiam a uma unidade territorial - não era uma ilha, como agora a câmara está a fazer, era um grupo grande de ilhas que tinha alguma relação sociológica e antropológica entre si. Toda a rua de São Victor, por exemplo, era uma só operação. Portanto, 33 operações cobriam a cidade toda.

A quantas famílias correspondiam essas operações?

Isto correspondia a 11.500 famílias, mais coisa menos coisa. Para estas 11.500 famílias era preciso construir 11.500 casas. Foram construídas 370, que não foi nada. No entanto, foram sendo feitos estudos de urbanização, arquitetura, etc. para mais 3.500 casas. Foi um trabalho incrível que num ano e meio se fez. Desde o nada até ao projeto pronto para construir. E que não se percebe como. Com bombas e ataques pelo meio. O nosso serviço, por exemplo, foi objeto de um ataque terrorista num determinado momento, num 12º andar. Um prédio foi atacado à bomba. Felizmente não morreu ninguém. O meu carro explodiu, fiquei sem carro. E para além de todo este tipo de dificuldades, a Câmara Municipal funcionou sempre como um elemento de bloqueio... O próprio Estado nunca produziu o corpo legislativo. Nunca houve decretos sobre isto. E portanto nós vivíamos ali num regime de um certo vazio jurídico, sempre a exigir que saíssem as leis. Mas o SAAL teve muita força. E essa força era resultado da própria força dos moradores.

A determinada altura o Nuno Portas sai do Governo. Terá sido a partir dessa altura que o projeto começa a decair?

É evidente. Mas até na permanência do Portas o projeto nunca decorreu tal como ele o tinha pensado inicialmente. O Portas tinha uma imagem das coisas da América Latina e até dos subúrbios de Lisboa em que os próprios moradores construíam as casas – a autoconstrução – onde os moradores utilizavam os próprios recursos e o Estado pagava pouco.

Aqui no Porto houve uma recusa total da autoconstrução. As pessoas que se movimentaram aqui eram moradores das ilhas e, portanto, do centro da cidade, gente urbana. Não era propriamente gente recém-chegada à cidade, era gente que já vinha da Revolução Industrial, gente com uma grande consciência política e muito relacionada com o centro da cidade e o sítio em que viviam. Para eles o direito à cidade era uma coisa importantíssima. Para as populações suburbanas não era assim tão importante. Os recém-chegados à cidade não se preocupavam com o sítio, queriam apenas uma casa boa. Aqui no Porto não. Eles queriam o sítio em que moravam.

Mas o que interessa é que o SAAL funcionava a partir da própria iniciativa das populações e aquela gente das ilhas se movimentou imediatamente. Acho que o que se conseguiu - e não se conseguiu mais porque entretanto foi extinto o SAAL - conseguiu-se porque os moradores se organizaram de uma maneira absolutamente incrível. Eles constituíram comissões de moradores em todas estas zonas, desenvolveram formas de se relacionar entre si e criaram uma espécie de federação das associações de moderadores a que chamaram Conselho Revolucionário de Moradores. Houve ali uma força de massas absolutamente incrível.

Há pouco falava do populismo e da sua linha tão ténue que pautou todo este projeto...

Eu acho que nós, apesar de nunca termos posto em causa as nossas competências técnicas enquanto arquitetos, alterámos muito o nosso trabalho do ponto de vista metodológico.

Os arquitetos que estavam habituados a trabalhar em habitação social trabalhavam com base em inquéritos sociológicos e, portanto, as populações nunca eram ouvidas. Nem sabiam quem ia para lá viver.

No SAAL, havia uma relação direta e as populações eram como um cliente ativo - iam aos ateliers discutir os projetos, tal como faz um cliente normal.

No SAAL, havia uma relação direta e as populações eram como um cliente ativo - iam aos ateliers discutir os projetos, tal como faz um cliente normal. Portanto os arquitetos tiveram de alterar bastante a sua metodologia de trabalho. Nunca construíam, por exemplo, em altura, preferiam casas de r/c e primeiro andar. A questão tipológica foi uma questão importantíssima e aqui no Porto todas as associações de moradores quiseram casas baixas, até porque estavam muito marcados pela experiência dramática dos bairros camarários.

O Bairro Bouça é um exemplo disso?

A Bouça foi acabada no tempo do Rui Rio num gesto puramente demagógico. Mas acabaram o bairro. Claro que as pessoas que foram para lá já não eram as mesmas. Aquilo foi comprado em hasta pública por preços irrisórios e quem comprou aquilo foi gente da burguesia esclarecida, para utilizar a linguagem do 25 de abril, agora diríamos classe média.

Digamos que é uma situação que me repugnou profundamente. Um processo demagógico – “vamos acabar uma obra porque é do Siza porque é um projeto fantástico e maravilhosos e as pessoas que vierem para aqui são as que tiverem dinheiro para comprar as casas”.

A repugnância que aquela questão inicialmente me provocou foi grande. As pessoas que foram para lá não eram as que estavam previstas que fossem – entretanto essas pessoas tinham arranjado casas noutros sítios e já nem viviam naquela zona.

Mas convenhamos que, apesar de tudo, a Bouça é um projeto fabuloso.

Sim. E numa segunda fase comecei a verificar que aquilo era interessante de muitos pontos de vista. A cidade realmente é uma cidade interclassista, e aquilo é uma espécie da cidade que eu gostava que existisse, onde se mistura pessoas com ocupações diversas, de idades muito diferentes, com formas de estar na vida também elas muito diferentes. E isso provoca, digamos, uma espécie de processo pedagógico interativo.

Eu acho que a cidade que nós gostaríamos de ter construído é o que é a Bouça neste momento, independentemente de todos os aspectos repugnantes que aquilo tem.

 Acho que hoje em dia os aspectos positivos que aquilo tem são mais importantes.... o resto é um pouco de ressabiamento da memória e de pensar da importância daquilo ter sido feito na época. Se aquilo tivesse sido feito em 1975, as pessoas que tinham ido para lá viver tinham sido as pessoas que viviam nas ilhas da Bouça na altura e isso teria sido, provavelmente, uma situação mais justa. Claro que a situação se alterou muito mas esta memória não me larga. Mas ainda bem que foi feito.

No arquivo da associação 25 de abril encontrámos uns documentos acerca da extinção do SAAL que diz: “a extinção do SAAL demonstra a coerência de novo conseguida no aparelho de estado que assim clarificou os interesses que defende – atualizar as condições do desenvolvimento capitalista em Portugal” ...

Foi escrito por mim [risos].

Eu acho que, apesar de tudo, o SAAL viveu e sobreviveu durante um ano e meio, quase dois anos, porque o Estado era um Estado frágil e um Estado dividido. Além do mais, toda a sociedade portuguesa estava dividida (fora os fascistas) entre dois modelos sociais completamente distintos: um modelo de democracia burguesa chamada representativa, que é a forma mais delicada de dizer, e onde estavam os partidos; e uma outra que nós não sabíamos bem o que era mas que chamávamos de ‘poder popular’, que era uma espécie de democracia mais participativa.

O Estado era frágil, realmente. E o Estado não tinha ainda força para impor um modelo. Portanto o SAAL, de alguma maneira, foi o resultado dessa fragilidade.

Percebeu-se que o Estado tinha futuro se de alguma forma se inclinasse para uma forma de organização social mais participativa e não numa democracia burguesa tradicional porque aí a delegação é uma coisa estrutural; a participação directa das populações não é possível – é substituída pela delegação, agente elege representantes de tempos a tempos.

O que é certo é que a participação direta acabou, ou se não acabou diminuiu muito a sua importância. E portanto eu digo que a reorganização do Estado, e finalmente a institucionalização da democracia que levou o nosso país para uma estrutura social delicada e capitalista, colidiu com a outra que era uma espécie de socialismo que nós havíamos de inventar o que era, uma espécie de uma utopia, de uma cidade igualitária.

O reforço do aparelho do Estado nesse sentido pôs em causa a existência do SAAL e apresentou-o como um corpo estranho.

O SAAL é então um projeto datado. Na atualidade seria impossível?

É. E era muito interessante discutirmos isso. Dava para uma outra entrevista [risos]. Eu tenho um caderno de encargos para a atualização do SAAL.

Eu gosto que o SAAL seja lembrado como uma memória histórica. E devemos questioná-lo no sentido de como é que a podemos retirar desta experiência absolutamente fabulosa, lições para a atualidade. Isso é que me parece mais importante. Parece-me importante ser capaz de perceber que as condições são outras, completamente diferentes, mas que é possível, apesar de tudo, ter como referência esse momento, do ponto de vista metodológico, e reutilizá-lo.

O SAAL deu e dá pistas para a construção de uma cidade mais harmónica e mais participativa.

A história interessa-me se eu a puder utilizar operativamente para futuro. Portanto eu não quero comemorar o SAAL. Quero lembrar. E lembrar é muito importante. Porque lembrando-me do SAAL, eu sou capaz de inventar uma metodologia que sirva na situação atual. E eu sei como se faz. A câmara não me quer é ouvir. Eu tenho um caderno de encargos sobre isso e gostava de o discutir com os meus colegas e politicamente também.

O SAAL deu e dá pistas para a construção de uma cidade mais harmónica e mais participativa.

Começou hoje o Desobedoc, uma mostra de cinema insubmisso que se prepõe a trazer de volta uma série de documentários de lutas e resistências. Hoje vão passar dois acerca do SAAL. Que importância dá a este tipo de iniciativas?

Eu acho muito importante que se faça este festival e acho muito importante que se faça exatamente no sentido de criar uma memória.

Os povos têm uma memória curta. Portanto o documentarismo enquanto documento vivo é uma forma permanente de nós não perdermos a memória, e isso para mim é essencial.

O documentarismo enquanto documento vivo é uma forma permanente de nós não perdermos a memória, e isso para mim é essencial.

No outro dia passámos um filme chamado “Direito à Habitação” – são entrevistas a inúmeras mulheres sobre a sua participação nas comissões de moradores e a sua ação política para terem uma casa. E de facto, quando passamos esse filme, as pessoas estão outra vez naquele momento. Portanto a memória está lá, mas é muitas vezes esquecida.

Como diz o Boaventura Sousa Santos, e é verdade, os movimentos sociais resistem com dinâmica quando têm um objetivo que acreditam que seja possível. Isso é, as pessoas acreditavam que era possível conquistar uma casa e, enquanto acreditaram que era possível, mantiveram-se unidas, mantiveram-se em movimento. Quando acharam que aquilo já não dava nada - quando foi extinto o SAAL – as pessoas desmobilizaram.

As pessoas estão hoje desacreditadas?

Os movimentos sociais urbanos vivem de objetivos concretizáveis. Todo a nossa vida neste momento está marcada pela ideia de que é inevitável o sistema, é inevitável o capitalismo, é inevitável a globalização, é inevitável vivermos numa política de mercado, é inevitável vivermos neste domínio do sistema financeiro. E portanto estamos todos marcados por essa tristeza da inevitabilidade. E achamos que não vale a pena. E achamos que não vale a pena porque não acreditamos que seja possível. E enquanto não acreditarmos que é possível, nós não nos mexemos.

Portanto eu digo que estes documentários são fundamentais para que as pessoas mantenham a sua memória viva e percebam que ouve algum momento na sua existência em que se acreditava que era possível construir um futuro melhor. E esta ideia é essencial para que haja mobilização. Se as pessoas não acreditam não vale a pena.

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