Teria sido normal que as ajudas de custo e os quilómetros pagos aos trabalhadores tivessem diminuído durante a altura da pandemia, com confinamentos, abrandamento económico, milhares de empresas em lay-off e muitos trabalhadores em teletrabalho. Mas tal não sucedeu.
O Expresso analisa a questão esta sexta-feira a propósito da entrega, esta semana, de 14 das 20 notas técnicas que apoiaram as conclusões do “Livro Verde para a Sustentabilidade do Sistema Previdencial” encomendado pelo anterior governo. Uma destas versa precisamente sobre os rendimentos que estão sujeitos a contribuições para a Segurança Social e IRS. E destaca que o salário-base tem perdido peso para outras formas de remuneração. As chamadas “outras componentes remuneratórias” eram, em 2010, 5% do total dos salários. Em 2023, passaram a 13%.
De acordo com o semanário, “parte deste salto resulta do quadro legal, que isenta ou exclui um conjunto alargado de remunerações do desconto para a Segurança Social (e até do pagamento de IRS), outra parte resultará de fraude à lei”.
Uma coisa é certa. Isto prejudica as pensões futuras dos trabalhadores.
É aqui que entra a questão da pandemia. Em 2020 e 2021, foram 665 mil os trabalhadores que receberam 1,92 mil milhões de euros em ajudas de custo e quilómetros em cada um dos anos. A diminuição face ao ano anterior foi apenas de 6% no número de trabalhadores e de 10% nos montantes pagos e o consumo de gasolina apenas caiu 14% e o de gasóleo 10%.
No ano a seguir, voltou a registar-se uma subida com 800 mil trabalhadores, perto de 16% do total dos trabalhadores por conta de outrem, a receber 2,3 mil milhões de euros.
Mas as variações fazem suspeitar do que toda a gente sabe: as ajudas de custo serão afinal uma forma de pagar “por fora” montantes que deveriam pertencer à componente salarial. O Expresso cita Noémia Goulart, a economista que assina a nota técnica, que considera que nestes anos “os pagamentos referentes a despesas de deslocação foram elevados”.
De acordo com a especialista, “apenas com uma fiscalização eficaz seria possível garantir que estes pagamentos correspondem efetivamente a deslocações reais, não sendo usados como alternativa a remunerações regulares”.
Mas o que destaca com toda a certeza é que “quando os complementos salariais se substituem a remunerações regulares, há consequências sobre o nível de proteção social dos trabalhadores”.
Estes complementos salariais multiplicam-se e não pagam IRS nem Segurança Social. Na nota, escreve-se que “a manutenção da sua exclusão da base de incidência contributiva deve ser ponderada e avaliada também pelo seu impacto financeiro” já que contribuem “para um menor nível de receitas da Segurança Social”.
Dever-se-ia também juntar as declarações mensais de remunerações à Segurança Social e ao Fisco. Para além desta recomendação dos peritos simplificar o trabalho das empresas, ficaria mais claro o valor do que é pago e do que está isento de impostos. E, outra vantagem, avança-se, é que a partir daí os trabalhadores poderiam ter uma noção mais clara do impacto destes complementos salariais no que ganharão de reforma no futuro.