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África: quando o que é mau pode ficar ainda pior

Existem muitos dados que mostram a dimensão dos efeitos da pandemia e a devastação que atinge as pessoas em países mais vulneráveis. Publicada por José Manuel Rosendo em meu Mundo minha Aldeia.
Testes em Hospital de Adis Abeba, Etiópia. Foto em www.africa.cgtn.com, de Xinhua/Michael Tewelde
Testes em Hospital de Adis Abeba, Etiópia. Foto em www.africa.cgtn.com, de Xinhua/Michael Tewelde

Numa investigação recente em 14 países, 7 dos quais africanos, o Conselho Norueguês para os Refugiados indica que três quartos das 1.400 pessoas questionadas referem uma pesada degradação da sua situação: 77% perderam o emprego ou viram os salários reduzidos; 70% reduziram o número de refeições e 73% dizem que as dificuldades financeiras travam o envio das crianças para a escola. O secretário-geral desta ONG, Jan Egeland, sublinha que as comunidades mais vulneráveis do mundo estão numa perigosa espiral descendente.

Vários líderes africanos voltaram a pedir esta semana, na Assembleia Geral da ONU, mais solidariedade internacional e que seja perdoada a dívida pública dos respectivos países. Antes do G20 ter suspendido o reembolso destas dívidas até ao fim do ano, a União Africana já apelara para que essa suspensão vigorasse até ao final de 2021, mas o Presidente da Nigéria sublinhou que uma simples moratória não é suficiente face aos desafios existentes e aos que a pandemia veio acrescentar. Os líderes africanos alertam que todos os esforços de desenvolvimento económico da última década podem ficar reduzidos a pó.

Apesar de os números conhecidos (cerca de 35.000 mortos e menos de dois milhões de casos de covid-19) mostrarem que África é um dos continentes menos afectados, a fragilidade das economias e os vários conflitos que tocam diversas zonas do continente, potenciam os danos que a pandemia pode provocar.

Para se ter uma ideia menos abstracta da fragilidade africana, o mais recente (Junho de 2020) relatório da Organização Mundial da Saúde, sobre África, mostra que apenas 51% das unidades de saúde na África subsaariana têm serviços básicos de acesso à água; 47% das escolas não têm água corrente e apenas 21% têm água e sabão para a lavagem das mãos.

Os países africanos precisam de libertar recursos para acudirem ao combate à pandemia, bem como ao combate a outras doenças como a malária e o VIH. Não ter recursos para estas necessidades, nem para manter a funcionar economias que garantam os mínimos de sobrevivência, pode ser uma mistura explosiva para um desastre que se está a anunciar.

A ONU já veio defender o congelamento da dívida em todo o continente africano e publicou um relatório onde afirma que são necessários cerca de 169 mil milhões de euros para ultrapassar as dificuldades. Esta é a “receita” imediata, mas é bom ter em conta a incerteza relativamente à dimensão da pandemia no continente: reduzido número de testes, desconhecimento da causa de muitas mortes, saneamento muito precário, grandes limitações de acompanhamento médico e dificuldades na aplicação de medidas de distanciamento.

No início de Setembro, o Presidente do Gana defendeu uma nova arquitectura financeira mundial e avisou que a catástrofe se assemelha à do final da segunda Guerra Mundial. O FMI advertiu que, a sul do Sahara, o PIB possa ser menos 243 mil milhões de dólares em relação aos valores projectados em Outubro de 2019 e que 39 milhões de pessoas podem cair na pobreza extrema.

A solidariedade deve ser permanente, mas há agora uma oportunidade para que o mundo, e em particular a União Europeia, proporcionem ao continente africano o apoio necessário para combater a pandemia. Não por uma questão de redenção face a tempos passados, mas porque o futuro mais promissor, para europeus e africanos, passa por uma relação útil aos dois continentes e porque, principalmente, África precisa dessa ajuda.

É certo que África também terá de se saber ajudar, reduzindo os níveis de corrupção e resolvendo com diálogo o que tem tentado resolver com a força das armas. Também é certo que será difícil dizer como a União Europeia poderá ajudar países como a Líbia – há uma década em guerra civil – ou a Somália, país onde o Estado é uma miragem, já para não falar em toda a região do Sahel. Mas haverá certamente uma forma de fazer chegar ajuda e garantir que não será desbaratada. África é já ali.

Pinhal Novo, 27 de Setembro de 2020

Publicada por José Manuel Rosendo em meu Mundo minha Aldeia

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