Por que entrou Portugal na guerra?
Os democráticos, liderados por Afonso Costa e por uma elite militar onde avultava a figura do general Norton de Matos, foram os principais responsáveis pela intervenção de Portugal na Primeira Grande Guerra.
O seu projeto era, desde 1890, nacional, patriótico e regenerador. Os republicanos concebiam uma estratégia nacional que incluía a colonização de África (Angola e Moçambique, especialmente) como um meio indispensável de afirmação da independência nacional na Península Ibérica e no Mundo.
Porém, para pacificar, manter, administrar, desenvolver e autonomizar progressivamente as colónias africanas, Portugal, com fracos recursos, necessitava, de forma absoluta, do apoio da “Velha Aliada”, não só político e diplomático, mas também económico, técnico e militar.
A Guerra apresentou-se como o momento ideal para pôr à prova essa política de aliança estreita com a Inglaterra. Em África, as expedições militares de 1915-1918, embora com poucos recursos, mostraram-se eficazes na demarcação de fronteiras, na “pacificação” dos “gentios”, na instalação de uma nova logística administrativa e, principalmente, no reforço da mística colonial republicana.
Manifestação pró-guerrista
Estratégia “guerrista”
Com o trabalho insistente da diplomacia portuguesa em Londres, o Governo português de Afonso Costa foi instado (e autorizado) pelo Governo inglês a requisitar todos os navios alemães instalados em portos nacionais. Obtinha assim um valioso apoio logístico para os “Aliados” e uma razão de “causa belli” para a Declaração de Guerra alemã. Esta política antigermânica foi ainda consubstanciada pelo regresso do embaixador Sidónio Pais da Embaixada portuguesa em Berlim e por um deliberado desrespeito da “neutralidade” declarada por Portugal no início do conflito. Com o tempo, essa neutralidade foi-se tornando cada vez mais “colaborante” com os interesses dos “Aliados”.
Apresamento de navios alemães.
A Requisição de todos os navios alemães em território português foi declarada por decreto governamental:
Decreto n° 2229
Lisboa, 24 de Fevereiro de 1916
Atendendo aos interesses da economia nacional, no que respeita aos meios de transportes marítimos, que cada vez se tornam mais difíceis e dispendiosos, sendo um dos motivos dessa dificuldade a falta de navios que façam esse serviço;
Atendendo a que semelhante assunto se prende directamente com o actual problema das subsistências, que é de salvação pública e por isso reclama instantemente medidas urgentes e adequadas às imperiosas necessidades do país;
Os Ministros de todas as Repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paços do Governo da República, 23 de Fevereiro de 1916. Bernardino Machado – Afonso Costa – Artur R. de Almeida Ribeiro João Catanho de Meneses – José Mendes Norton de Matos Victor – Hugo de Azevedo Coutinho – Alfredo Rodrigues Gaspar – Frederico António Ferreira de Simas.”
Saída de Portugal do embaixador alemão F. Rosen
Declaração de guerra da Alemanha a Portugal
“Senhor Ministro – Estou encarregado pelo meu alto Governo de fazer a V. Ex.ª a declaração seguinte:
O Governo Português apoiou, desde o começo da guerra, os inimigos do Império Alemão por actos contrários à neutralidade. Em quatro casos foi permitida a passagem de tropas inglesas por Moçambique. Foi proibido abastecer de carvão os navios alemães. Aos navios da guerra ingleses foi permitida uma larga permanência em portos portugueses, contrária à neutralidade, bem como ainda foi consentido que a Inglaterra utilizasse a Madeira como base naval. Canhões e material de diferentes espécies foram vendidos às Potências da ‘Entente’ e, além disso, à Inglaterra, um destruidor de torpedeiros. O arquivo do vice-consulado imperial de Moçâmedes foi apreendido. (…)
Por último, a 23 de Fevereiro de 1916, fundada num decreto do mesmo dia, sem que antes tivesse havido negociações, seguiu-se a apreensão dos navios alemães, sendo estes ocupados militarmente e as tripulações mandadas sair de bordo. Contra esta flagrante violação de direito protestou o governo imperial e pediu que fosse levantada a apreensão dos navios. (…)
O governo imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do governo português. Considera-se, de agora em diante, como achando-se em estado de guerra com o governo português.
Ao levar o que precede, segundo me foi determinado, ao conhecimento de V Ex.ª, tenho a honra de exprimir a V. Ex.ª, a minha distinta consideração.”
(Ministro da Alemanha em Portugal)
Guerra no Norte de Moçambique
As razões (fortes) dos “antiguerristas”
A mobilização para a guerra iniciou-se pelo palco africano, em 1915. Apesar de mais consensual num primeiro momento, a guerra em África (e mais tarde a Guerra na Frente europeia) desencadeou, logo desde o início, uma crescente contestação popular e um motivo forte de luta política das oposições – militares e civis (monárquicas e dos setores da direita republicana, designadamente dos “Unionistas” de Brito Camacho).
À direita, acusa-se os governos afonsistas de entrar na Guerra em troca de uma humilhante dependência da Grã-Bretanha – em dinheiro, em equipamento e em submissão do Comando Português do CEP às ordens do Comando inglês.
Os desastres militares em África, as dificuldades de abastecimento nas grandes cidades e a fome incendiaram, durante os anos de 1917 e 1918, a “rua” republicana (máxime “A Revolta da Batata” de 1917) e os setores conservadores que, muito descontentes, deram apoio ao primeiro grande golpe ditatorial de direita – o Consulado de Sidónio Pais (1917-1918). Os dois principais promotores da entrada de Portugal na Guerra são afastados compulsivamente – Afonso Costa é colocado sob prisão no Forte de Elvas e Bernardino Machado, o Presidente da República, foi obrigado a exilar-se.
Saída do Presidente da República Bernardino Machado para o exílio, depois do Golpe de Sidónio Pais
CRONOLOGIA SUCINTA
1914
7 de Agosto – Declaração parlamentar sobre o alinhamento português no conflito europeu: nem neutralidade, nem beligerância.
Setembro – Partida de forças expedicionárias para as fronteiras de Angola e Moçambique, para conter alegados avanços de tropas alemãs.
23 de Novembro – O Congresso da República, em sessão extraordinária, aceita a participação de Portugal na Guerra, ao lado da “Velha Aliada”.
18 de Dezembro – Combate de Naulila, no Sul de Angola, entre alemães e portugueses, que redundou num relativo desastre militar.
1915
13 de Junho – O Partido Democrático (PD) obtém a maioria absoluta nas eleições para a Câmara de Deputados e para o Senado.
6 de Agosto – Eleição de Bernardino Machado para a Presidência da República.
1916
23 de Fevereiro – Requisição por Portugal dos barcos alemães estacionados em águas portuguesas.
9 de Março – Declaração de Guerra da Alemanha a Portugal.
Início da Mobilização – Portugal e os “Aliados”
15 de Março – Governo de “União Sagrada” junta democráticos de Afonso Costa e evolucionistas de António José de Almeida em defesa do intervencionismo.
Abril-Junho – Chegada de recrutas portugueses a Tancos para receberem treino militar
9 de Junho – Afonso Costa, ministro das Finanças, e Augusto Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, exigem na Conferência Económica dos Aliados, em Paris, a entrega de Quionga (Moçambique), ocupada pelos alemães desde 1894.
15 de Junho – O Governo britânico convida formalmente Portugal a tomar parte ativa nas operações militares dos Aliados.
22 de Julho – Formação em Tancos do Corpo Expedicionário Português (CEP), composto por 30 mil homens, sob o comando do general Norton de Matos
Mobilização do país para a Guerra
1917
3 de Janeiro – “Convenção de Janeiro”, entre o Governo inglês e o Governo português para tratar da forma e do tamanho do contingente português a deslocar para a Frente europeia. O CEP ficará subordinado à British Expeditionary Force.
7 de Janeiro – Acordo com França para utilização de 25 baterias de Artilharia Pesada nacional, sob as ordens de um Comando Superior Português.
30 de Janeiro – A primeira Brigada do CEP, sob o comando de Gomes da Costa, sai do Tejo, a bordo de três vapores britânicos.
Partido de um barco para a frente europeia
2 de Fevereiro – As primeiras tropas portuguesas chegam a Brest, na Bretanha.
Setor português na frente europeia
4 de Abril – As tropas portuguesas entram nas trincheiras. Morre o primeiro soldado português, António Gonçalves Curado.
Soldados portugueses presos pelos alemães
25 de Abril – Constituição do terceiro Governo presidido por Afonso Costa, devido ao fim do Governo de “União Sagrada”.
13 de Maio – Primeira “aparição” de Nossa Senhora de Fátima aos “três pastorinhos”.
Mutilados de guerra
19-21 de Maio – Tumultos em Lisboa e no Porto, provocados pela escassez de bens alimentares e pela fome, conhecidos com o nome de “Revolução da batata”.
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Fila para abastecimentos (Junqueira, Lisboa)
21 de Maio – Norton de Matos, ministro da Guerra, chega a Londres para obter do Governo britânico a disponibilidade de transportes para os reforços militares do CEP.
12 de Julho – Declarado o estado de sítio em Lisboa e nos concelhos limítrofes, devido ao forte movimento grevista.
11 de Outubro – Visita do Presidente, Bernardino Machado, do chefe do Governo, Afonso Costa, e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Soares, à Frente de combate europeia.
28 de Outubro – Dificuldades de transportes para as tropas portuguesas. O último dos sete navios britânicos ao serviço do CEP foi retirado. Impedido o completamento de tropas e a sua substituição.
A Memória oficial da Guerra