O facto de o presidente Mubarak do Egipto se ter recusado a abrir a passagem de Rafah durante os últimos bombardeamentos efectuados por Israel, abandonando os palestinianos à sua sorte, provocou em muitos lares egípcios um sentimento de ódio dirigido mais contra o seu próprio governo do que contra o militarismo israelita e americano.
Por Johannes Stern, Info-Palestine
Mohamed acende um cigarro e murmura uma jura junto à morada do presidente egípcio Hosni Mubarak. Este jovem de 25 anos exprime aquilo que numerosos egípcios pensam: «Mubarak é um porco que colabora com Israel para fazer de Gaza uma prisão, e ele é o responsável pelo sofrimento dos palestinianos.»
Olmert e Mubarak companheiros como porcos? Este estudante do centro da Cidade do Cairo prossegue as suas críticas contra o governo. Três dias depois das tropas israelitas terem iniciado a retirada da Faixa de Gaza, a sua cólera não diminui e critica o papel desempenhado pelo Egipto no conflito de Gaza. «Provavelmente, Mubarak deu a Livni (Ministra dos Negócios Estrangeiros israelita) a permissão para atacar o Hamas, que ele considera uma pedra no sapato».
De facto, Livni encontrou-se com Mubarak dois dias antes do ataque israelita, segundo uma reportagem do diário israelita Haa'retz, e os representantes do governo egípcio tinham sido informados com antecedência sobre o projecto da ofensiva.
Numerosos habitantes do Cairo partilham da cólera e revolta de Mohamed. Estão chocados com os crimes perpetrados por Israel durante a ofensiva de três semanas na Faixa de Gaza, e furiosos contra o governo egípcio que, em plena luta entre o Hamas e a Fatah em Junho de 2007, fechou a sua própria fronteira com o enclave, o que veio a tornar a região densamente habitada num campo de prisioneiros.
O facto de Mubarak se ter recusado a abrir a passagem de Rafah durante os últimos bombardeamentos efectuados por Israel, abandonando os palestinianos à sua sorte, provocou em muitos lares egípcios um sentimento de ódio dirigido mais contra o seu próprio governo do que contra o militarismo israelita e americano.
Quando lhe perguntámos o que é que ele pensava sobre a actuação dos outros governos árabes, Mohamed declarou: «Os maiores traidores são com certeza aqueles regimes que cooperam mais ou menos abertamente com os Estados Unidos, isto é, a Jordânia, a Arábia Saudita, ao lado do Egipto. O facto de a Venezuela ter expulso o embaixador israelita em sinal de protesto e o Egipto não ter feito nada, é uma vergonha».
A manifestação mais importante no Egipto teve lugar no dia 9 de Janeiro, em Alexandria, onde desfilaram mais de cinquenta mil pessoas. As unidades de polícia anti-motim, que antes de partirem tinham recebido ordem para reprimir e dispersar a manifestação, perante o número de manifestantes, foram obrigados a retirar e deixar a manifestação realizar-se.
Uma outra manifestação importante, de mais de quinze mil participantes, desenrolou-se uma semana mais tarde em Mahalla Al-Kubra. Em Abril do ano passado, esta cidade foi palco dos protestos mais importantes dos últimos 30 anos no Egipto contra o aumento do preço dos produtos alimentares e descida de salários. Desta vez, os manifestantes protestavam contra os crimes de guerra perpetrados na Faixa de Gaza, mas também havia slogans contra a cumplicidade dos governos árabes, particularmente, do regime egípcio.
Depois do início da retirada israelita, vemos nas ruas do Cairo um número substancial de polícias e de unidades anti-motim consideravelmente armadas, prontas a reprimir violentamente todas as formas de protestos espontâneos.
No último sábado, milhares de manifestantes responderam ao apelo do maior partido da oposição, mas oficialmente proibido, os Irmãos Muçulmanos, para participar numa manifestação anti-guerra na Praça Ramsés da cidade.
A manifestação foi bloqueada por forças importantes de polícia. Para impedir a sua realização, a polícia e a administração da cidade fecharam a estação de metro mais próxima da Praça Ramsés (ironicamente, esta estação deve o seu nome a Mubarak) e os comboios do metro não pararam nesta estação. Acompanhando os manifestantes com violência física, a polícia procedeu a numerosas detenções, inclusive um jornalista de um diário independente, al-Masry al-Youm.
Os protestos contra a guerra de Gaza revelaram um imenso fosso entre as populações árabes e os governos despóticos e corruptos da região. No Egipto, as tensões foram de tal modo pronunciadas que a cada manifestação encorpada, o regime de Mubarak receia pela sua sobrevivência. O governo riposta de forma cada vez mais brutal para reprimir a contestação popular.
A resistência cresce notavelmente entre os trabalhadores e os estudantes que organizaram uma série de protestos fora do controlo dos partidos estabelecidos e dos sindicatos.
No dia 10 de Janeiro, o Comité popular egípcio de solidariedade com o povo palestiniano, organizou um comboio solidário composto por centenas de militantes que partiu em direcção a Gaza e exigiu a abertura da passagem de Rafah. Antes de chegar a el-Arish, no meio do deserto e depois de ter passado três postos de controlo, o comboio foi impedido de continuar por forças de segurança fortemente armadas que o obrigaram a voltar para trás.
Um outro comboio de ajuda foi formado pelos organizadores de uma greve em Mahalla Al-Kubra. No dia 11 de Janeiro, mais de mil trabalhadores do sector têxtil empregado pela Masr Spinning and Weaving realizaram uma greve em frente aos escritórios locais do sindicato do Estado. Os trabalhadores protestavam contra a punição arbitrária de colegas que tinham participado numa manifestação contra a privatização da fábrica no passado dia 30 de Outubro. O sit-in prosseguiu até hoje e é principalmente dirigido contra o sindicato, o qual os trabalhadores acusam de cooperar com a direcção.
Apesar da radicalização dos trabalhadores e estudantes durante semanas de protestos, é claro que a maior parte das grandes manifestações são realizadas e dominadas pelos Irmão Muçulmanos. Os integristas islâmicos não estão em posição de conter a direcção de tais manifestações num período de pobreza crescente que está esvaziado de qualquer alternativa política progressiva. Os Irmãos Muçulmanos, um partido burguês que goza do apoio de alguns homens de negócios, não propôs nenhuma solução para a crise económica insuportável que reina no Egipto, nem à repressão dos Palestinianos.
Relativamente à «esquerda», o Tagammu, um partido que incorpora diversos nasseristas, estalinistas e nacionalistas que se dizem «progressistas», e fundado em 1976 como sindicato de corrente de esquerda no seio do velho Partido Nasserista Unido ASU (União Socialista Árabe), adoptou uma trajectória demasiado de direita e é incapaz de oferecer uma alternativa aos Irmãos Muçulmanos e de fornecer a estas manifestações uma perspectiva progressista.
Tal perspectiva é entretanto necessária para que se encontre uma solução para o sofrimento dos palestinianos e para a repressão das populações árabes. O objectivo é construir um movimento político que procure conscientemente unir a classe operária palestiniana, judia e árabe, numa luta por uma federação socialista do Médio Oriente. Isto eliminaria as fronteiras artificiais através das quais as potências imperialistas controlam a região. E o único meio de deter a máquina de guerra israelita e fornecer uma solução durável para as necessidades políticas, económicas e sociais de todos os que vivem na região.
26 de Janeiro de 2009