Segundo noticia o Expresso, Portugal só exigiu garantias sobre voos da CIA em 2009. E só para detidos que vieram para Portugal.
Era suposto o assunto não constar da agenda, mas um pequeno incidente tornou-o obrigatório. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, estava de viagem marcada daí a 15 dias para a primeira reunião com Hillary Clinton, a nova secretária de Estado da recém-eleita Administração Obama, e o encontro com o embaixador Thomas Stephenson em Lisboa servia de preparação para a ida à Casa Branca.
O incidente ocupa poucas linhas no telegrama confidencial que Stephenson escreveu a 21 de Maio de 2009, no dia a seguir a ter estado com Amado. A 14 de Maio, uma semana antes, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha negado autorização para um avião da força aérea americana aterrar na base militar das Lajes, onde os Estados Unidos operam desde a II Guerra Mundial.
Segundo o Expresso, cara a cara com o embaixador americano, o ministro explicou-se: a recusa de aterragem do avião, "depois de ter entregue um detido argelino (de Guantánamo) a França, foi recomendada pelo director-geral de política externa, Nuno Brito, que, segundo Amado, estava preocupado com as consequências políticas da escala.
Amado disse que assinou por baixo a recomendação de Brito, mas que entendia “perfeitamente a necessidade logística de usar a base aérea das Lajes para fechar o centro de detenção de Guantánamo e prometeu total cooperação em voos futuros".
No final do telegrama, o embaixador comentava: "Amado tem sido extraordinariamente prestável para com o Governo dos Estados Unidos durante todo o seu mandato, o que faz com que a recusa de 'clearance' da semana passada seja ainda mais surpreendente".
O argelino que ia a bordo, Lakhdar Boumediene, era o segundo suspeito de terrorismo detido na prisão americana em Cuba a ser repatriado na Europa já com Obama como presidente. Era uma "boa transferência", diferente de muitas outras que tinham acontecido antes, para Guantánamo e de Guantánamo.
A conversa entre o ministro e o diplomata americano levanta, no entanto, a questão sobre
se houve um processo individual de autorização diplomática para os voos anteriores tal como houve para aquele voo.
Só em 2009 o Governo português apresentou pedido de garantias
A dúvida persiste, à porta fechada, nas conversas entre os diplomatas portugueses e americanos, em detalhes que vão saltando da correspondência enviada para Washington. A 22 de Fevereiro de 2008 (telegrama de 11 de Março), um alto elemento do Departamento de Estado americano, Kurt Volker, informou o então director de política externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) que o Governo de Londres ia anunciar nesse próprio dia que a Casa Branca admitia o trânsito de dois detidos por território britânico, contrariando desmentidos anteriores. "Os aliados dão informação quando a têm. Não questionamos os vossos pedidos", replicou o diplomata português.
Segundo o mesmo jornal, em nenhum dos 722 telegramas da embaixada - que vão de 2006 a 2010 - há qualquer menção a pedidos de esclarecimento por parte do Governo português sobre a passagem dos voos da CIA pelo nosso território, apesar de a correspondência diplomática abranger o período em que havia uma intensa investigação a correr pelo Parlamento Europeu (entre 2006 e 2007).
Apenas mais para o fim, num telegrama de 11 de Janeiro de 2009, já com Obama no poder e com Portugal a discutir as condições para o repatriamento de detidos de Guantánamo, é que surge um pedido de garantias, muito circunscrito. "Não aceitamos nenhum detido que 'tenha estado em Portugal'", diz à embaixada o director-adjunto da política externa do MNE. "Rui Macieira explicou que isso significava que o Governo português ia procurar garantias de que o detido não transitou por Portugal a caminho de Guantánamo".
De acordo com uma lista detalhada entregue à comissão do Parlamento Europeu que investigou os voos da CIA, num total de 94 voos civis e militares de e para Guantánamo ocorridos entre Janeiro de 2002 e Junho de 2006 com passagem pelo espaço aéreo dos Açores, houve 11 que envolveram escalas na base aérea das Lajes. Desses 11, cinco tinham como destino o centro de detenção em Cuba (enquanto os outros seis faziam o caminho inverso, com origem em Guantánamo).