A 15 de Dezembro de 1928 nasceu, em Viena, Friedrich Stowasser, que mais tarde viria a adoptar o nome de Hundertwasser, com o qual assinou a vasta obra pictórica e arquitetónica que produziu até à sua morte, em 19 de Fevereiro de 2000, quando viajava a bordo do transatlântico Queen Elizabeth 2.
Percorreu meio mundo e sonhou a outra metade. Incitou à criatividade, afrontou a inércia da sociedade relativamente à tirania do racionalismo mais oco e à urgência de compromissos ecológicos.
Defendeu o direito à “terceira pele”, a casa apropriada por quem a veste, na justa medida do respeito pela natureza. Colocou a felicidade como condição da existência e conseguiu a proeza maior de criar uma obra que é, toda ela, um manifesto sem a virulência dos imperativos mas antes com a assertividade do que é belo.
Há nas suas espirais de cor algo de essencial. As janelas que invadem todo o seu trabalho são mais do que rasgões na superfície impermeável de um edifício ou de um corpo: abrem para outros mundos, realidades de outra beleza. Da filigrana das gravuras e serigrafias, complexa tessitura de cores e linhas curvas, emergem as mesmas razões que se adivinham nos edifícios que projetou: a integração tranquila da natureza nos elementos construídos, num esforço de devolver ao pó o que da terra emanou.
De todos os campos que tocou, foi provavelmente como arquiteto que Hundertwasser ganhou maior notoriedade. Sem os maneirismos barrocos que frequentemente definem o sistema de vedetas do mundo da arquitetura, os projetos que desenhou conseguem integrar a mesma organicidade do seu trabalho pictórico: são estruturas vivas que se desenvolvem com a evidência das plantas que cobrem os telhados ou brotam das paredes.
Incorporou na arte a mesma límpida clareza com que defendeu manifestos pela criatividade ou contra a “imoralidade da linha reta”.
Travou várias lutas contra o espírito reinante. Foi, por exemplo, uma das vozes a defender a não adesão da Áustria à União Europeia, em nome do respeito pelas tradições que o diretório eurocrata ameaçava, então como agora, em nome da competitividade dos mercados.
À luz do conformismo que nos aconselham hoje dirigentes políticos e até um ou outro universitário, parecerá estéril e mesmo perigoso o aguerrido comprometimento de Hundertwasser com o pensamento crítico e a necessidade de um desenvolvimento assente no bem-estar, na felicidade e no respeito pelo ecossistema em que nos integramos.
Contra a tacanhez silenciosa, o testemunho vibrante das suas composições aí está como radical afirmação de liberdade.