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Serviço militar obrigatório: come e cala-te

Enquanto socialista e democrata, considero que é totalmente inaceitável a possibilidade de um retorno aos tempos do militarismo, da valorização da força e do seguidismo da autoridade. Texto de Ernesto Oliveira
A cedência do governo português às posições militaristas como o regresso do SMO é totalmente inaceitável e retrógrada
A cedência do governo português às posições militaristas como o regresso do SMO é totalmente inaceitável e retrógrada

O serviço militar obrigatório (SMO) tem sido tema de conversa no nosso país depois do Ministro da Defesa ter lançado a proposta. A retórica de quem defende a proposta argumenta que os jovens precisam de ser moldados pelo SMO nos valores do respeitinho à pátria e da disciplina perante a autoridade. Outros argumentam que o SMO será um reforço à democracia. Pois bem, a pergunta que se coloca é se existirão ou não melhores formas de fomentar o instinto cívico na juventude portuguesa.

Na minha opinião, que penso que é partilhada por muitos e muitas democratas e socialistas, uma política para o pleno emprego teria um efeito muito mais eficaz nesse sentido. Bem como um reforçado serviço nacional de saúde, sem as amarras que o prendem ao parasitismo dos operadores privados, capaz de dar resposta rápida e eficiente às necessidades da população; ou o reforço do nosso sistema de ensino que garanta a sua gratuitidade, democraticidade de qualidade, que acompanhe o estado-de-arte da pedagogia; ou então o reforço do nosso sistema de transportes públicos para que sirva a população e não o interesse privado e pleno direito à habitação. A política é feita de escolhas.

Por último, dentro do espetro mais reacionário, encontramos argumentos que remetem para o papel do serviço militar na formação de “homens de verdade”. Esta linha é um verdadeiro abrir de olhos para a sociedade machista que ainda temos e um aviso para a necessidade do feminismo.

A intenção do governo Português em aumentar a despesa dedicada às forças armadas e regressar com o serviço militar obrigatório não pode ser interpretada sem considerarmos a disposição geopolítica global. Nos corredores de Bruxelas, discute-se seriamente a criação de uma força militar à escala da UE, onde o governo de Costa fez questão de estar presente. O debate pode ser estranho já que não surgiu por vontade popular. Porém, a explicação fica clara quando consideramos o papel de Trump e as suas posições que passam pela exigência de que os estados membros da NATO contribuam para a organização 4% do PIB. A proposta fica ainda mais clara no contexto atual da Europa Fortaleza com fronteiras fechadas para travar os refugiados, sendo possível concluir o caminho que se tenciona fazer. É para dar resposta a estas circunstâncias que surge esta proposta de imposição de serviço militar.

Qualquer democrata e socialista deve bater-se por uma sociedade pacífica, defendendo tanto a desmilitarização como a desnuclearização global. Assim, a cedência do governo português às posições militaristas como o regresso do SMO é totalmente inaceitável e retrógrada.

Para além de uma cedência inaceitável ao militarismo e as ambições imperialistas de Trump e ao fechamento da Europa Fortaleza, a obrigatoriedade de se prestar serviços numa força militar retira a autonomia individual que existe de decidir aquilo que queremos fazer. Desmancha a ideia de que cada um pode fazer aquilo que quer e de que gosta a nível profissional. É portanto, também um ataque à liberdade individual de escolha.

Porém, considero justas as reivindicações por melhores salários e condições de trabalho de quem, por livre vontade, opta por prestar serviço militar. A questão problemática está sim na obrigatoriedade.

Enquanto jovem de 19 anos, só posso sentir que me está a ser retirado mais um pedaço da liberdade que tenho no registo da fórmula do come e cala-te

O debate sobre o SMO deve assumir-se como um debate sobre a sociedade que queremos construir. Colocando a hipótese de uma sociedade que valoriza a violência e a força em detrimento do pleno emprego e da garantia que os cuidados de saúde, educação e habitação como direitos universais para todas e todos, ou então, defendendo uma sociedade que escolhe a obediência e servidão ao poder instituído, em vez da reflexão crítica e do questionamento permanente de todas as expressões que a opressão pode assumir – estamos a construir uma ameaça a uma sociedade verdadeiramente democrática no pleno sentido do conceito. É essencial caminhar para uma posição crítica e construtiva, reivindicativa e progressista e não fazer a cedência ao militarismo e ao seguidismo.

Enquanto jovem de 19 anos com o ensino obrigatório concluído, ao me deparar com a possibilidade de me ser imposto o serviço militar, só posso sentir que me está a ser retirado mais um pedaço da liberdade que tenho no registo da fórmula do come e cala-te. Enquanto socialista e democrata, considero que é totalmente inaceitável a possibilidade de um retorno aos tempos do militarismo, da valorização da força e do seguidismo da autoridade.

Texto de Ernesto Oliveira

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