O coronavírus perturbou o dia a dia em todo o mundo, através de proibições de viagens, restrições aos voos e cancelamento de eventos desportivos e culturais.
Mais de 10 milhões de italianos foram proibidos de viajar e cancelaram-se todos os eventos públicos. Na China, 80 milhões de pessoas estão ainda em quarentena, só podendo sair de casa a cada dois dias. O primeiro-ministro japonês ordenou que todas as escolas fechem em todo o mês de março, enquanto as autoridades italianas e iranianas fecharam todas as escolas e universidades. Apesar dos custos e inconvenientes que estas medidas provocam, o público em geral aceitou ou até aprovou estas medidas.
Mas o coronavírus não é a única crise global que enfrentamos: espera-se que a crise climática, como tem sido sublinhado, seja mais devastadora. Alguns apontaram que a resposta às duas crises é totalmente diferente. Enquanto especialista em ciências comportamentais, tenho refletido sobre o que explica essas diferenças.
À primeira vista essa diferença é surpreendente, pois a crise climática é estruturalmente semelhante à do coronavírus por várias razões:
1. Ambas são marcadas por uma probabilidade crescente de desastre. No caso do Covid-19, a doença causada pelo coronavírus, isso deve-se à natureza do contágio: cada doente pode passar a doença a mais de uma pessoa e assim as taxas de infeção tendem a acelerar. No caso das alterações climáticas, o risco acrescido de iniciar retroações negativas (processos que amplificam a tendência de aquecimento) e de atravessar pontos críticos à medida que aumentam as temperaturas globais têm o mesmo efeito.
2. Enfrentar qualquer destes problemas vai perturbar os nossos estilos de vida de várias formas, algumas bastante semelhantes — veja-se o aumento acentuado do “vá para fora cá dentro” provocado pela crise do coronavírus.
3. Em ambos os casos há um problema de coordenação: os esforços de qualquer indivíduo de nada servem para mitigar o risco, a menos que sejam acompanhados por esforços de muitos outros.
4. E nos dois casos as autoridades reconhecem a urgência de agir. Autoridades executivas de 28 países já declararam emergência climática.
Aqui tão perto
Dadas estas semelhanças, podíamos pensar que ambas requerem respostas semelhantes. Mas a resposta à crise do coronavírus foi sem dúvida maior que a resposta à crise climática. Porquê?
O coronavírus é uma ameaça recente, óbvia e a crescer rapidamente. É sentida como um choque para o status quo, e o desconforto causado por esse choque impele a ação. Cada dia traz novas provas das consequências diretas do surto, e essas consequências estão a chegar cada vez mais perto de nós. Dá a impressão de ser um perigo evidente e presente, que requer ação imediata.
A ameaça das alterações climáticas, por seu lado, tem sido levantada há décadas, e as provas conclusivas foram acumulando-se gradualmente. O resultado é que não evoca o mesmo tipo de desconforto. Enquanto não restam dúvidas de que as atividades presentes e passadas dos humanos geraram as emissões que terão consequências para o clima, não é de todo possível atribuir a um só evento específico a causa das alterações climáticas. A impressão que deixa é a de um problema vago que será enfrentado no futuro, não algo imediato.
Também há o sentimento de que o futuro será sempre mau, independentemente dos passos que dermos agora para travar as alterações climáticas. Isso pode gerar sentimentos de impotência. Com o coronavírus, parece que as ações tomadas hoje terão consequências reais e demonstráveis.
As pessoas tendem a apoiar mais as políticas se conseguirem explicar o mecanismo através do qual elas funcionam. Há um modelo mental simples e intuitivo de como se espalha o Covid-19 (através das pessoas) e de como podemos parar o contágio (manter isoladas as pessoas infetadas).
Embora tenhamos sido ensinados que aquecer as nossas casas, conduzir os nossos carros e por aí fora, tudo isso contribui para as alterações climáticas, a cadeia causal em que isto acontece não é intuitiva. Parece que estamos a lidar eficazmente com o coronavírus quando pomos gente infetada em quarentena, mas já não parece que estamos a dar passos concretos em relação às alterações climáticas ao, por exemplo, proibirmos a queima de madeira húmida.
Alguma esperança
Então, que lições podemos tirar disto?
A comunicação parece ser a chave. Criar modelos mentais intuitivos e metáforas capazes de explicar a ligação entre o nosso comportamento enquanto consumidores, as emissões de carbono e um clima em mudança não é fácil. Mas se os grupos de pressão e lóbis o conseguirem fazer, isso pode facilitar um sentido de responsabilidade. Por outro lado, parece que a atual comunicação sobre os riscos e impactos negativos das alterações climáticas pode ser demasiado difusa e variada para ser facilmente assimilada pelo público em geral. Se os media e os governos se coordenassem para clarificar a natureza do risco climático, o coronavírus mostra-nos que o público é mais do que capaz de responder de forma apropriada.
Enquanto isso, pode ser animador pensar nalguns aspetos do surto de coronavírus que podiam levar a inibir a ação, mas não o fizeram. O facto de os adultos mais saudáveis recuperarem do Covid-19 podia levar à complacência. E sabemos que as pessoas tendem para uma predisposição otimista: o facto de eu poder ter comportamentos que me protejam contra o Covid-19 torna-me excessivamente otimista em relação ao meu risco pessoal.
Pelo contrário, as alterações climáticas são universais; os saudáveis e os ricos não vivem num clima separado do resto de nós. Se conseguirmos afinar a mensagem, essa universalidade deve motivar ainda maior coordenação do que já assistimos na resposta ao coronavírus.
Tomar precauções para reduzir o risco do coronavírus tem sempre custos (como o cancelamento de eventos). Ao contrário, a mitigação das alterações climáticas ainda oferece a oportunidade para reduzir a emissão de gases com efeito estufa e ao mesmo tempo beneficiar de faturas energéticas mais baixas, melhor qualidade do ar e muito mais.
Na minha investigação, centrei-me em encontrar estas situações win-win (vantajosas para ambas as partes), por exemplo no comportamento das deslocações pendulares ou no consumo doméstico de energia. Mas o empenho a que assisti nos últimos dias em enfrentar o surto do coronavírus tornou-me mais ambicioso. Em vez de aplicar a ciência comportamental para mudar o comportamento individual, vamos aplicá-la para mudar as mentes, os corações e as políticas governamentais.
Uma lição final que a resposta ao coronavírus nos ensina é que as pessoas ainda conseguem trabalhar juntas para fazer o que está certo. Precisamos de esperança, de confiar uns nos outros, para combater a crise climática. Talvez, contraintuitivamente, o coronavírus nos dê uma ajuda para isto.
David Comerford é professor de Ciência Comportamental na Universidade de Stirling, na Escócia. Artigo publicado no portal The Conversation e traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.