Os promotores da recém aprovada reforma fiscal nos Estados Unidos descrevem-na como o ato mais importante em matéria de política de cobrança de impostos desde Ronald Reagan. A equipa do atual inquilino da Casa Branca não deixa escapar a menor oportunidade para transmitir a sua convicção de que a redução de impostos às grandes empresas e aos estratos de altos rendimentos levará a um maior crescimento económico com todos os benefícios em matéria de emprego, que o crescimento implica. Tal como acontece há 30 anos, os mitos e dogmas dominam o desenho da política fiscal norte-americana.
A polémica que rodeia a reforma fiscal de Trump concentra-se no tema da desigualdade e dos exorbitantes benefícios aos ricos e às grandes empresas. Mas há outro importante ângulo neste debate que não teve a atenção que merece. O objetivo primordial da reforma aprovada pela maioria republicana no Congresso norte-americano é acelerar o crescimento económico e a criação de empregos através de um aumento no investimento.
Mas, qual é o fundamento racional que sustenta esta forma de ver as coisas? A justificação dos partidários desta reforma é um pensamento bem simples, porém enganoso: sustentam que a redução de impostos fará com que as empresas (e os ricos) invistam mais porque terão que pagar menos impostos sobre os seus lucros. O aumento no investimento não só criará um maior número de empregos, como também incorporará inovações tecnológicas em processos e produtos. E isso fará com que aumente a produtividade, o que também levaria a que aumentassem os salários. O crescimento económico provocado pela reforma fiscal traduzir-se-ia num avanço em matéria de bem-estar para toda a população. Adicionalmente, a aceleração económica traria uma maior cobrança de impostos, com a qual se fecharia o círculo virtuoso.
Mas, é correto pensar que o investimento e o crescimento aumentarão com esta reforma fiscal? Para começar, deveríamos supor que os impostos elevados são a causa de o investimento ser insuficiente ao longo dos anos recentes (para não dizer décadas). Mas este pressuposto tem um problema: o investimento produtivo tende a diminuir há mais de três décadas. É, portanto, difícil atribuir o comportamento dessa variável aos níveis de impostos. Só com operações de malabarismo em econometria se chega a esta conclusão.
Na verdade, são muitos os fatores que determinam os níveis de investimento, e em todo caso a carga tributária é apenas um desses fatores. Provavelmente não é o fator mais importante. Sem dúvida, o mais importante é o da rentabilidade esperada. Muitos economistas falam dos sentimentos do mercado, e Keynes referiu-se aos espíritos animais para referir-se à complexa matriz de fatores que determinam as decisões sobre os investimentos. Estas expressões estão ligadas ao tema da rentabilidade. Mas a análise dos economistas convencionais deixa muito a desejar.
Outros analistas trabalharam os dados sobre rentabilidade nas principais economias capitalistas ao longo de um período de cinco décadas. A sua principal conclusão é que a redução na taxa de investimento está diretamente relacionada com a diminuição da taxa de rentabilidade. Nenhuma reforma fiscal vai reverter essa tendência.
E se isso já não fosse o bastante, existem outros indicadores que também fazem duvidar da efetividade da reforma fiscal de Trump. Há um dado em particular que chama a atenção: os coeficientes de capacidade instalada ociosa. A informação da Reserva Federal mostra que, na atualidade, existem 24% de capacidade instalada ociosa para toda a economia norte-americana. Alguém poderia pensar que esse é um dado conjuntural e que com as reformas de Trump tudo será diferente. Todavia, o mais grave desse indicador é que o quadro vem piorando há quatro décadas. Os leitores podem comprovar. No gráfico abaixo, vê-se que em 1967 o coeficiente de capacidade ociosa era de 11%. A série de dados continua com os típicos altos e baixos dos ciclos de negócios de qualquer economia capitalista. Mas, não se pode ignorar a tendência para o aumento dos coeficientes de capacidade ociosa. Por isso, nas últimas três fases de expansão, o nível máximo é inferior ao da expansão anterior. É evidente que a tendência secular do indicador de capacidade ociosa é para a subida.
Dizendo de outra forma: os dados demonstram que existem níveis de capacidade excedente cada vez mais importantes. Porque haveria um investidor de se arriscar a construir uma fábrica quando sabe que já existe no setor um excesso de investimento? Se o aumento do investimento é o objetivo central da reforma fiscal de Trump, o mais provável é o fracasso. A única conquista será dar mais dinheiro aos super ricos e às grandes empresas, que não o usarão para investimentos produtivos.
Artigo de Alejandro Nadal, publicado em La Jornada a 27 de dezembro de 2017, traduzido para português por Carta Maior e publicado em 5 de janeiro de 2018.