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Rafael Marques denuncia “militares sem quartéis e uma renda milionária”

Em Angola, o orçamento para a defesa é milionário mas há soldados a viver em “condições sub-humanas”. O jornalista revela um contrato avultado feito pelo Estado Maior das Forças Armadas com um general para arrendar uma casa que ficou vazia.
Interior de uma caserna em Angola. Foto do MakaAngola.
Interior de uma caserna em Angola. Foto do MakaAngola.

O jornalista Rafael Marques de Morais publicou esta quarta-feira na página MakaAngola o primeiro texto de uma investigação que durou “vários meses”, no qual denuncia que o orçamento milionário de Angola para as Forças Armadas não se traduz em condições dignas para os militares na base da hierarquia, havendo unidades sem quartéis e “um elevado número de militares que vivem em construções improvisadas com chapas e adobes, sob condições sub-humanas”.

Rafael Marques começa por considerar que há “algo de curioso e profundo no Orçamento Geral do Estado e sua execução”. Isto porque “desde sempre, a Defesa e Segurança é o sector que mais verbas recebe”, num país que tem “um dos maiores exércitos de África, com mais de 130 mil homens e mulheres nas Forças Armadas Angolanas (FAA), bem como um dos maiores orçamentos para o efeito”.

A dotação para a Defesa foi, dois meses depois da aprovação do Orçamento, aumentada em 200 milhões de dólares por decisão do presidente João Lourenço, passando a totalizar cerca de mil milhões de dólares. Quartéis e esquadras policiais receberam já, no primeiro semestre de 2022, 75% das verbas atribuídas, enquanto que Saúde e a Educação “apenas puderam realizar 38 por cento das suas despesas”.

Esta situação contrasta com a falta de quartéis e de condições de vida dos militares. Segundo dados do Estado-Maior-General das Forças Armadas Angolanas, nove brigadas de infantaria, 12 batalhões e regimentos de Defesa Anti-Áerea da Força Aérea, duas unidades da Marinha e a Escola Inter-Armas de Oficiais de Benguela não têm quartéis. Há ainda 12 brigadas do Exército, seis da Força Aérea e cinco da Marinha com “quartéis em péssimas condições, consideradas infra-humanas”.

Desde 2013 que a resolução destes problemas consta do Programa de Investimento Público. Das 56 obras aí previstas, revela esta investigação, “apenas três foram concluídas, mas sem que os pagamentos tivessem sido completados”. Também no Plano de Desenvolvimento Nacional de 2018-2022 está inscrita a “construção, a reabilitação, a manutenção e o apetrechamento de infra-estruturas do Sector da Defesa Nacional, designadamente, 15 quartéis, 2 hospitais militares, 1 base aérea, 1 base naval, 2 estabelecimentos sociais, 2 estabelecimentos histórico-culturais, 6 estabelecimentos de ensino, 1 servidão militar (…)”. E um relatório oficial referente aos anos de 2018 e 2019 indica igualmente que “não houve execução no concernente a obras, assim como pagamentos”.

A renda milionária da casa vazia

No mesmo artigo, Rafael Marques denuncia que o Estado-Maior-General das Forças Armadas “aparenta ser pródigo em gastar dinheiro com o arrendamento de uma casa de passagem destinada à sua chefia, que não teve uso oficial”. O caso remonta a 2015 quando esta estrutura arrendou uma residência que deveria servir como residência de função do chefe de Estado-Maior-General das FAA mas nunca foi utilizada para essa finalidade. O proprietário era o general António dos Santos “Patonho”, na altura presidente do Tribunal Supremo Militar.

O EMGFAA esteve a pagar, entre 2015 a 2017, três milhões de kwanzas [5.365 euros] por mês, um valor total de 72 milhões [135,2 mil euros]. E, a 25 de Maio de 2017, celebrou novo contrato por quatro milhões de kwanzas [7.514 euros] por mês. Acabou por rescindi-lo a 30 de Junho deste ano, tendo totalizado no seu âmbito o pagamento de 244 milhões de kwanzas [458,3 mil euros] em rendas e acrescido 51 milhões de kwanzas [95,8 mil euros] para “compensação do senhorio, reparação da casa e reposição de mobiliário”. Assim sendo, o total gasto com a casa foi de 367 milhões [690 mil euros].

O jornalista acrescenta que “este não é o único caso de um general que fará um negócio particular com as FAA, antes se enquadra num padrão de comportamento a que o Maka Angola está atento”. E termina com uma reflexão sobre a presidência de João Lourenço, “o primeiro presidente com um passado de carreira militar” e do qual se “esperava maior atenção às condições e ao sofrimento dos soldados”.

Caracteriza a sua ação “errática” e “cada vez mais incompreensível”, criticando a construção de um centro político-administrativo na Nova Marginal de Luanda para “a realização de cimeiras ao mais alto nível” no valor de “biliões de dólares”, a atribuição sem concurso público da obra do Pavilhão Multiusos do Cuanza-Norte, por 23,8 milhões de dólares, numa província na qual “não há atividade desportiva que justifique tal obra”.

E conclui que isto demonstra que “para além da retórica, não se aprendeu nada com os erros do passado”, se volta “a apostar num modelo de crescimento falso, assente na subida do preço do petróleo que financia obras faraónicas de construção que não servem para nada a não ser para engordar lucros de firmas estrangeiras e de amigos, não deixando mais do que infra-estruturas vazias e negociatas entre as elites”.

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