Os documentos a que o El País teve acesso indicavam ontem algumas propostas em cima da mesa para a próxima reunião do Eurogrupo, considerada decisiva para o futuro da zona euro. Em entrevista ao mesmo jornal, Mário Centeno, presidente do órgão, confirmou ter reunido “amplo apoio” para uma proposta a discutir na videoconferência de terça-feira. Reconhecendo a gravidade da situação que o continente atravessa, Centeno diz que este deve ser “o nosso próprio Plano Marshall”. Mas em que consiste a proposta?
O plano prevê respostas para os três grupos definidos: os Estados, as empresas e os trabalhadores. Para os primeiros, Centeno diz estar a trabalhar numa linha de crédito que pode ir até 240 mil milhões de euros através do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE). Para as empresas, a ideia é trabalhar em conjunto com o Banco Europeu de Investimentos (BEI) e mobilizar 200 mil milhões de euros para empréstimos ao setor, que terão como foco principal as pequenas e médias empresas. Já para os trabalhadores, o Eurogrupo pretende apoiar a proposta da Comissão Europeia de criar o SURE, um sistema europeu de garantia de subsídios de desemprego. Este programa, avaliado em 100 mil milhões de euros, será distribuído através de empréstimos aos Estados-membro em dificuldades.
Feitas as contas, trata-se de um plano com três eixos de financiamento que podem ultrapassar os 500 mil milhões de euros. No entanto, todas as propostas apresentadas são assentes em endividamento dos Estados-membro. Além disso, Centeno não garantiu que a condicionalidade estará ausente, dizendo apenas que estes empréstimos não devem ter como contrapartida a exigência de “privatizações ou reformas laborais”. Na prática, tudo indica que se mantêm as condições para o resgate no que diz respeito à consolidação orçamental e ao ritmo de redução da dívida pública. Esta é, de resto, uma exigência dos países do Norte, com a Alemanha e a Holanda à cabeça. Só que os países do Sul, como Portugal, Itália ou Espanha, têm recusado aceitar condições semelhantes aos resgates da última crise, já que os custos da austeridade ainda se fazem sentir nos países que passaram pelos programas de ajustamento da troika.
240mM de empréstimos do MEE (austeridade incluída), linha de crédito de 200mM do BEI e 100mM de empréstimos para "proteção de emprego". Não é uma montanha de dívida, porque é só um montinho. Partilha de risco, zero. Responsabilidade, zero. Noção, zero.https://t.co/64jyuDz0r3
— José Gusmão (@joseggusmao) April 4, 2020
No Financial Times, o historiador económico Adam Tooze sublinha que “o pacote de estímulos da Alemanha é bastante maior que o de Espanha ou Itália, mesmo sendo a situação de saúde destes mais grave”. A razão para esta diferença é que os países do sul não têm garantias de que “quando a crise passar, o peso dos seus balanços nacionais não se transforme num constrangimento que os paralise durante décadas”. Por outras palavras, é o receio da austeridade imposta em 2012 que leva os países do Sul a conterem a despesa no combate à pandemia.
Tooze conclui que, na zona euro, “o momento para a exibição de determinação comum já passou. Face à urgência da crise, a zona euro não é capaz de apresentar um plano adequado de despesa pública coordenada.” O plano que está a ser discutido no Eurogrupo está longe de ter a abrangência necessária para responder à pandemia. Sem capacidade para uma resposta comum, o futuro da zona euro volta a estar em risco.