OCDE: mercado de trabalho está a ficar mais polarizado e desigual

26 de April 2019 - 18:15

Relatório da OCDE afirma que mercado de trabalho está a ficar mais polarizado e desigual, esvaziando as classes médias. Os governos terão um papel fundamental em quem ganha e perde com o progresso técnico. Em Portugal, as licenciaturas valem cada vez menos.

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Linha de montagem de telemóveis. Foto Fairphone/Flickr.
Linha de montagem de telemóveis. Foto Fairphone/Flickr.

Um trabalho em rápida transformação por via da automação e digitalização, cada vez mais polarizado, desigual, e precarizado, colocando grandes problemas sociais e dificuldades aos governos para lhes dar resposta — eis o retrato em grandes linhas dado pelo Employment Outlook 2019, o relatório da OCDE sobre grandes tendências internacionais no mundo do trabalho, publicado esta quinta-feira.

O relatório dedica os três primeiros capítulos ao futuro do trabalho, em particular o impacto do progresso técnico recente em áreas como a digitalização, automação, ou a Inteligência Artificial. A OCDE calcula que quase metade dos atuais empregos serão muito diferentes no futuro ou não existirão de todo: 32% dos atuais postos serão profundamente alterados com a digitalização, 14% poderão desaparecer com a automação. Estes números baseiam-se num inquérito de 2015 realizado na maioria dos 36 países-membros da organização, no qual todavia Portugal e mais três países não participaram.

Apesar destas transformações de grande alcance, há no horizonte empregos de novo tipo que tomarão o lugar dos que desaparecem. Além disso, o aumento de produtividade e descida de preços nos setores mais automatizados aumenta o poder de compra a jusante: com produtos e serviços mais baratos, os compradores e consumidores ficam com mais dinheiro para gastar noutros setores, gerando neles mais procura e emprego.

Juntando estas tendências e contra-tendências, a OCDE prevê que o nível geral de emprego tenderá a manter-se. Mas as transformações que se avizinham criarão muitos problemas em setores e regiões específicas, como em décadas recentes criaram em regiões fabris que se desindustrializaram. O relatório afirma não haver "garantias efetivas de que trabalharemos melhor amanhã do que hoje" e atribui aos governos um papel fundamental: "o futuro do trabalho dependerá, fundamentalmente, das políticas e decisões a ser adotadas pelos diversos países e governos".

A desigualdade e polarização do mercado de trabalho é outro problema assinalado, com um fosso crescente entre profissionais com altas qualificações no topo, uma enorme massa de trabalhadores desqualificados na base, e o esvaziamento das camadas intermédias. A consequência social é o esvaziamento das classes médias: "as profissões intermédias já não garantem acesso à classe média, e trabalhos altamente qualificados já não dão acesso automático às camadas mais altas". Por sua vez, isto "pode causar uma enorme frustração entre os trabalhadores e explicar o crescente sentimento de preocupação e descontentamento". Uma consequência que se tem visto em diversos países é o declínio dos partidos tradicionais de centro-direita e centro-esquerda.

A isto junta-se a precariedade e informalização crescente do mercado de trabalho, com muitos trabalhadores numa zona cinzenta entre emprego e trabalho por contra própria — ilustrada em Portugal com a ubiquidade dos recibos verdes. Estes trabalhadores precários têm muito menos acesso à proteção social, e em muitos países a probabilidade de receberem algum apoio quando ficam sem rendimento é cerca de metade face a quem tem contrato formal de trabalho. Estas tendências acentuam-se com a economia digital e as grandes plataformas monopolistas que a dominam, afirma a OCDE.

Olhando para Portugal, o país destaca-se pela perda de valor das licenciaturas. Quem tem um curso superior ganha naturalmente mais do que quem tem o ensino secundário, mas na última década a diferença diminuiu em 16 de 26 países analisados, e Portugal é onde diminuiu mais: o chamado prémio salarial da educação caiu 23 pontos percentuais, enquanto na maioria dos outros países a queda ficou abaixo de dez pontos. A OCDE explica-o com a estagnação salarial dos postos de trabalho qualificados no país, e também com a sua escassez face ao aumento de jovens que saem do Ensino Superior e acabam por ser empurrados para empregos abaixo das suas qualificações. Os jovens nesta situação estão a aumentar em todos os países, mas mais fortemente em Portugal (aumento de 16 pontos percentuais), Irlanda (17 pp) e Espanha (21 pp).