Frontex retira-se da Hungria

10 de February 2021 - 12:53

A decisão da agência responsável pelo patrulhamento das fronteiras externas da União Europeia surge na sequência das práticas que violam o Direito Internacional e Europeu por parte do governo de Viktor Orbán em relação aos migrantes.

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agentes da Frontex
Foto de Peter Tkac /Flickr

O Tribunal Europeu de Justiça decidiu a 17 de Dezembro 2020 que a Hungria não estava a cumprir as obrigações previstas pela legislação europeia de garantir proteção internacional aos requerentes de asilo. A decisão aponta também que a Hungria tinha ilegalmente reenviado migrantes encontrados no país, sem autorização, para a vizinha Sérvia, violando as normas europeias que obrigam os Estados Membros a aceitar e analisar os requerimentos de asilo.

A prática de "pushbacks" [reenvios forçados] é considerada ilegal pelo Direito Internacional. O artigo 33º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, determina que "nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas."

A Hungria é o único Estado Membro da União Europeia a ter a prática de "pushbacks" prevista na sua legislação. Desde 2016 que a Hungria tem aprovado leis que visam impedir os refugiados de acederem ao seu território e requerer asilo.

Estas violações estão a ser documentadas pela ONG The Hungarian Helsinki Committee, que denunciou mais 4400 "pushbacks" entre o anúncio da decisão do TEJ e o final de Janeiro de 2021.

Até 5 de Fevereiro, de acordo com o Libération, o número ascendia a 4.903.

Apesar das medidas do governo húngaro, os migrantes continuam a tentar transpor a barreira erguida pela Hungria na fronteira com a Sérvia. András Lederer, responsável pelo programa dos refugiados junto do Hungarian Helsinki Committee, contou ao Libération que mesmo quando os "pushbacks" decorrem sem violência, as forças da ordem humilham os fugitivos. “Em Dezembro passado, alguns foram forçados a despir-se e foram expulsos descalços e em cuecas. A polícia publica os números todos os dias! Nos outros países, as ONGs e os jornalistas são obrigados a investigar para descobrir estas práticas”, prossegue András Lederer. E acrescenta: “a Hungria é o único Estado europeu onde um refugiado não pode ter qualquer proteção”. 

A ONG exigiu ao Director Executivo da Frontex, Fabrice Leggeri, a retirada da agência das fronteiras da Hungria, numa carta em que alertava para o facto de que se continuasse a participar na vigilância e protecção das fronteiras na Hungria, a Frontex arriscava ser cúmplice.

Desde 2016 que a agência fecha os olhos a esta situação, apesar dos alertas do relator para os Direitos Humanos da agência para a brutalidade destes atos, os quais também foram vastamente documentados pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, pela Human Rights Watch e pelos Médicos Sem Fronteiras. Também o “Livro Negro dos push-backs” que foi lançado em Dezembro pelo grupo parlamentar da Esquerda no Parlamento Europeu, e que contém a compilação de mais de 12.000 testemunhos compilados pela ONG Border Violence Monitoring Network, e que expõe detalhadamente as práticas ilegais e violentas que estão a ser levadas a cabo nas fronteiras europeias, há meses, com total impunidade.

No início de Janeiro a Comissão Europeia pediu explicações à Hungria, mas não obteve resposta. O governo húngaro justifica a prossecução destes actos ilegais por riscos de saúde ligados à Covid. É a primeira vez que esta agência europeia suspende a sua atividade num Estado Membro.

A decisão da Frontex surge também num momento em que a própria agência é alvo de diversas investigações na sequência de denúncias relativas ao seu envolvimento em operações de "pushbacks" para impedir migrantes de chegarem à Grécia, nomeadamente pela OLAF - a Agência Europeia Anti-fraude - e mais recentemente do Parlamento Europeu, que aprovou a constituição de um grupo de trabalho para monitorizar as operações da Frontex.