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Evergrande: Quanto maiores são, maior é a queda?

As notícias sobre as dificuldades financeiras da Evergrande, gigante do imobiliário chinês, encheram as páginas da imprensa económica nos últimos dias. Os mercados financeiros reagiram com rapidez, registando perdas acentuadas. Mas será suficiente para dizer que estamos perante um "novo Lehman Brothers"?
Imobiliário chinês. Fonte: Flickr/Breaking Asia.
Imobiliário chinês. Fonte: Flickr/Breaking Asia.

Os mercados financeiros reagiram com rapidez às notícias sobre as dificuldades financeiras da Evergrande, registando quebras significativas no valor das ações um pouco por todo o mundo. Muitos economistas já falam na possibilidade de um novo “momento Lehman”, em alusão à falência do banco norte-americano Lehman Brothers, que desencadeou um efeito dominó no sistema bancário e esteve na origem da última crise financeira (2007-08). Será esse o caso? Para responder a esta pergunta, temos de olhar com mais detalhe para a evolução da Evergrande no contexto da economia chinesa.

Como é costume no setor imobiliário, ao longo dos últimos anos, a Evergrande foi somando empréstimos avultados para investir na construção, expandir a dimensão da empresa e conquistar novos segmentos do mercado. Para isso, contou não apenas com a concessão de crédito por parte do sistema bancário chinês, mas também de vários investidores nacionais e estrangeiros, motivados pelo crescimento do mercado imobiliário na China e pela subida ininterrupta dos preços. Alimentada por esta bolha especulativa, a dívida da empresa cresceu exponencialmente e situa-se hoje em cerca de 260 mil milhões de euros - quase tanto como o valor total da dívida pública em Portugal.

Preços do imobiliário nas cidades chinesas. Fonte: Financial Times. Preços do imobiliário nas cidades chinesas. Fonte: Financial Times.

 

Com a mudança das regras impostas pelas autoridades chinesas, que passaram a exigir que os passivos de uma empresa não superem 70% do total dos seus ativos, a Evergrande passou a estar em situação de incumprimento e viu-se impedida de recorrer a novos empréstimos, o que a deixa numa difícil situação em que as dificuldades para honrar os compromissos financeiros se conjugam com a quebra do volume de negócios após a pandemia.

Os receios de que a empresa pudesse entrar em incumprimento agitaram os mercados financeiros durante alguns dias. Na semana passada, acabaram por se confirmar quando a Evergrande falhou o pagamento de 71 milhões de euros em juros de um dos seus títulos de dívida. Embora ainda tenha um mês para o fazer antes de entrar oficialmente em incumprimento, a situação gerou preocupação sobre o risco de contágio a outras instituições.

Convém notar que os problemas da empresa não se devem exclusivamente à decisão das autoridades chinesas. Na verdade, embora a empresa já enfrentasse problemas de liquidez há alguns anos, isso não a impediu de distribuir dividendos aos seus acionistas. Na altura, a China parecia estar disposta a aceitar níveis crescentes de endividamento no setor em troca de elevadas taxas de crescimento. Uma parte importante do capital disponível foi sendo canalizado para os setores da construção e do imobiliário, que prometiam enorme retorno de curto-prazo, embora estejam entre os menos produtivos a médio/longo prazo. Esta tendência foi acentuada pelas administrações públicas locais, para as quais uma das principais fontes de receita passou a ser a venda de terrenos para construção a investidores privados. A especulação imobiliária cresceu sobretudo à conta da construção de estabelecimentos comerciais, já que o poder local favoreceu estes projetos de forma a atrair empresas e aumentar as receitas fiscais.

Após vários anos em que os preços das casas não pararam de subir, o governo chinês foi forçado a tentar travar a bolha especulativa. Foi por isso que definiu três novas “linhas vermelhas” no ano passado: um limite para o rácio de dívida sobre os ativos das empresas, um limite para o rácio de dívida sobre os capitais próprios, e um limite para o rácio de liquidez sobre a dívida de curto prazo. As empresas que não cumprissem estes requisitos passaram a ser impedidas de contrair novos empréstimos e, em muitos casos, foram forçadas a liquidar ativos para reduzir a sua dívida, o que originou vendas a preços de desconto e acentuou as perdas financeiras. A decisão do governo acabou por expor os problemas de um sistema que cresceu à custa do crescente endividamento, o que tem levado vários economistas a estabelecer paralelos com a crise financeira desencadeada pela queda do Lehman Brothers, nos EUA, em 2007. “Pequim deveria ter agido há 10 anos atrás”, de acordo com Michael Pettis, professor de economia na Universidade de Pequim. “Quanto mais tempo esperar, mais custoso será corrigir este modelo”.

No entanto, o historiador Adam Tooze nota que nem tudo é igual nos casos do Lehman Brothers e da Evergrande. Há uma diferença substancial: no caso da gigante imobiliária chinesa, o colapso não resulta do pânico no mercado, mas sim de uma decisão do governo chinês para alterar os critérios. A “demolição controlada” da empresa tem por objetivo combater a bolha especulativa no mercado imobiliário e é levada a cabo por um governo que detém a maioria do sistema bancário nacional, tendo por isso mais facilidade em controlar os riscos de contágio. Como Francisco Louçã escreveu no Expresso, “o Governo chinês dirige o sistema de crédito e pode absorver perdas se quiser evitar um efeito so­cial amplo. A finança internacional bem pode cantar loas ao controlo estatal.” A hipótese de uma crise financeira com impactos no resto da economia global pode, por isso, ser evitada.

Certo é que o crescimento imobiliário na China parece estar a chegar ao fim. Além da tendência de estagnação demográfica e da diminuição dos fluxos migratórios do campo para a cidade, a pandemia expôs as fragilidades relacionadas com a alavancagem das empresas do setor imobiliário. A possível falência da Evergrande não afeta só grandes investidores, como milhares de cidadãos que investiram algumas poupanças em títulos da empresa. Apesar do governo chinês ter tentado refrear os ânimos - o ministro Wang Menghui disse que “as casas são para habitação, e não para especulação” -, a verdade é que há sinais de descontentamento entre os que podem ser afetados por este colapso.

O caso da Evergrande também evidencia a dependência do resto do mundo na evolução da economia chinesa. Nos últimos anos, a China tem sido o principal motor do crescimento económico global – cresceu a taxas bastante superiores aos EUA e aos países da União Europeia e representou 28% do crescimento do PIB mundial entre 2013 e 2018, mais do dobro da percentagem dos EUA. O abrandamento do crescimento chinês coloca, por isso, sérios riscos recessivos para a economia global.

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