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Cadeias de abastecimento e economias estranguladas

As restrições associadas à pandemia Covid-19 têm levado ao congestionamento de produtos em portos e centros de distribuição logística por todo o mundo. A consequência não é apenas a escassez dos produtos, mas o fecho de empresas e negócios ao longo da cadeia de abastecimento.
Porto de Roterdão, Foto de Frans de Wit/Flickr

Enquanto as economias recuperam e se reorganizam face à crise pandémica, os modelos de negócio até então estabelecidos têm sofrido perturbações com impactos reais no dia a dia. Com cadeias de produção de bens globais e descentralizadas entre vários países, a disseminação das variantes da Covid-19 tem impactado a gestão da cadeia de abastecimento desses bens, provocando crises de estrangulamento de produtos por todo o mundo, como é o caso do congestionamento de portos marítimos do Reino Unido ou a escassez de postos de combustível nos Estados Unidos.

Entre os principais entraves na cadeia de abastecimento encontram-se os diferentes controlos de fronteiras entre países, restrições de mobilidade igualmente distintas e a particular crise nos transportes de mercadorias, com encerramento de portos e empresas de serviços de transportação. Face à falta de harmonização das regras do setor dos transportes, portos e entre os grandes centros de abastecimento espalhados por todo o mundo, a cadeia de produção de bens tem entupido os maiores centros logísticos de distribuição, com os bens procurados (quer finais, ou intermédios, como por exemplo as peças utilizadas nos produtos Apple, fabricadas na China e remetidas para os Estados Unidos para a montagem). Por contrapartida imediata, empresas e consumidores têm sentido escassez de produtos em vários setores, cuja intensidade da quebra varia de acordo com as respetivas cadeias de abastecimento e nível de internacionalização. Quanto mais um modelo de negócio depender da cadeia de abastecimento para a realização da sua atividade, mais ela será impactada. Não se estranha, por exemplo, que a cadeia multinacional McDonalds tenha retirado milkshakes de produção no Reino Unido durante o último verão – não pela indisponibilidade de produtos lácteos, mas pelo embargo ou atraso temporário das componentes internacionais que a empresa necessita, conforme o seu modelo de negócio, para a respetiva produção.

Há já alguns meses que esta cadeia de abastecimento apresenta falta de escoamento de bens e atrasos significativos, o que face ao continuado aumento da procura de bens tem resultado numa oferta reduzida. Este desequilíbrio entre a procura e a oferta traduz-se num aumento generalizado dos preços dos bens que de facto já existem em circulação, fenómeno também conhecido como inflação. Se é certo que a procura de certos tipos de bens, como por exemplo material de escritório, aumentou drasticamente durante a pandemia e os padrões gerais de consumo foram igualmente alterados, a intensidade da escassez de produtos em vários setores é muito em parte resultado das restrições na capacidade produtiva.

A situação é altamente assimétrica e invulgar; enquanto grandes portos de Roterdão ou Los Angeles estão entupidos de contentores cujo desembargo se encontra atrasado ou impedido, as prateleiras, lojas ou até postos de combustível ficam vazias. Enquanto a crise de abastecimento se alastra nos países desenvolvidos, os países em desenvolvimento, onde se sediam a grande maioria das fábricas de produção para exportação, sofrem com o encerramento de empresas e aumento do desemprego e níveis de pobreza, agravando a já cerrada desigualdade económica entre o ocidente e o oriente.

Políticos e instituições económicas apontam para a situação do congestionamento de bens como temporárias, fruto das restrições da Covid-19 e do ajuste moroso da indústria no contexto pandémico. Mas as falhas são mais profundas e a pandemia veio, não só perturbar a cadeia de abastecimento, como expor problemas já existentes do modelo de descentralização da produção de bens para países em desenvolvimento, cujos salários mais baixos e regulações laborais menos apertadas permitiram às multinacionais produzir a menores custos e aumentar os respetivos lucros. Várias empresas de manufatura asiáticas já encerraram portas, efeito que foi igualmente sentido na suspensão da produção de veículos em empresas estadunidenses devido à falta de peças. O aumento generalizado dos preços provocado em parte por este estrangulamento afeta particularmente as economias exportadoras. Com o setor da indústria já fragilizado, o aumento dos preços, particularmente do setor energético, tem potenciado ainda mais o fecho de empresas e negócios que se veem impossibilitados de cobrir os crescentes custos de transporte e distribuição de mercadorias.

Mesmo que a capacidade produtiva seja retomada e o equilíbrio económico entre a procura e a oferta seja atingido, a pandemia veio revelar como a cadeia de abastecimento é desigual: embora afete todos os consumidores, é particularmente perversa para os trabalhadores que compõem o processo fragmentado e descentralizado da produção.

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