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Anti-ciganismo, género e meios de comunicação

O que diferencia o anti-ciganismo de outras formas de racismo é o elevado nível de aceitação. Existe uma indulgência geral em relação às atitudes e práticas anti-ciganas, desde o uso da linguagem até à representação estereotipada das mulheres ciganas nos meios de comunicação social. Por Sandra Heredia.
 Sandra Heredia Fernàndez. Foto: Podemos.
Sandra Heredia Fernàndez. Foto: Podemos.

Este artigo, inevitavelmente, não pode começar sem estabelecer um ponto de partida firme: o racismo contra a população cigana; neste caso, prestando especial atenção às mulheres ciganas. Para tal é necessário fazer um percurso pela rejeição sistemática da maioria da sociedade em relação à população cigana ao longo da sua história, devido aos numerosos capítulos e acontecimentos que são constantemente reproduzidos. Desde a sua chegada ao continente europeu tem sido aprovada legislação contra este grupo étnico em inúmeros países e especificamente em Espanha até à Constituição de 1978. Atualmente, como resultado do trabalho e da pressão exercida pelos movimentos sociais pró-Roma a nível internacional, o termo anti-ciganismo foi cunhado como uma forma específica de racismo contra a população cigana, que explicaremos nas secções seguintes a fim de aprofundar esta questão.

Com a intenção de realizar esta breve revisão da questão do racismo, devemos salientar que os primeiros estudos referentes a esta questão, com a criação da categoria de raça, datam do final do século XVIII e do início do século XIX, com base em critérios de pseudociência definidos até esse momento. Mas tendo em conta a história do povo cigano, com a chegada à Península Ibérica no início do século XV (Aguirre, 2006) inicia-se toda uma história cheia de legislação anti-cigana com o objetivo de exterminar o povo cigano, atingindo o seu auge com o Grande Aprisionamento1 de 1749; por isso, podemos falar de um racismo anterior ao século XIX. Quase quatro séculos de perseguição até essa data contra o povo cigano fazem-nos compreender que houve racismo antes, sem que lhe tenha sido atribuída tal categoria.

Para tornar esta distinção mais clara e compreender que o racismo é um termo criado na perspetiva da Europa Ocidental do século XVIII, é necessário estabelecer uma distinção entre racismo e racialismo, o que nos permitirá compreender estes aspetos numa lógica muito mais ampla. De acordo com o Guia de Recursos contra o Ciganismo de Fernández Garcés, Jiménez González e Motos Pérez (2015), resultado de trabalho de cientistas sociais, o racialismo é definido como a sistematização doutrinal da internalização do outro desenvolvido na Europa Ocidental a partir do século XVIII. O racismo é entendido como a ideologia através da qual a alteridade é inferiorizada com base na sua diferença física e cultural. Assim, esta distinção esclarece as discussões que possam ter tido lugar sobre a existência de racismo antes do século XVIII.

Por esta razão, entendemos que o racismo histórico se foi desenvolvendo por diferentes fases como uma ideologia de negação diferencial, diretamente relacionada com os discursos da limpeza/pureza do sangue, ou seja, a construção cultural da branquitude. A criação de uma identidade baseada nas diferenças étnicas foi o terreno fértil para a distinção étnica face ao outro, uma nova ordem do sistema mundo que daria origem a abordagens de superioridade segundo a origem étnica, bem como à veracidade de algumas formas de conhecimento contra outras. Analisando estes prismas a partir da posição adotada neste artigo, verificamos que esta distinção étnica é ainda mais desequilibrada se juntarmos a categoria de raça e género, onde as mulheres estariam na mais profunda alteridade desta categorização (Stolcke, 2000). Com o colonialismo e a escravatura nascem hierarquias de poder alimentadas por aspetos como a cor da pele, a morfologia ou os costumes. Estas categorias foram utilizadas pelas diferentes comunidades científicas europeias para justificar o desprezo e a discriminação racista com base em pressupostos ontológicos, científicos e filosóficos.

Asperg, deportação de Roms e Sinti. Maio de 1940.
Os ciganos, o genocídio esquecido da Segunda Guerra Mundial

O racismo baseia-se na premissa da existência de diferenças raciais através do uso do conceito de raça, o que não tem qualquer fundamento, como é afirmado pela biologia molecular e pela genética populacional (Serradell e Munté, 2010). Esta conceção errada aglutina um conjunto de teorias e comportamentos baseados num duplo dogma: por um lado, que as manifestações culturais e acontecimentos históricos da humanidade dependem da raça e, por outro lado, a existência de uma raça superior e que nomeia as outras raças existentes, ou seja, a humanidade. O racismo conduz diretamente à discriminação e segregação de indivíduos e grupos devido à sua pertença a uma determinada categoria social, étnica, linguística ou religiosa. Este tipo de comportamento manifesta-se indistintamente a nível mundial de acordo com fatores sociais, culturais ou históricos que constroem uma discriminação estrutural manifestada através de práticas segregadoras e violentas contra a vítima ou o seu grupo.

O povo cigano vive no continente europeu há mais de 800 anos. Existem atualmente cerca de 10 a 12 milhões de cidadãs e cidadãos ciganos a viver na Europa (1). Apesar destes factos, diferentes estudos, diagnósticos e relatórios, tais como o apresentado pela FRA (Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia) em Novembro de 2016, “EU-MIDIS II: O inquérito da União Europeia sobre Minorias e Discriminação”, bem como o Relatório Anual de 2016 sobre racismo pela SOS Racismo, mostram que a sociedade europeia ainda mantém uma imagem estereotipada desta comunidade, baseada num discurso etnocêntrico, ou racista, no pior dos casos, em relação a pessoas pertencentes a este grupo étnico e especialmente em relação às suas mulheres (San Román, 1986). Estes estereótipos são construídos sobre a falta generalizada de conhecimento sobre este grupo, dado que não existem espaços ou fontes formais de informação para conhecer melhor a história, a cultura ou a idiossincrasia deste grupo populacional.

A história da população cigana varia desde a perseguição mais direta até à discriminação mais subtil. Alguns artigos referem-se a esta história como O Calvário milenar dos Ciganos (2). Os métodos repressivos foram vários, desde a escravatura ao massacre, passando pela assimilação forçada, a expulsão e o internamento/prisão. Os ciganos eram considerados pouco fiáveis, perigosos, criminosos e indesejáveis. Eram estrangeiros que podiam facilmente ser feitos bodes expiatórios quando as coisas corriam mal e a população local não queria assumir a responsabilidade por isso.

Estamos perante um dos problemas mais preocupantes do novo milénio, devido ao ressurgimento de formas sem precedentes de racismo, xenofobia, discriminação e exclusão, sendo por isso necessárias novas abordagens para analisar estes "velhos novos problemas" (Cisneros, 2001). A visão etnocêntrica da sociedade em geral, somada à ignorância da diversidade cultural da população mundial, é uma fonte da qual emana todo este tipo de atitudes atuais.

A Amnistia Internacional tem denunciado numerosos episódios violentos contra os ciganos em toda a Europa. Sem fazer um relato exaustivo de tais agressões, destacamos os seguintes: Roménia, 1993, ciganos são agredidos face à passividade policial e são mesmo vítimas diretas de maus tratos policiais; Eslováquia, nos anos 90, as mulheres ciganas (muitas delas menores) foram esterilizadas sem o seu consentimento, ou sob coação, por médicos em hospitais públicos; Bulgária, 2002, para além da discriminação institucional de que são vítimas, a segregação escolar das crianças ciganas é alarmante; Hungria, 2003, a discriminação contra os ciganos afeta todas as áreas da vida social e são também vítimas de abuso policial; República Checa, durante 2006, as ações violentas da polícia e de grupos extremistas e a segregação das crianças em idade escolar levaram a repetidas queixas de diferentes organizações.

Dia 8 de abril é o Dia Internacional da Pessoa Cigana
Carta aberta contra a ciganofobia

O fenómeno do ressurgimento do racismo, da xenofobia e da intolerância na Europa mostra as importantes contradições políticas, económicas e sociais que estão a ter lugar no velho continente. A crise económica internacional, a pressão e movimentos demográficos, as mudanças radicais nos países de Leste, o complicado e lento processo de unidade europeia, o medo e insegurança pelo futuro face ao desemprego e à pobreza são, entre outros, alguns elementos que, sem dúvida, são fatores que favorecem o renascimento deste flagelo social em todos os países europeus.

Do mesmo modo, a configuração de um ambiente cultural e psicossocial em grandes sectores da população que vai desde o fanatismo intransigente das ideias à banalização da violência na cultura do lazer, passando pelas manifestações de homofobia ou nacionalismo exacerbado, permite o desenvolvimento de surtos de intolerância que alimentam um amplo conjunto de atitudes e manifestações que desprezam, negam ou convidam a violar a aplicação dos direitos humanos, tornando definitivamente difícil a possibilidade de uma coexistência positiva.

Anti-ciganismo

Tendo feito uma breve panorâmica da história do racismo face à população cigana em toda a Europa, é necessário especificar e explicar o termo que reflete esta situação: a definição do termo anti-ciganismo. Assim, entendemos este termo como o processo pelo qual um sector historicamente marginalizado da população é objeto desta discriminação e exclusão de determinados âmbitos. Por outro lado, o conceito de anti-ciganismo está ligado a novas estratégias e medidas dos organismos públicos para tornar este fenómeno visível e para atuar a partir das instâncias governamentais (a nível supranacional, nacional e local) na chamada luta contra o anti-ciganismo.

O termo anti-ciganismo é um conceito de uso recente, que surgiu na cena pública devido à pressão exercida pelos movimentos sociais ciganos e pró-Roma motivada pela falta de visibilidade do racismo generalizado para com os grupos ciganos, ou a minoria cigana, na Europa. O trabalho e a pressão social exercida por estes movimentos com a intenção de tornar visível este problema levou à criação de diferentes recomendações, planos e estratégias por parte das instituições europeias para combater esta situação.

Apesar de tudo, é uma questão que tem sido pouco tratada nos estudos sobre ciganos e ainda menos nos estudos de género, embora exista, como é sabido, uma grande quantidade de literatura e investigação sobre racismo e intolerância, conceitos-chave nos quais o estudo do anti-ciganismo é teórica e analiticamente enquadrado e que têm servido como ponto de partida para abordar esta questão. A existência de numerosas obras de perspetiva antropológica, etnográfica e histórica tem permitido a existência de material académico de referência para a contextualização da mesma e que tem sido um contributo muito importante para estabelecer o ponto de partida na abordagem deste tema.

Os ciganos

José Manuel Pureza

Apesar deste chamado reconhecimento institucional do anti-ciganismo, a sua natureza e implicações ainda não são compreendidas pela sociedade dominante. É simplesmente classificado como tal a expressão de estereótipos na esfera pública de uma forma explícita ou atos anti-ciganos tipificados diretamente como crimes de ódio. No entanto, o anti-ciganismo cobre um espectro muito mais amplo e ainda mais se centrarmos a nossa atenção nas mulheres ciganas. Existem atitudes, expressões, práticas discriminatórias comuns ou simplesmente a invisibilidade/invisibilização da diversidade cigana, que resultam em formas explícitas de anti-ciganismo, apesar de não serem detetadas nem pelas organizações públicas nem pela sociedade em geral.

Para continuar com a compreensão deste termo, é necessário esclarecer desde o início uma série de aspetos que necessitam de uma ênfase especial. Em primeiro lugar, não entender o anti-ciganismo como "um problema de minorias" (Valdés, 1993), mas perceber que é um fenómeno das sociedades, originado pela perceção social que as maiorias têm sobre a população cigana e a sua consideração para com ela. Como já assinalámos na secção anterior, esta perceção não é casual, existindo diferentes estudos que mostram esta perceção social negativa em relação a este sector da população. Centrando apenas em Espanha, no Barómetro do CIS de 2005 foram introduzidas duas perguntas para medir a perceção social sobre a comunidade cigana: perguntaram qual dos diferentes grupos de pessoas não gostaria de ter como vizinhos, e se as famílias com crianças gostariam de ter raparigas e rapazes ciganos na mesma escola. Esta análise é realizada com o objetivo principal de descobrir até que ponto o povo espanhol aceita ou rejeita a população cigana, medindo o seu nível de tolerância para com ela e tentando descobrir o perfil social do anti-ciganismo em Espanha. A hipótese que orienta esta análise é que pode haver uma correlação negativa entre tolerância e anti-ciganismo, ou seja, quando o primeiro aumenta, o segundo diminui. Ou, por outras palavras, as pessoas que são mais intolerantes em geral serão mais propensas a desenvolver atitudes de anti-ciganismo. Esta hipótese foi claramente identificada uma vez que os resultados obtidos desencadearam todos os sinais de alarme: "Um em cada quatro espanhóis não gostaria que os seus filhos partilhassem uma aula com estudantes ciganos" e "Mais de 40% dos espanhóis dizem que os incomoda muito ou bastante ter ciganos como vizinhos".

Outro aspeto muito importante a ter em conta é que o anti-ciganismo não é o resultado da situação de vulnerabilidade social em que vive uma elevada percentagem da população cigana, sendo muito mais elevado se prestarmos especial atenção às mulheres, nem o resultado da diferença da população cigana, entendida como a subalternidade a que o povo cigano foi relegado. Por outras palavras, entender a integração como um instrumento para combater o anti-ciganismo é um erro retumbante (3), uma vez que esta é a origem do mesmo, esquecendo/apagando completamente as vozes ciganas. Assim, a fim de combater o tratamento discriminatório dado à população cigana em termos de habitação precária, educação deficiente, dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, entre outros, é necessário combater o racismo para com a população cigana, e mais especificamente o que chamaremos de anti-ciganismo de género, como parte integrante das políticas temáticas dirigidas a este sector da população. O que diferencia o anti-ciganismo de outras formas de racismo é o elevado nível de aceitação que existe na maioria da sociedade. Assim, existe uma indulgência geral em relação às atitudes e práticas anti-ciganas, desde o uso da linguagem até à representação estereotipada das mulheres ciganas nos meios de comunicação social, tão comuns que são impercetíveis aos cidadãos, legitimando mesmo os fortes estereótipos que residem na população cigana. O estigma moral em relação a outras formas de racismo está largamente ausente para o anti-ciganismo, que é a norma e não a exceção no discurso público. O anti-ciganismo não está apenas generalizado, mas também profundamente enraizado em atitudes e práticas institucionais.

“Exemplos concretos de discriminação de comunidades ciganas, como o que identificamos no concelho de Ovar, com cenários habitacionais e sociais, indignos e desumanos, continuam teimosamente a não merecer a atenção dos autarcas e dos governos” - Foto de José Carlos Lopes
Contrapor às campanhas anticiganos efetivas estratégias nacionais de integração

Esta breve revisão da abordagem à epistemologia do anti-ciganismo, em termos muito gerais, não foi efetuada numa perspetiva de género, pelo que queremos no presente artigo focar-nos nas mulheres ciganas, um espaço ainda muito pouco explorado e onde infelizmente existem muito poucos testemunhos na primeira pessoa a perdurar até à atualidade (Navarro, 2014). Tal como acontece na sociedade em relação às vozes das mulheres, que têm sido historicamente silenciadas, entre os povos oprimidos, como no caso das mulheres ciganas, os perfis conhecidos são quase inexistentes para além daqueles que estão carregados de preconceitos e estereótipos, como discutiremos nas linhas seguintes.

A história da repressão vivida pelas mulheres está carregada de uma série de componentes que as têm relegado ao longo da história até hoje para a posição de subalternidade em que muitas delas se encontram, com os conhecidos estereótipos de género sofridos pelas mulheres a atingirem o seu expoente máximo quando as variáveis de raça, classe e género são combinadas.

Pelos direitos das mulheres ciganas

A luta pelos direitos das mulheres ciganas tem sido historicamente enquadrada de uma forma geral no movimento associativo cigano sem ter em conta a perspetiva de género. Só nos anos 1990 é que as mulheres ciganas começaram a ganhar visibilidade no tecido associativo com a criação das principais organizações de mulheres que lutam para obter visibilidade e romper com os estereótipos predominantes (Ortega, 2009). Apesar dos enormes esforços realizados por estas mulheres, a teoria feminista clássica não conseguiu abranger as dificuldades enfrentadas pelas mulheres ciganas, que atualmente apenas são abordadas como mulheres em exclusão social, como um sector social homogéneo e sem ter em conta a diversidade dentro deste grupo étnico em si.

A fim de compreender as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, é necessário olhar para as múltiplas discriminações que enfrentam. Inicialmente, a teoria feminista centrou-se apenas na discriminação de género e, portanto, deixou de fora as outras variáveis que afetam as mulheres, o que significa que a dignidade e defesa dos seus direitos não foi tratada de uma forma completa. As múltiplas discriminações que as mulheres podem sofrer são devidas a vários aspetos, como resultado dos estereótipos negativos que lhes são atribuídos, o que amplifica exponencialmente a sua discriminação e rejeição (Martínez-Lirola, 2010). Isto não ocorreu apenas no âmbito da teoria feminista clássica mas também no direito internacional, que aborda a discriminação tendo em conta apenas uma variável (raça, género, diversidade funcional, orientação sexual...), ignorando a possível combinação de várias.

O papel dos meios de comunicação social na transmissão de estereótipos

Nas sociedades atuais, o impacto dos meios de comunicação de massas é a componente que melhor condiciona a opinião pública. As novas tecnologias são ferramentas transformadoras dos processos de ensino e aprendizagem tradicionais, pelo que estes processos criaram ferramentas pedagógicas de grande importância que atuam como atores de socialização. Assim, "o horizonte cognitivo da maioria dos cidadãos é determinado, quase inteiramente, pelo conteúdo dos meios de comunicação" (Paz, 2012: 1018). Os meios de comunicação social, com o modo como tratam o povo cigano, destacando a sua etnia em aspetos relacionados com a delinquência, o folclore e a exclusão e pobreza mais absolutas, constituem os elementos mais poderosos que causam uma maior distância da maioria da população face à população cigana, bem como os principais produtores de estereótipos e falsas crenças sobre este sector populacional. O papel de socialização desempenhado pelos meios audiovisuais é gerador das coordenadas que delimitam e orientam o debate público. Os meios de comunicação social marcam as opiniões relevantes para a sociedade, sendo inclusivamente capazes de lhes dar a conotação negativa ou positiva que causará um impacto distorcendo uma realidade objetiva, enviesando a capacidade de opinião individual, especialmente quando se trata de informar sobre grupos sociais.

Os meios de comunicação social deveriam ser um instrumento fundamental para combater as desigualdades de género e ainda mais para combater os estereótipos que afetam os grupos populacionais mais vulneráveis. No entanto, longe de apoiarem objetivos pedagógicos que permitam ultrapassar estas barreiras da ignorância, os meios de comunicação continuam a perpetuar papéis tradicionais de género que afetam em maior grau a imagem negativa dos grupos minoritários, como é o caso das mulheres ciganas. Os meios de comunicação social centram-se na representação dos corpos das mulheres associando-lhes um valor que as define como indivíduos, e destacam a alteridade em que as mulheres ciganas foram educadas, o que faz com que contribuam para construir as identidades das mulheres ciganas com base no gostar ou não gostar dos corpos delas. Assim, concordamos com Martínez-Lirola (2010: 163) quando afirma que "os meios de comunicação social divulgam representações, configurando-se como um ponto básico na construção de identidades".

Tendo em conta o que foi anteriormente dito, fica totalmente clara a necessidade de mostrar através dos media um maior número de perfis de mulheres que rompam com a dicotomia prevalecente dos estereótipos femininos, bem como a sua presença em espaços de tomada de decisão. Por conseguinte, estamos conscientes de que os meios de comunicação social são geradores de construções sociais impregnadas de subjetividade e orquestradas pelos estereótipos que os profissionais da comunicação social têm, os papéis socialmente aceites que legitimam a produção audiovisual que esses profissionais fazem. Devido aos estereótipos que os condicionam durante o desempenho das suas funções os profissionais da informação, bem como os argumentistas e produtores, podem ajudar a favorecer ou prejudicar a imagem dos protagonistas da informação ou da produção audiovisual, caindo na manipulação da informação e inclusivamente na definição de perfis que não correspondem à diversidade real dentro dos diferentes grupos sociais.

Criança durante um desalojamento no norte de Roma.
Salvini prepara “plano de expulsão” de ciganos

Portanto, podemos afirmar que existe uma relação entre os meios de comunicação social e a sociedade em geral, onde uma das partes gera realidades sociais que são facilmente assimiladas pela outra. É uma realidade que hoje em dia os meios de comunicação social são constituídos por grandes empresas na busca do lucro económico; por isso, a maior difusão dos seus conteúdos aumenta os seus lucros, o que transforma a informação, e os seus protagonistas, em mera mercadoria para troca económica, chegando mesmo, em muitas ocasiões, a roçar os limites da dignidade das pessoas, levando-os ao extremo da morbidez e do sensacionalismo. Tudo isto os leva a afastarem-se da difusão de informação verdadeira e entretenimento de qualidade, criando pelo contrário uma imagem irreal, tendenciosa e em muitos casos longe dos mais elementares cânones sociais e de coexistência. Mas atualmente não é possível fazer uma análise global do papel dos meios de comunicação de massas enquanto geradores de estereótipos sem ter em conta o importante papel desempenhado pela Internet, mais especificamente pelas redes sociais (Facebook e Twitter, entre muitas outras), como um novo fenómeno de comunicação de massas, onde se acumulam opiniões racistas e preconceituosas incontroláveis e escondidas por detrás do anonimato, semeando o ódio e a mais absoluta indefensabilidade sob a proteção da liberdade de expressão. Apesar disso, os meios de comunicação social não são os responsáveis diretos, embora forneçam os espaços para os utilizadores da Internet publicarem os seus comentários sem qualquer tipo de controlo e supervisão. Há autoras e autores, como Campos (2008) e Arriaga (2013), que consideram a Internet como o grande meio de comunicação de massas do século XX, como um mundo anárquico e não estruturado, um universo plural que reflete a sociedade, onde coexistem todas as ideologias, dominantes e marginais, e todas as culturas e nacionalidades. A Internet não é em si mesma um meio de comunicação, mas é um meio através do qual a informação pode ser transmitida a muitos destinatários e estes podem mesmo decidir em que momento a recebem.

É necessário dar especial ênfase à necessidade de os meios de comunicação social adquirirem uma responsabilidade social sobre a informação e o material audiovisual que produzem, que quebre o hábito e frequência com que desenvolvem dinâmicas de invisibilização das culturas periféricas, que nada mais são do que um instrumento do ocidentalismo e etnocentrismo para preservar a hegemonia cultural e social de uma forma que desvaloriza o diferente, reforçando assim a identidade maioritária predominante. O resultado que nasce da soma dos meios de comunicação social, juntamente com certas abordagens políticas, e a falta de produção científica a esse respeito são os pilares que sustentam os estereótipos face a qualquer grupo social.

No que respeita à população cigana e especificamente às mulheres ciganas, os meios de comunicação social transmitem as ideias previamente construídas pela maioria da sociedade e generalizam sobre as características mais negativas dos grupos mais desfavorecidos. Os meios de comunicação tornaram-se uma fonte fundamental para o reforço e extensão dos estereótipos e preconceitos que têm sido transmitidos ao longo dos anos. "Atualmente, falar mal do povo cigano em termos de informação tornou-se uma rotina, algo fácil que sempre foi feito, que não causa problemas, que não necessita ser feito de forma diferente (...) a maior parte das vezes só se fala do povo cigano para confirmar uma visão estereotipada, uma vez que esta se consolidou como a mais digna de notícia e reconhecível" (Oleaque, 2007: 22). Se nos concentrarmos no tratamento da população cigana pelos meios de comunicação social, eles perpetuaram esta imagem distorcida que pode ser composta por três situações extremas:

- Dar uma relevância mediática exagerada aos factos que associam os ciganos à exclusão, marginalização e delinquência, sendo tratados como sujeitos ativos neste quadro.

- Apresentar as situações de extrema exclusão social em que grande percentagem da população cigana se encontra de uma forma caricaturada, ofensiva e prejudicial, carregada de estereótipos negativos, como um terreno fértil para encorajar o racismo anti-cigano.

- Representação de uma imagem folclórica, artística, romântica, cheia de estereótipos, criando aos olhos da maioria uma identidade artística cigana como a única alternativa positiva legitimada, contrária à pobreza e à delinquência. Esta visão tem como causa direta a limitação de interações heterogéneas, de uma coexistência plural e harmoniosa.


Sandra Heredia é uma ativista cigana que trabalha na Federación de Asociaciones de Mujeres Gitanas, Fakali e vereadora do Adelante Sevilla.

Artigo originalmente publicado no Viento Sur. Traduzido por Paulo Antunes Ferreira para o Esquerda.net.


Notas da autora

(1) Dados estimados extraídos de http://ec.europa.eu/justice/discrimination/roma/index_es.htm

(2) Notícias extraídas de http://www.rebelion.org/noticia.php?id=111290

(3) https://sosracismo.eu/wp-content/uploads/2016/05/Informe-2010.pdf

Referências

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Cisneros, Isidro H. (2002) “Génesis de la política absoluta”, Estudios Sociológicos, pp. 625-639.

Fernández Garcés, Helios; Jiménez González, Nicolás y Motos Pérez, Isaac (2015) Guía de recursos contra el antigitanismo. Alicante: FAGA.

Martínez-Lirola, María (2010) “Explorando la invisibilidad de mujeres de diferentes culturas en la sociedad y en los medios de comunicación/Exploring the Invisibility of Women from Different Cultures in Society and in the Mass Media”, Palabra-Clave, 13, 1, pp. 161-173.

Navarro, Laila M.J. (2014) “Brujas, prostitutas, esclavas o peregrinas: Estereotipos femeninos en los relatos de viajeros musulmanes del Medievo”, Miscelánea de Estudios Árabes y Hebraicos. Sección Árabe-Islam, 63, pp. 119-142.

Oleaque, J. M. (2007) “La ciudad de autor”, Lars: cultura y ciudad, 7, 7.

Ortony, Andrew; Clore, Greald L. y Collins, Allan (1990) The cognitive structure of emotions. Cambridge: Cambridge University Press.

Paz, Amanda (2012) “La mediatización intercultural del espacio social en los informativos”, Revista Comunicación, 10, 1, pp. 1017-1031.

San Román, Teresa (1986) Entre la marginación y el racismo: reflexiones sobre la vida de los gitanos. Madrid: Alianza Editorial.

Serradell, Olga, y Munté, Ariadna (2010) “Dialogicidad y poder en el discurso racista y antirracista”, Revista Signos, 43, pp. 334-362.

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Valdés, Ernesto G. (1993) “El problema ético de las minorías étnicas”, Ética y diversidad cultural, 1, p. 31.

Nota do Tradutor:

 1O Grande Aprisionamento (a “Grande Redada”, no original em espanhol), também conhecido como Prisão Geral dos Ciganos, consistiu em duas operações de prisão: uma entre a noite de 30 de Julho de 1749 e o amanhecer do dia seguinte e outra a partir da terceira semana de Agosto (Catalunha e algumas cidades onde a ordem prisional inicial não chegou, especialmente Málaga, Cádis e Almeria). Foi uma disposição autorizada pelo rei Fernando VI e organizada em segredo pelo Marquês de la Ensenada. Estima-se que tenham sido presos entre 9000 e 12000 ciganos. https://es.wikipedia.org/wiki/Gran_Redada

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