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AEC: Respostas sociais à custa de mais precariedade e mão-de-obra barata

Cada vez mais, as AEC são encaradas como simples ocupação de tempos mortos, em que já nem se consideram os seus profissionais como professores, mas apenas como técnicos que tomam conta de crianças. Artigo de José Lopes.
Cada vez mais, as AEC são encaradas como simples ocupação de tempos mortos - Foto de Paulete Matos
Cada vez mais, as AEC são encaradas como simples ocupação de tempos mortos - Foto de Paulete Matos

As portas para legitimar a precariedade e a mão-de-obra barata nos profissionais das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) há muito foram escancaradas pelo Ministério da Educação. O governo nunca assumiu para esta componente, a constituição de grupos de recrutamento específicos, nomeadamente para o 1.º ciclo e o recrutamento dos recursos humanos igual aos restantes grupos na educação, com contratos idênticos, que as dignificassem e valorizassem. Pelo contrário. Cada vez mais, as AEC são encaradas como simples ocupação de tempos mortos, em que já nem se consideram os seus profissionais como professores, mas apenas como técnicos que tomam conta de crianças.

A acentuada exploração, instabilidade profissional e desvalorização profissional vem fazendo desistir potenciais candidatos às AEC. Por outro lado, entidades públicas, como autarquias e escolas, desresponsabilizam-se pela gestão, organização e abertura de concursos de professores para tais atividades e deixam esse papel à mercê de lóbis privados.

Esta tendência torna cada vez menos atrativa para docentes a área das respostas sociais na escola pública, pois assentam em mais precariedade e em mão-de-obra barata.

Recordamos que a designada (pelo Ministério da Educação) “estratégia alargada de articulação entre o funcionamento da escola e a organização de respostas sociais no domínio do apoio à família”, assenta em três vertentes. As Atividades de Animação e de Apoio à Família na Educação Pré-Escolar (AAAF); a Componente de Apoio à Família no 1.º ciclo do Ensino Básico (CAF) e as AEC. Estas com “carácter facultativo e de natureza eminentemente lúdica, formativa e cultural”, incidindo nomeadamente, “nos domínios desportivo, científico e tecnológico, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e da dimensão europeia da educação”.

Trata-se de um enquadramento de tais atividades pouco coerente com a entrega destas áreas à iniciativa privada.

No entanto, através do estatuto de Instituição Particular de Solidariedade Social – IPSS e de utilidade pública, a iniciativa privada domina grande parte deste potencial “mercado”, através de contratos/programa com um significativo número de agrupamentos de escolas no país.

O financiamento é garantido pelo Orçamento de Estado, ainda que as relações laborais tenham por base os contratos precários e os recibos verdes, com remunerações segundo os critérios das tabelas salariais tendencialmente baixas das IPSS. Dessa forma, escapam ao pagamento dos valores mínimos legislados para as remunerações dos professores afetos às AEC, que em horário completo “não pode ser inferior ao do índice 126 da carreira dos educadores e dos professores dos ensinos básico e secundário, quando possuem habilitação igual à licenciatura e ao índice 89 nos restantes casos”. Esta lógica economicista desde sempre esteve presente no desenvolvimento de tais atividades e da sua desresponsabilização por parte do Ministério da Educação e dos municípios.

Agora, com a municipalização a avançar perante o “silêncio” cúmplice de poderes autárquicos opostos à regionalização democrática, vem-se consolidando a descentralização nos diferentes setores, em nome de maior proximidade dos cidadãos.

No capítulo da educação, as AEC foram assumidas já nos primeiros anos letivos do século XX pelo Ministério da Educação como “oferta de atividades de complemento educativo, ocupação de tempos livres e apoio social” e apresentadas no âmbito da descentralização de competências para os municípios, “com o objetivo de obter avanços claros e sustentados na qualidade das aprendizagens dos alunos”.

Nesta linha foi então estabelecido que os municípios poderiam celebrar contratos de trabalho a termo resolutivo, a tempo integral ou parcial, em nome de procedimentos céleres, segundo legislação da época, que supostamente se propunha salvaguardar a “estabilidade laboral dos técnicos a contratar, assegurar o rápido e eficaz desempenho daquelas atividades”.

Assim, na linha das políticas neoliberais, foram sendo escancaradas portas com sucessivos reajustamentos legislativos, para no essencial garantirem neste capítulo o recurso a mão-de-obra barata e precária promovida no seio da própria escola pública.

Após duas décadas de experiências do tipo de gestão e organização das AEC, sempre pouco assumidas pelo Ministério da Educação na sua componente lúdico-pedagógica, a falta de recursos humanos nos agrupamentos de escolas para a realização dos processos de concursos, colocação e substituição de professores vai acabando por pesar na cedência à contratualização de serviços prestados por empresas privadas, libertando-se as escolas de tal tarefa. Para já, apenas no que toca a AEC.

Trata-se mesmo do culminar de um período de “resistência” manifestada por muitos agrupamentos de escolas e seus órgãos de gestão, à tentação de entregar as AEC totalmente à gestão e organização privada, ainda que sujeitas a avaliação das atividades previstas, para manter ou não os respetivos protocolos de parceria com instituições privadas.

Entidades como a “Associação Tempos Brilhantes”, por exemplo, propõem-se trabalhar para as “comunidades alicerçando o tempo da escola a tempo inteiro com as AAAF, AEC e CAF, transformando a sociedade”. Objetivos que esta associação se propõe atingir com o trabalho de profissionais com “competências e talentos diversos, capaz de provocar transformações (…)”. Só que esses profissionais são submetidos  a condições contratuais e salariais ao nível das IPSS, de duvidoso entusiasmo e incentivo para desenvolverem os seus talentos profissionais.

A abordagem deste tema deveria ter merecido a maior atenção em órgãos de gestão, como os conselhos gerais (CG) dos agrupamentos de escolas que entraram neste novo ano letivo, ao entregarem a gestão e organização das referidas atividades a entidades privadas.

É enorme a pressão destas entidades de âmbito nacional e das suas condições concorrenciais, para “implementar projetos educativos e de inovação social”, substituindo-se ao papel fundamental da escola pública. Ora, deveriam valorizar-se as AEC e seus profissionais e não prosseguir na sua acentuada descaraterização, na lógica do lucro e da crescente exploração de profissionais da educação, tantas vezes pagos a menos de 10 euros à hora. E pondo fim à precariedade, em que não é respeitado tempo de serviço, não contribuindo assim para a graduação profissional.

Razões que só poderiam apontar para o voto contra nos conselhos gerais chamados a aprovar tais negócios entre agrupamentos de escolas e empresas/instituições privadas. Com conivência do Estado, estão a assegurar respostas sociais na escola pública à custa de mais precariedade e mão-de-obra barata.

Artigo de José Carlos Lopes, Ovar

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