A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos em 2024 tem levantado muitas preocupações – e a questão da saúde é uma das principais. Os profissionais de saúde temem o impacto de uma segunda presidência de Trump no acesso aos cuidados de saúde e na saúde das populações marginalizadas. Entre os temores estão a liderança das agências governamentais de saúde, o acesso aos seguros, as restrições à saúde reprodutiva e aos cuidados de afirmação de género.
Uma das maiores preocupações é a figura de Robert F. Kennedy Jr. e o papel que desempenhará na política de saúde pública na sua demanda por “Tornar a América Saudável Novamente”. Foi noticiado inicialmente que Kennedy estava a recomendar nomeações para os cargos de secretário de Saúde e Serviços Humanos (SSH) e de comissário para a Alimentação e Medicamentos. Em 14 de novembro, Trump anunciou que Kennedy Jr. será, ele próprio, o secretário do SSH.
Ele é conhecido pelo seu discurso agressivo contra a vacinação e por promover informações falsas a ligar vacinas ao autismo. O futuro secretário tem recomendado que o flúor, um mineral natural que previne a cárie dentária, seja removido do fornecimento de água potável dos Estados Unidos, pois acredita que se trata de uma neurotoxina associada a “artrite, fraturas ósseas, cancro ósseo, perda de QI, distúrbios neurodesenvolvimentais e doenças da tiroide”.
No entanto, além das preocupações com a má liderança, os ativistas da saúde estão preocupados com o modo como as mudanças estruturais propostas podem limitar ainda mais o já desigual sistema de saúde do país.
O que esperar dos seguros de saúde e da dívida médica?
Durante a campanha presidencial de Trump para seu primeiro mandato, ele tinha prometido revogar a Lei de Cuidados Acessíveis (ACA, na sigla em inglês, também conhecida como Obamacare), mas não teve sucesso. Durante a campanha de 2024, o futuro presidente enfatizou que não revogaria, mas tornaria a ACA “muito, muito melhor e com muito menos dinheiro”.
Independentemente da administração, no entanto, os Estados Unidos simultaneamente ocupam a posição de um dos países mais ricos do mundo e de um dos que apresentam os piores indicadores de saúde, em comparação com outros países – particularmente no hemisfério norte. Este não é um fenómeno novo: tem sido uma característica do país por décadas. Virtualmente todos os outros países do Norte Global oferecem cobertura de saúde mais abrangente a um custo mais baixo.
Entre as fraquezas do sistema de saúde dos Estados Unidos estão os altos custos com despesas diretas dos pacientes e a ineficiência devido à sua complexidade única e extrema. Com base no Censo dos Estados Unidos de 2021, 20 milhões de pessoas têm algum tipo de dívida médica, somando mais de 220 mil milhões de dólares. O sistema dos EUA valoriza o lucro mais do que a saúde – verdadeira razão para a inacessibilidade dos cuidados de saúde no país. Ainda assim, o vice-presidente eleito JD Vance prometeu que a administração aumentaria a “competição nos mercados de saúde”, um termo usado para mascarar a sanha por lucro da indústria de saúde.
Justiça reprodutiva e de género
Possivelmente, um dos legados mais duradouros do primeiro mandato de Trump foi a sua influência sobre o Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Os juízes do Supremo Tribunal têm nomeações vitalícias, e Trump nomeou durante o seu primeiro mandato Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett para três dos seus nove lugares. Isto levou a uma maioria conservadora no Tribunal, que gerou muitas consequências – incluindo a revogação de Roe v. Wade em 2022. Esta mudança acabou com a proteção federal ao aborto e causou a sua criminalização em alguns estados.
Durante a primeira presidência de Trump, a sua administração restringiu muitas clínicas que recebiam fundos federais do Título X de fornecer encaminhamentos e informações sobre abortos. Trump afirmou que não usaria legislações como o Comstock Act para proibir o aborto medicamentoso (por exemplo, mifepristona), mas o acesso a tais medicamentos continua vulnerável. Por outro lado, embora a administração Biden tenha afirmado apoiar o direito ao aborto, não tomou medidas substanciais para proteger o acesso (por exemplo, descriminalização, financiamento de abortos em terras/edifícios federais). Todos esses ataques tiveram efeitos devastadores, incluindo um aumento de 7% na mortalidade infantil nos Estados Unidos.
O primeiro mandato de Trump também gerou novos ataques à saúde LGBT+ e aos cuidados de afirmação de género. Na Ordem Executiva 13.798, intitulada “Promovendo a Liberdade de Expressão e a Liberdade Religiosa”, Trump permitiu que os profissionais de saúde negassem atendimento a pessoas LGBT+ com base em “objeções baseadas na consciência”. A administração Biden reverteu algumas dessas políticas, com efeito a partir de março de 2024. No entanto, sob a administração Biden, as leis estaduais têm permitido que esse tipo de cuidado seja atacado de forma agressiva – como visto no Ohio, onde as leis que proíbem o cuidado de afirmação de género para menores foram mantidas.
A saúde dos imigrantes e a saúde global
Em 2023, os imigrantes representavam mais de 14% da população dos Estados Unidos, totalizando mais de 47 milhões de pessoas. Após o fim da política de fechamento das fronteiras de Trump (Título 42), a administração Biden assistiu a um enorme influxo de migrantes a entrar nos Estados Unidos. Recursos, incluindo cuidados de saúde, não foram fornecidos adequadamente pelos governos federal, estadual ou municipal para aqueles que chegavam. Ambas as administrações desencorajaram as pessoas, particularmente aquelas vindo da América Central, de entrar nos Estados Unidos, ignorando o papel direto do país na desestabilização de países do Sul Global e, assim, forçando a migração.
Além disso, no que diz respeito à saúde global, Trump tinha restaurado a Política da Cidade do México, que impede que os fundos dos EUA apoiem organizações que promovem ou fornecem aborto. Trump também retirou os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma decisão revertida pelo governo Biden.
Ambas as administrações foram fervorosas defensoras da guerra e são responsáveis pela morte de centenas de milhares, como exemplificado pelo atual genocídio do povo palestino. Israel tem atacado hospitais e trabalhadores da saúde, e destruiu o sistema de saúde de Gaza. Trump, um defensor de Israel, não se oporia a esses crimes de guerra e provavelmente apoiaria a anexação e o reinado de terror na Cisjordânia também.
Trump parece determinado em usar o seu segundo mandato para causar grandes retrocessos no já desigual sistema de saúde privatizado dos Estados Unidos. Enquanto milhões lutam para aceder aos cuidados e o apoio de que precisam, as políticas de Trump irão aprofundar ainda mais essas desigualdades.
Candice Choo-Kang é coordenadora do projeto Modelando o Estudo de Transição Epidemiológica da Loyola University Chicago.
Publicado originalmente no People's Health Dispatch, um boletim quinzenal publicado pelo People's Dispatch e pelo Movimento pela Saúde dos Povos, com foco na política de saúde e na luta pelo direito à saúde, incluindo ações organizadas pelos trabalhadores do setor.
Traduzido por Gabriela Leite para o Outras Palavras. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.