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Televisão Digital Terrestre, um fracasso português

A mudança do sinal analógico para a Televisão Digital Terrestre foi um processo conduzido pelo então Ministro dos Assuntos Parlamentares de José Sócrates, Augusto Santos Silva. Se a vantagem tecnológica era inegável, preenchendo horas de propaganda do governo, a sua concretização parece ter sido desenhada para falhar.
A deliberação da ANACOM atribuiu à PT Comunicações o direito a utilizar frequências para o serviço de TDT, destinado a: a) transmissão dos canais RTP1, RTP2, SIC e TVI em Portugal continental, e RTP Açores e Madeira nas respetivas regiões autónomas; b) transmissão de um novo canal a licenciar ao abrigo do disposto na Lei da Televisão e; c) transmissão, em alta definição e de modo não simultâneo até ao termo das emissões analógicas, de elementos da programação de todos os serviços de programa e do 5º canal referido na alínea anterior.
Tal como a ERC deixou claro no seu Parecer n.º 2/2012, “a decisão política subjacente à concreta estruturação do modelo preconizado para a introdução da TDT em Portugal não se mostrava especialmente ambiciosa no tocante à oferta gratuita de ‘canais’ televisivos”. Ou seja, o modelo free to air não garantia, ao contrário do que sucedera em Espanha e no Reino Unido (após a constatação do insucesso do modelo a pagamento antes implementado), uma oferta gratuita suficientemente atrativa para estimular a transição para a TDT.
Ao mesmo tempo, após ter vencido o concurso público de 2008 para a operação Pay TV da TDT (que lhe entregou simultaneamente a exploração do sinal bem como a distribuição de serviços de programas de televisão), conseguindo afastar a candidatura da empresa Airplus, a então PT Comunicações viria a desistir, 6 meses mais tarde, de tal operação, alegando entre outros fatores, “a elevada probabilidade de as licenças não poderem ser emitidas num futuro próximo em virtude do contencioso judicial desencadeado pela Airplus, os desenvolvimentos entretanto ocorridos no mercado da televisão por subscrição (no qual começava a ganhar expressão o seu serviço MEO, iniciado em finais de 2008), a crise económica e financeira, a maior possibilidade de desenvolvimento de emissões em HD no Mux A que o cancelamento da licença permitiria”.
Esta desistência foi possível porque a ANACOM aceitou a revogação da licença para exploração das frequências. Desde então, e ao contrário do extraordinário investimento na diversificação de programas nos serviços por cabo, o processo da TDT não conheceu praticamente qualquer desenvolvimento, com exceção da disponibilização em aberto do chamado Canal Parlamento, e da introdução de mais dois canais de serviço público - a RTP Informação e RTP Memória -, por força de iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda, já em 2016. Deste modo, de entre 35 países europeus, Portugal continua com a oferta de TDT mais pobre em número de serviços de programas.
Não se compreende, no atual estágio da evolução tecnológica, o subaproveitamento da capacidade do espetro radioelétrico para disponibilizar conteúdos de comunicação social à generalidade da população, em prejuízo do interesse público na promoção da diversidade e do pluralismo, da inclusão social e da coesão nacional. É dever do Estado não só fomentar o alargamento da oferta da TDT como garantir o acesso de toda a população aos diversos serviços de programas do serviço público de televisão, objetivo apenas alcançável através desta forma de difusão por princípio gratuita e universal.
As falhas do sinal TDT, durante e depois da transição definitiva para o sinal digital, criaram uma situação de descrédito generalizado do serviço, que empurrou sustentadamente um grande número de cidadãos para os serviços de subscrição por cabo.
A escolha de uma rede de frequência única (SFN) para assegurar a componente gratuita da TDT não foi uma opção consentânea com as características geográficas e as condições atmosféricas do país, tendo levado a ANACOM a promover em 2017 a instalação de uma rede nacional de sondas para verificação do sinal na receção e a reconfiguração da rede para um sistema de multifrequências (MFN).
Assim, o concessionário que ficou com a gestão unilateral da distribuição da Televisão Digital Terrestre, conseguiu simultaneamente desincentivar o investimento dos privados em canais acessíveis gratuitamente, bem como desacreditar a TDT junto do utilizador em todo o país, incentivando à contratação de serviços por cabo. Assim, Portugal é hoje um país onde mais de metade da população tem um contrato de serviço por cabo e acede primariamente à televisão através desse serviço. Algo que contrasta com qualquer país europeu, onde a média de penetração dos serviços por cabo ronda os 25% (via EBU).
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