Televisão Digital Terrestre: "Deu-se à raposa o galinheiro"

A Portugal Telecom, através da PT Comunicações, foi a única candidata ao concurso para a licença da TDT. Criou-se assim uma curiosa situação de monopólio, já que a PT, que possui a Meo, não tem qualquer interesse no sucesso da TDT. Milhares de idosos pobres no interior perderam acesso à tv e muitos mais tiveram de pagar para ver os mesmos quatro canais que já viam…

17 de março 2013 - 3:39
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A Portugal Telecom aproveitou o apagão para vender o seu produto debaixo do nariz dos reguladores. Foto PictureWendy/Flickr

“A implantação da TDT tem sido um grande incentivo às TVs pagas”, disse ao esquerda.net o investigador da Universidade do Minho Sérgio Denicoli. A sua tese de doutoramento acerca do processo de introdução da TDT em Portugal trouxe à luz do dia o que muitos desconfiavam: por detrás da entrega à Portugal Telecom da mudança para a TDT está um negócio milionário para a empresa presidida por Zeinal Bava e o fim da televisão para muitos portugueses, obrigados a pagar duas vezes - nos impostos e nos descodificadores ou assinaturas de tv por cabo - para assistirem aos mesmos canais. Numa ação inédita, a PT ameaçou processar o autor, o que na prática foi uma tentativa de censurar um trabalho académico. 

"Aponto que há indícios de captura regulatória, que há indícios de corrupção, e quero que isso seja investigado, porque hoje a população tem um serviço que apresenta muitas falhas”, referiu o investigador que viu a tese recolher a unanimidade do júri da Universidade do Minho. “A TDT em Portugal não existe. A imagem é fraca, as pessoas têm muita dificuldade em ver televisão, quem quiser ver com qualidade tem de pagar para isso”, refere o investigador.

Um negócio da China para a Portugal Telecom

A PT já detinha a principal rede de transmissão de sinal de televisão (analógica) em Portugal, utilizada pela RTP e pela SIC. Perto do prazo final para a entrega das propostas de candidatura à TDT, anunciou um acordo com a Media Capital para gerir também a rede analógica de transmissão do sinal de televisão da TVI, afastando assim a hipótese de a própria Media Capital integrar um consórcio concorrente. O concurso para a TDT veio tornar a radiodifusão televisiva um monopólio, dando à mesma empresa os direitos de utilização de frequências. Foi esse o motivo da decisão da TVI de vender a sua rede de difusão à PT, diante do perigo de ter de desativar toda a sua rede.

Para Camilo Azevedo, da Comissão de Trabalhadores da RTP, “deu-se à raposa o galinheiro, ao entregar-se à PT a licença da TDT e deixando que se mantivesse como operadora na TV Cabo. Agora o que a PT está a fazer é a aproveitar-se da TDT para aumentar a sua quota de mercado no cabo”.

E de facto, nota Sérgio Denicoli, "segundo dados da Anacom, a TV paga em Portugal atinge atualmente 70% da população. Em 2008, esse percentual era de aproximadamente 40%. Portanto, nota-se que, num período recessivo, o mercado de TVs por subscrição cresceu 30%". 

Para o investigador, trata-se de "um número impressionante" em tempos de crise e que também é explicado pela criação das "zonas de sombra", onde o sinal analógico chegava e a TDT deixou de chegar, e onde vivem cerca de um milhão de pessoas. "Isso tem sido um grande incentivo às TVs pagas", sublinha.

TDT portuguesa é a pior da Europa

Em toda a Europa, a passagem para a TDT significou a multiplicação de canais nacionais, regionais e temáticos gratuitos. Por exemplo, em Espanha a TDT emite oito canais de TV pública, 29 canais privados, quatro canais de alta definição, 22 canais de rádio, além de existirem canais regionais e locais. E ainda há três canais de TDT paga. Em Portugal, o prometido quinto canal foi combatido pelas estações privadas de televisão e as duas propostas chumbaram na avaliação da Entidade Reguladora da Comunicação. O Governo não voltou a abrir concurso. 

O lançamento da TDT coloca assim, mais uma vez, Portugal na cauda da Europa, como um dos países que menos canais oferece à sua população. Somando os canais abertos e TDT paga (que não existe para já em Portugal), Portugal e a Irlanda têm a oferta mais pobre. Segue-se a Bélgica, a Áustria, a Eslovénia e a Eslováquia. Os países que mais oferta têm são a Itália (90 canais), a Grã-Bretanha (72), Malta e Lituânia, segundo dados do Observatório Europeu do Audiovisual.

No que se refere à oferta de canais públicos na TDT, Portugal tem dois e passaria a ter um se fossem para a frente os planos de privatização da RTP de Relvas e António Borges. Em comparação, o Reino Unido tem 16 canais públicos, a Alemanha 14, a Itália 13, a Grécia 9, incluindo um canal de filmes, a Dinamarca tem oito, indica o estudo de Sérgio Denicoli.



 

Ler aqui o dossier do esquerda.net "Os escândalos da TDT" 

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