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Televisão Digital Terrestre: "Deu-se à raposa o galinheiro"

A Portugal Telecom, através da PT Comunicações, foi a única candidata ao concurso para a licença da TDT. Criou-se assim uma curiosa situação de monopólio, já que a PT, que possui a Meo, não tem qualquer interesse no sucesso da TDT. Milhares de idosos pobres no interior perderam acesso à tv e muitos mais tiveram de pagar para ver os mesmos quatro canais que já viam…
A Portugal Telecom aproveitou o apagão para vender o seu produto debaixo do nariz dos reguladores. Foto PictureWendy/Flickr

“A implantação da TDT tem sido um grande incentivo às TVs pagas”, disse ao esquerda.net o investigador da Universidade do Minho Sérgio Denicoli. A sua tese de doutoramento acerca do processo de introdução da TDT em Portugal trouxe à luz do dia o que muitos desconfiavam: por detrás da entrega à Portugal Telecom da mudança para a TDT está um negócio milionário para a empresa presidida por Zeinal Bava e o fim da televisão para muitos portugueses, obrigados a pagar duas vezes - nos impostos e nos descodificadores ou assinaturas de tv por cabo - para assistirem aos mesmos canais. Numa ação inédita, a PT ameaçou processar o autor, o que na prática foi uma tentativa de censurar um trabalho académico. 

"Aponto que há indícios de captura regulatória, que há indícios de corrupção, e quero que isso seja investigado, porque hoje a população tem um serviço que apresenta muitas falhas”, referiu o investigador que viu a tese recolher a unanimidade do júri da Universidade do Minho. “A TDT em Portugal não existe. A imagem é fraca, as pessoas têm muita dificuldade em ver televisão, quem quiser ver com qualidade tem de pagar para isso”, refere o investigador.

Um negócio da China para a Portugal Telecom

A PT já detinha a principal rede de transmissão de sinal de televisão (analógica) em Portugal, utilizada pela RTP e pela SIC. Perto do prazo final para a entrega das propostas de candidatura à TDT, anunciou um acordo com a Media Capital para gerir também a rede analógica de transmissão do sinal de televisão da TVI, afastando assim a hipótese de a própria Media Capital integrar um consórcio concorrente. O concurso para a TDT veio tornar a radiodifusão televisiva um monopólio, dando à mesma empresa os direitos de utilização de frequências. Foi esse o motivo da decisão da TVI de vender a sua rede de difusão à PT, diante do perigo de ter de desativar toda a sua rede.

Para Camilo Azevedo, da Comissão de Trabalhadores da RTP, “deu-se à raposa o galinheiro, ao entregar-se à PT a licença da TDT e deixando que se mantivesse como operadora na TV Cabo. Agora o que a PT está a fazer é a aproveitar-se da TDT para aumentar a sua quota de mercado no cabo”.

E de facto, nota Sérgio Denicoli, "segundo dados da Anacom, a TV paga em Portugal atinge atualmente 70% da população. Em 2008, esse percentual era de aproximadamente 40%. Portanto, nota-se que, num período recessivo, o mercado de TVs por subscrição cresceu 30%". 

Para o investigador, trata-se de "um número impressionante" em tempos de crise e que também é explicado pela criação das "zonas de sombra", onde o sinal analógico chegava e a TDT deixou de chegar, e onde vivem cerca de um milhão de pessoas. "Isso tem sido um grande incentivo às TVs pagas", sublinha.

TDT portuguesa é a pior da Europa

Em toda a Europa, a passagem para a TDT significou a multiplicação de canais nacionais, regionais e temáticos gratuitos. Por exemplo, em Espanha a TDT emite oito canais de TV pública, 29 canais privados, quatro canais de alta definição, 22 canais de rádio, além de existirem canais regionais e locais. E ainda há três canais de TDT paga. Em Portugal, o prometido quinto canal foi combatido pelas estações privadas de televisão e as duas propostas chumbaram na avaliação da Entidade Reguladora da Comunicação. O Governo não voltou a abrir concurso. 

O lançamento da TDT coloca assim, mais uma vez, Portugal na cauda da Europa, como um dos países que menos canais oferece à sua população. Somando os canais abertos e TDT paga (que não existe para já em Portugal), Portugal e a Irlanda têm a oferta mais pobre. Segue-se a Bélgica, a Áustria, a Eslovénia e a Eslováquia. Os países que mais oferta têm são a Itália (90 canais), a Grã-Bretanha (72), Malta e Lituânia, segundo dados do Observatório Europeu do Audiovisual.

No que se refere à oferta de canais públicos na TDT, Portugal tem dois e passaria a ter um se fossem para a frente os planos de privatização da RTP de Relvas e António Borges. Em comparação, o Reino Unido tem 16 canais públicos, a Alemanha 14, a Itália 13, a Grécia 9, incluindo um canal de filmes, a Dinamarca tem oito, indica o estudo de Sérgio Denicoli.


 

Ler aqui o dossier do esquerda.net "Os escândalos da TDT" 

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Neste dossier:

Dez escândalos pagos pelos contribuintes

A promiscuidade entre a política e os negócios tem sido uma constante na vida do país nas últimas décadas. O esquerda.net selecionou dez casos que escandalizaram o país, beneficiando gente poderosa e próxima do círculo do poder às custas dos contribuintes. Dossier organizado por Luís Branco. 

BPN: o assalto laranja ao país

O banco fundado e afundado por ex-governantes do PSD serviu de plataforma para branquear capitais e distribuir dinheiro pelo círculo próximo do partido. A fatura está a ser paga pelos contribuintes e pode chegar aos 7 mil milhões. As investigações e processos arrastam-se na justiça e o BPN acabou entregue ao capital angolano a preço de saldo.

Offshores do BCP: Banqueiros multados por manipulação de mercado

No início de 2013, um tribunal condenou nove ex-administradores do BCP a multas num total de mais de quatro milhões de euros, confirmando a condenação prévia do regulador da bolsa. Entre 1999 e 2007, o banco falseou as contas e escondeu a atividade de dezenas de offshores controladas por testas-de-ferro e usadas para comprar ações próprias. O buraco ronda os 600 milhões de euros e o banco é hoje um dos maiores destinatários do empréstimo da troika a Portugal, ao ficar com 3 mil milhões da linha de apoio à banca.

Fuga ao fisco e branqueamento de capitais: da "Operação Furacão" ao "Monte Branco"

A história de uma das maiores operações de fraude fiscal organizada pela banca e apanhada pela justiça arrisca-se a chegar ao fim sem que ninguém seja acusado. Na "Operação Furacão" desencadeada em 2005, os crimes fiscais ou prescrevem ou são perdoados em troca do pagamento do imposto em falta. Muitos voltaram a ser apanhados noutro esquema de branqueamento de capitais. A maioria aproveitou a amnistia oferecida pelo Governo para repatriar as fortunas e escapar às acusações, voltando a transferi-la em seguida para fora do país.

Quem ganha com as Parcerias Público Privadas?

O relatório preliminar da Auditoria Cidadã à Dívida Pública permite-nos conhecer melhor a gigantesca operação de transferência de capitais para os maiores grupos privados da finança e construção. Selecionámos alguns excertos do relatório que dizem respeito às PPP para este dossier.

Privatização da água seca os cofres das autarquias e aumenta a fatura

Os contratos de concessão de água a privados em Barcelos, Paços de Ferreira e Marco de Canavezes mostram as consequências terríveis da privatização do setor: os consumidores pagam mais e os privados lucram com a água que é de todos. E até recebem pela água que não sai da torneira: se o consumo baixar, o contribuinte paga a diferença.

BPP: Lucros para acionistas, buraco para os contribuintes

O Banco Privado Português foi arruinado pela má gestão dos administradores, que transferiam as perdas dos seus investimentos para as carteiras dos clientes. Um ano antes de falir, o banco pagou milhões em dividendos a acionistas como Balsemão, Saviotti e o próprio João Rendeiro, agora acusado em tribunal.  

Privatização do Totta: o jackpot de Champalimaud

A privatização do banco Totta & Açores em 1989 deu origem a uma grande polémica sobre a passagem da banca nacional para mãos espanholas. Champallimaud, recém-indemnizado pelo Estado, ficou com o banco apelando à proteção dos empresários nacionais, antes de o vender ao Santander. E quem mexeu os cordelinhos deste negócio do lado do Estado aparece depois do lado do banqueiro.

Portucale, submarinos e financiamento partidário

A primeira passagem de Paulo Portas pelo Governo ficou marcada pelas suspeitas de pagamento de luvas em negócios onde o Grupo Espírito Santo marcava presença, quer como parte interessada, quer como intermediário. Os escândalos ficaram impunes e há um milhão de euros depositado na conta do CDS no BES cuja proveniência continua em segredo.

Administração laranja acusada de fraude nos CTT

A história do prédio do CTT que em 2003 foi vendido duas vezes no mesmo dia, denunciada por Marinho Pinto, deu origem a uma investigação à gestão de Horta e Costa, nomeada pelo Governo Durão/Portas. O inquérito ficou três anos na gaveta e só agora onze pessoas sentam-se no banco dos réus, acusadas de  corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, administração danosa, falsificação de documentos ou participação económica em negócio. O rasto da corrupção nos CTT também passou pelo BPN e abriu um buraco de 13,5 milhões nas contas da empresa pública.

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