Subcontratar para precarizar, não foi a Altice que inventou

O processo em curso na Altice revela uma estratégia que tem sido sistematicamente seguida nas últimas décadas, em particular nas grandes empresas: substituição de trabalho com direitos por trabalho precário e com baixos salários, com recurso ao falso outsourcing.

20 de julho 2021 - 21:00
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Altice - Foto CGTP
Altice - Foto CGTP

Ao mesmo tempo que avança com o despedimento coletivo de mais de duzentos trabalhadores e trabalhadoras, a administração da Altice recorre à subcontratação para assegurar essas mesmas funções. O que até aqui era realizado no âmbito da empresa, passa para a prestação de um suposto serviço, assegurada por uma empresa supostamente externa. Não há verdadeira extinção de postos trabalho, mas uma manobra de evidente fraude à lei, que conta com a passividade das autoridades e do Governo. Algo de novo? Longe disso. O processo em curso na Altice revela uma estratégia que tem sido sistematicamente seguida nas últimas décadas, em particular nas grandes empresas: substituição de trabalho com direitos por trabalho precário e com baixos salários, com recurso ao falso outsourcing.

O grupo Altice contrata precários enquanto despede efetivos

o grupo Altice contrata precários enquanto despede efetivos. As funções mantêm-se, mas são agora asseguradas por trabalhadores com contratos a prazo, sem acesso ao acordo de empresa ou a instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho

Com o despedimento coletivo que a Altice pretende consumar, na sequência de uma redução drástica de trabalhadores ao longo dos últimos meses, a multinacional francesa "externaliza" mais uma parte da sua atividade para uma outra empresa do grupo, a Intelcia. Ou seja, o grupo Altice contrata precários enquanto despede efetivos. As funções mantêm-se, mas são agora asseguradas por trabalhadores com contratos a prazo, sem acesso ao acordo de empresa ou a instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. Numa cruel evidência deste esquema de falso outsourcing, foram os trabalhadores que a Altice pretende despedir que deram formação aos precários que vão realizar as suas funções, agora através da Intelcia.

Sendo exemplar, a operação em curso na Altice é apenas mais um episódio neste recurso crescente ao falso outsourcing como estratégia de precarização.

O caso da redução de pessoal na banca

É também essa a situação que se vive, neste preciso momento, nos processos de redução de pessoal na banca. No Santander, recorrendo à pressão e ao assédio, a administração está aplicar um plano para a redução de mais de 1.400 trabalhadores, maioritariamente com vários anos de experiência de trabalho nos balcões. Conforme é denunciado pela Comissão de Trabalhadores, estão simultaneamente a ser contratos trabalhadores por outra empresa do grupo, com vínculos precários e com salário de €700. A estratégia passa por abrir "novos" balcões sob nome 'Santander - Intermediário de Crédito Vinculado', formalmente geridos por uma prestadora de serviços.

Também no BCP, que pretende mandar embora cerca de um milhar de funcionários, a respetiva Comissão de Trabalhadores denuncia que se trata da substituição por precários através da externalização.

Milhares de precários despedidos na primeira fase da pandemia

A pandemia revelou a escala e os efeitos da generalização da subcontratação, com milhares de precários atirados para o desemprego logo na primeira fase da crise sanitária. Em setores de atividade com grande intensidade de mão de obra, das indústrias aos call centers, a externalização funcionou como uma arma de desresponsabilização das grandes empresas. Em multinacionais como a IKEA, a Faurecia ou a Delphi, ou no caso emblemático da Galp, verificaram-se, logo nas primeiras semanas da pandemia, despedimentos de centenas de trabalhadores em regime de outsourcing, que cumpriam funções essenciais para a atividade destas empresas e a quem a intermediação retirou direitos e proteção.

Gueto laboral promovido pelo Estado

Também o Estado tem alargado o recurso à externalização em várias áreas, que não foi, no essencial, corrigido no recente programa de regularização de vínculos precários na Administração Pública. Em funções essenciais como as limpezas ou a vigilância, imprescindíveis e permanentes em todos os organismos públicos, a entrega a empresas privadas criou mesmo um gueto laboral promovido pelo Estado. Mesmo em áreas tão essenciais como os serviços hospitalares, o Estado insiste no recurso à intermediação e coloca em causa direitos laborais. Ou ainda, por exemplo, na área da cultura, já fortemente marcada pela precariedade, um relatório recente apresentado pelo Bloco denuncia o verdadeiro polvo falso outsourcing nas instituições públicas.

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