O Serviço Nacional de Saúde (SNS) não foge à opressão histórica, política e capitalista a que estão submetidas as mulheres, sendo marcadamente machista e cissexista. Transversalmente a todo o corpo do SNS, partindo do planeamento e organizações dos serviços, prática clínica e os profissionais.
A saúde da mulher necessita de ser revisitada nos seus propósitos de forma a que consiga dar resposta à mulher no seu todo: corpo, saúde, contraceção e maternidade, estimulando e refletindo sobre as pressões que a cultura de género exerce sobre a mulher. Perceber que tudo isto tem impacto no autoconhecimento e na saúde física e mental da mulher constitui o expoente da reivindicação de melhores condições de vida para todas.
Em educação sexual e reprodutiva, no que confere às consultas de planeamento familiar, a parte educativa das mesmas transmite informação essencialmente sobre contraceção e infeções sexualmente transmissíveis. Não contempla temas referentes à sexualidade, questões de género, realidade e necessidades especificas que as pessoas têm, sendo muitas vezes ignoradas.
Em muitas destas consultas, aquando da abordagem da jovem mulher com dismenorreias (dores menstruais) ou na presença de um diagnóstico de acne, a pilula anticoncecional assemelha-se a um milagre na solução de ambas as questões. A imposição da pilula é uma velha constante, com diversas contraindicações e efeitos secundários, sendo que o seu uso numa vertente como esta é um choque hormonal para a mulher e, aquilo a que estas passam a chamar de período, é uma hemorragia de privação do período da pausa da pilula.
Da menarca à menstruação, da sexualidade à gestação e parto e, por fim, da contraceção ao aborto, tudo isto nos faz vislumbrar as mudanças do corpo na mulher. Falar de doenças que se refletem nas mulheres, de medos e tabus e da vergonha de ir a consultas de ginecologia, leva-nos a concluir pela necessidade de educação de conhecimento do nosso próprio corpo.
Os profissionais têm diversos preconceitos que se refletem nas consultas de ginecologia. Um discurso heteronormativo faz com que muitas mulheres, e especificamente mulheres que têm sexo com outras mulheres (MSM) não consigam expor as suas necessidades, dúvidas e questões. A falta de investimento na área dos métodos contracetivos para MSM espelha-se como um bom exemplo.
A integralidade na prestação de cuidados tem de reforçar a participação ativa da mulher, sendo que a liberdade sexual é um elemento da autonomia feminina, sendo necessário perspetivar as mulheres enquanto sujeito físico e social.
Profissionais capacitados de empoderar as mulheres e partilhar conhecimentos leva a que a prática clínica seja também ela uma força motriz na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos de todos.
Muitos avanços no âmbito dos diretos das mulheres necessitam de ser apropriados nos serviços públicos, sendo que os criadores de políticas públicas devem ter em atenção a toxicidade de um SNS com estereótipos refletidos de uma sociedade, quando isso implica a afeção na saúde das mulheres.
Joana Correia Pires, enfermeira em âmbito comunitário na área das dependências, mestranda em Saúde Pública