De acordo com a definição da ONU, as pessoas intersexo têm "características físicas ou biológicas, tais como anatomia sexual, genitália, funcionamento hormonal ou padrão cromossómico, que não correspondem às definições clássicas de masculinidade e feminilidade. Estas características podem manifestar-se à nascença ou mais tarde na vida, frequentemente na puberdade".
Os traços intersexos, sejam eles dos orgãos genitais internos ou externos, ou características secundárias como os seios ou a pilosidade, são os considerados demasiado atípicos pelas normas médicas. Tratam-se de considerações muito sociais, por exemplo, quando é que os pêlos faciais de uma mulher são considerados hirsutismo e, portanto, uma doença? Isso depende muito das sociedades.
Hoje, e desde os anos 60, os médicos tentam "corrigir" os corpos intersexuais o mais cedo possível, com cirurgias e tratamentos hormonais. Assim que existe uma variação, tentam apagá-la, se possível desde o nascimento, apesar das consequências dramáticas para a saúde física, psicológica e sexual das pessoas, quer em termos de traumatismos, efeitos secundários, complicações ou infecções frequentes.
É também uma ilusão porque as variações tornam-se sempre visíveis novamente na puberdade, e não algo que um simples "acto médico inofensivo nos primeiros meses de vida", como os médicos gostam de o apresentar, irá realmente suprimir. Também não se trata de cuidados, porque estas variações não apresentam quaisquer riscos para a saúde, com exceções muito raras, como situações em que a urina ou a menstruação devem ser permitidas. Na maioria das vezes são operações meramente normalizadoras e tratamentos hormonais segundo critérios heteropatriarcais: qual é a urgência de criar uma vagina para uma criança com menos de 2 anos de idade?
Outra especificidade da repressão social das pessoas intersexo é que estes actos nunca foram exigidos pela própria comunidade intersexo e são cometidos em massa sobre menores; trata-se de uma decisão unilateral da profissão médica, enquanto estudos anteriores demonstraram que as pessoas intersexo sem acompanhamento médico não são mais infelizes do que as outras.
Diz-se frequentemente que as características intersexuais são apenas casos-limite, anomalias que não põem em causa a binaridade fundamental dos sexos, e que a percentagem é de 1 por 1000 nascimentos. Os números da ONU dão 1,7% dos nascimentos, mas a realidade é muito provavelmente mais elevada. Em qualquer caso, por um lado, pertencer a um grupo minoritário não retira uma pessoa do âmbito do direito comum, incluindo o direito à integridade física e sexual; por outro lado, é o próprio princípio do contra-exemplo que aqui é apagado com um bisturi e injecções.
Os médicos estão na linha da frente na defesa de um mito patriarcal da binariedade dos sexos, que é fundamentalmente utilizado para determinar que categoria da população (homens) pode oprimir e explorar a outra (mulheres). Os corpos intersexo são campos de batalha.
Loé Petit - Projeto de consciencialização sobre as questões Intersexo. Tradução para português por Catarina Fernandes.