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RJIES: tirar o esqueleto do armário
Em 2007, a aprovação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) foi apresentada pelo Partido Socialista como “uma vitória de todos os que ambicionam um ensino superior mais moderno, aberto ao mundo e mais sensível à realidade social, económica e cultural do País”, falando inclusive de uma derrota “dos pensamentos e práticas conservadoras e retrógradas”[1]. Passados treze anos é fácil constatar que o RJIES, como muitos avisaram na altura, revelou-se o pilar central de um processo de abertura do ensino superior público aos privados.
Por um modelo de participação democrática na gestão das instituições
As alterações introduzidas pelo RJIES ao modelo de gestão das instituições resultaram num esvaziamento no que de democrático existia no anterior modelo. A transformação do processo de eleição dos reitores é paradigmática: anteriormente eleitos através de sufrágio direto por uma Assembleia da Faculdade, órgão bastante abrangente onde tinham lugar funcionários, estudantes e docentes, o reitor passou a ser eleito pelo Conselho Geral, órgão onde a presença de elementos externos às faculdades por vezes suplanta o número de estudantes e de pessoal não-docente presente. A centralização de competências no Conselho Geral e o afastamento de estudantes e pessoal não-docente da gestão das instituições obedece a um princípio bastante claro: o papel dos estudantes é estudar e não opinar ou ter um papel ativo na gestão das suas instituições.
A revisão do RJIES e do seu modelo de gestão profundamente desadequado e antidemocrático é uma urgência identificada por estudantes, docentes e funcionários das instituições. Só assim poderemos assegurar a democraticidade no processo de eleição dos reitores, que o pessoal não-docente volta a figurar nos órgãos de gestão das instituições, que o líder de uma qualquer multinacional não tem mais peso nas decisões estratégicas de uma faculdade que os estudantes que a compõem recuperando, para isso, o princípio da paridade entre estudantes e professores na composição destes órgãos. Enfim, colocar um travão na lógica de mercantilização do ensino acelerada pela entrada em vigor do RJIES.
Embrulhado num aparente “manto” modernizante, o RJIES previa e incentivava a passagem das instituições de ensino superior público a fundações de direito privado. As instituições que adotaram o regime fundacional passaram a reger-se pelo direito privado em várias áreas, nomeadamente, na gestão financeira, patrimonial e do pessoal. A passagem a este regime revelou-se sinónimo de precarização das relações laborais de docentes, não-docentes e investigadores, uma vez que as instituições passaram a poder contratar e criar carreiras próprias com base no direito privado.
Assegurar a estabilidade e a autonomia da investigação científica são condições essenciais para uma academia que se quer transformadora. Assente num ideal de desresponsabilização do Estado, o regime fundacional prevê que sejam as próprias universidades a garantir parte considerável do seu financiamento, comprometendo o princípio da autonomia das instituições, colocando-a dependente de poderes e interesses externos, e escancarando a porta ao setor privado, convidado a fazer do ensino público mais uma área de negócio.
Alterar o RJIES e romper com a Universidade-Fundação
Por tudo isto, a revisão do RJIES e a rutura com o regime fundacional são condições necessárias para a reforma democrática que urge levar a cabo no ensino superior público. Sempre que foi necessário o Partido Socialista juntou-se à direita para impedir a revisão de um regime jurídico que, treze anos passados, se revelou profundamente nocivo para o ensino superior.
É nossa tarefa resgatar um modelo de governo democrático do ensino superior público, bem como, através do financiamento público garantir a sua autonomia. Assegurar que este cumpre o seu papel transformador essencial no combate à exclusão social, na luta por uma sociedade mais democrática, justa e equitativa.
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