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Por uma gestão democrática do ensino superior
Se examinarmos honestamente as estruturas e relações de poder que nos rodeiam no mundo académico e nos perguntarmos: “isto poderia ser mais democrático e transparente?”, a nossa resposta será “sim”. A conclusão lógica deve ser, portanto, a de transformar essa realidade. Face à ausência de participação e aparente interesse dos estudantes na gestão das suas universidades e politécnicos, muitos acharão estranho que falemos na necessidade de as democratizar. “Qual a razão de delegar poderes a quem não os quer?” pensarão alguns. Afinal, não são estes os mesmos alunos que produzem taxas tão elevadas de abstenção nas eleições para os órgãos das suas universidades e politécnicos? Esta análise ignora, a nosso ver, a razão pela qual nos encontramos nesta situação. É precisamente a ausência de democracia e poder real nas mãos dos estudantes, que o sabem concentrado num sistema piramidal e em interesses alheios ao serviço público, que os tem afastado da participação.
A organização atual das Instituições de Ensino Superior faz a maioria dos alunos sentirem-se nada mais do que clientes nos seus locais de ensino e isto não pode ser assim. Como estudantes somos os mais afetados pelas decisões dos órgãos de poder da academia e, como tal, temos que nos sentir verdadeiramente representados e parte do processo de tomada de decisões. Atualmente, confrontados com a organização hierárquica vigente no Ensino Superior, é importante refletir sobre a necessidade da existência dos órgãos principais delineados no Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), criado em 2007 por um governo do PS: a Reitoria, o Conselho Geral e o Conselho de Gestão. A sua existência, enquanto instrumentos hierárquicos, centralizados e burocráticos é essencial? Resiste ao escrutínio da comunidade académica relativamente à sua organização nestes termos? Se a resposta for não, se existirem alternativas democráticas e verdadeiramente livres então não resta outra alternativa senão a abolição destes mesmos moldes, do RJIES que os criou e da cultura que os sustenta.
A implementação do RJIES surgiu como um duro golpe contra a democracia na academia. A voz estudantil viu-se reduzida de uma posição de paridade com os docentes, vigente desde 1988, a uma participação de 15% nos Conselhos Gerais; foi ignorada vezes sem conta e esvaziada de qualquer peso nas tomadas de decisão relativas ao seu bem estar e aos seus direitos na academia. Por outro lado, as “personalidades externas de reconhecido mérito”, anteriormente inexistentes neste órgão, perfazem agora 30% destes mesmos Conselhos Gerais e, na sua esmagadora maioria, não passam de representantes do grande capital, desejosos de interferir no funcionamento universitário para avançar os seus interesses de exploração laboral.
Por exemplo, no Conselho Geral da UP temos Rui Amorim de Sousa, CEO do grupo Cerealis. A presença desta grande burguesia num órgão universitário garante a defesa dos seus interesses, antagónicos aos dos estudantes, como a manutenção de estágios não remunerados no tecido empresarial. Na Universidade do Minho, encontramos no seu Conselho Geral Luís Valente de Oliveira, destacado ex-militante do PSD, ex-ministro de Cavaco Silva e de Durão Barroso e membro do Conselho de Administração da Mota-Engil. Dizer que os interesses estudantis são a menor das suas preocupações seria, no mínimo, um eufemismo.
Confrontado com este sequestro das universidades pelos interesses privados, como deve o Bloco reagir? A nosso ver, a abolição RJIES atual é a única solução para devolver qualquer tipo de democracia à Academia. O foco nesta questão devia, assim, acompanhar a presente luta pelo direito à habitação, pelo combate anti-praxe e pela luta pelo fim das propinas, propinas essas que, aliás, são estipuladas pelos mesmos órgãos que procuramos democratizar. Com estes órgãos a responder verdadeiramente perante os estudantes, de uma forma que não o fazem agora, abrir-se-ia uma nova frente nesta luta. No entanto, e esta questão é igualmente fundamental: Qual deveria ser o modelo alternativo proposto pelo Bloco para substituir o RJIES?
Em primeiro lugar, é importante estabelecer pontos essenciais que, a nosso ver, deverão orientar esta alternativa, nomeadamente: democracia plena nos órgãos de gestão da academia e uma desburocratização massiva do modo de gestão atual.
Com estes princípios em mente, é possível começar a delinear uma política coesa nas universidades e politécnicos portugueses. O fim da presença de “personalidades externas” nos Conselhos Gerais deve ser acompanhado por uma repartição igualitária dos lugares neste órgão entre docentes e investigadores, estudantes e pessoal não-docente (à semelhança do que acontecia antes da implementação do RJIES). Só assim, em democracia plena no principal órgão da academia é possível partir para a eleição dos restantes representantes. O cargo de reitor, facilmente permeável à pressão de interesses externos, se não for fiscalizado democraticamente, deve ser portanto eleito por toda comunidade académica, com total transparência democrática das candidaturas apresentadas e espaço para um intenso debate de ideias que poderá orientar a escolha livre de todos os membros da comunidade. As candidaturas devem já indicar quem ocuparia o Conselho de Gestão, dado que é o Reitor que nomeia os titulares deste órgão.
É importante frisar que a universidade adquire uma importância extrema devido à formação laboral, social e humana que transmite aos seus estudantes. Ao apostar na democratização da academia estaremos, na realidade, a apostar numa futura democratização do trabalho e das várias esferas da nova vida coletiva, essencial para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Ao encorajarmos a pluralidade e a democracia interna estaremos a abalar as estruturas antidemocráticas, conservadoras e elitistas que observamos na sociedade em que vivemos. Tudo isto tem a sua génese no Ensino Superior, é aqui que definiremos os valores de uma geração. Que estes sejam valores democráticos e igualitários deve ser a luta do Bloco.
Assim, resta apelar ao esforço do associativismo dos setores progressistas dentro da academia, empenhado na defesa da comunidade académica. Esse esforço, juntamente com aquilo que é o papel do Bloco ao nível parlamentar, podem significar uma conjunção de fatores favoráveis a uma alteração mais profunda. Sabemos que o Parlamento alterará o RJIES se existir pressão social para isso. O nosso dever, nesta tarefa, é fazer da Assembleia da República a tribuna das reivindicações do movimento estudantil, para exprimir a sua vontade. É neste espírito que o Bloco se afirma, e é neste espírito que a luta terá de ser feita!
Uma academia diferente é possível!
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