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Humanizar e Artestizar
Pensar o ensino e a investigação académica é pensar o que queremos para o futuro das nossas sociedades, ou se queremos um futuro para as nossas sociedades. Afinal este depende das pessoas, e as pessoas dependem daquilo que conhecem, pois é o saber que possuem que condiciona as escolhas que podem tomar (e efectivamente tomam) individual ou colectivamente, nas mais variadas questões como a educação, a economia ou a saúde. É principalmente no ensino superior e na investigação académica onde, por excelência, além de se reproduzir o conhecimento adquirido se faz a criação de novos saberes, consequentemente, é no ensino superior e na investigação que se escolhe os saberes de amanhã. Segue-se que muitas das escolhas que faremos amanhã estão condicionadas pelo que escolhemos aprender e investigar hoje. Daqui a importância de uma robusta e abrangente aposta na educação e investigação.
Mas num cenário triste na generalidade do ensino superior e investigação académica creio podermos afirmar haver áreas que estão particularmente mal servidas, entre elas as humanidades e as artes. Entenda-se, disciplinas como filosofia, historia, musica, pintura, línguas e literaturas, código artístico, dança, antropologia, design ou arqueologia entre tantas mais. Ou seja, consideramos que no mundo de amanhã estes saberes pouco importam e as escolhas que estes nos poderiam permitir são de pouca monta.
A mensagem política é clara, não precisamos de questionar a sociedade, pensar em ética ou no bem comum. Nem precisamos de saber de onde viemos ou como somos, pois o passado apenas demonstra que são as pessoas que criam linhas nos mapas e não as linhas no mapas que criam pessoas. Nem de compreender o outro ou sequer comunicar com o outro, cifrões dizem-nos todo o que necessitamos saber sobre o outro. Para quê a arte se não servir para inundar o espaço público com publicidade ou normaliza-lo. Ou submetermos a nossa privacidade e formas de comunicação e pesquisa à tecnologia centralizada e privada de uma forma que faria corar de inépcia a nova linguagem orweliana. Finalmente, não é necessário pensar a verdade ou nos factos, as bases de dados bastam para invadir a mente com todo o tipo de falsidades e eleger o nosso capitalista ou fascista preferido.
Mas pelo contrario creio que, pelo menos em parte, o papel sócio-cultural das humanidades e artes é pensarmos nisto tudo.
É preciso debater o bem para a economia ser uma ferramenta orientada para o mesmo. Filosofar sobre a verdade para combater o obscurantismo que se avizinha. Deixar a arte e cultura fluir para podermos realmente compreender e relacionarmo-nos com o outro, afinal tão semelhante a nós. Para perceber que do outro lado apenas existem pessoas como nós separadas por acidentes históricos e não por um nacionalismo essencialista e bacoco. Precisamos de um novo mundo e para esse as artes e humanidades abrem-nos muitas possibilidades para darmos um sentido a vida, para lá de nos explorarmos até à exaustão para o enriquecimento de alguns e fornecer-nos ferramentas para vivermos neste planeta, antes que seja esgotado pelo capitalismo nas suas várias desumanidades.
Mas as humanidades e artes continuam a ser os cursos a quem se pergunta o que fará da vida com isso. São áreas deficitárias que, enquanto se gasta dezenas de milhões para atrair (com cursos de gestão e afins) estudantes de países ricos, mantêm alunos de faculdades de Letras ou de Belas Artes a conviver com a degradação e até com a insalubridade e vida animal rasteira e indesejável, tal é a falta de condições materiais. Às quais se junta um corpo docente envelhecido, menor e sustentado pela precariedade dos mais jovens. Letras em Lisboa foi até abandonada a experiências neo-liberais de inspiração norte americana, e tem agora 3 semestres por ano (!), acho que ninguém percebeu realmente para que serve o terceiro semestre, além do potencial de mais cursos (pagos) de Verão, mas é certo ter-se perdido semanas de aulas e aprendizagem nos restantes e cerca de um mês inteiro para a realização de teses de licenciaturas. Por fim, nas bolsas e concursos de investigação continuam a ser as menos abrangidas, quase residuais, e avaliadas da mesma forma que saberes completamente distintos, o que e pessoalmente suspeito não ser a forma mais própria.
Criar um mundo melhor amanhã passa também por apostar hoje na educação e investigação sem a submeter aos ditames do mercado e do capital, reconhecendo as humanidades e artes como fundamentais e merecedoras de respostas públicas fortes e de um investimento digno e duradouro.
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