Quem tem medo de melhores cidadãos e cidadãs?

porJaime Pinho

A disciplina de Formação Cívica vai ser excluída do curriculum escolar, sem que o ministério da educação tenha pedido opinião aos interessados, alunos e professores, sem se fazer um balanço dos anos em que funcionou. Elimina-se uma janela para a democracia e a participação estudantil.

17 de março 2012 - 19:29
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Foto de Paulete Matos

A disciplina de Formação Cívica era uma disciplina diferente de todas as outras. As notas eram qualitativas. E sobretudo não tinha um programa definido e nacional, o que permitia bastante autonomia das escolas e dos próprios professores. Aliás era assumido que os alunos deviam participar na escolha dos temas e métodos de trabalho.

É verdade que em muitos casos os professores “andavam às aranhas”, dispersos entre a “indefinição do programa” e os temas ditados a partir dos órgãos de gestão. Mas em vez de ajudar a estabilizar e aprofundar as potencialidades evidentes da Formação Cívica na construção de melhores cidadãos e cidadãs, o ministério resolveu “deitar fora o bebé com a água do banho”.

Em Espanha, há poucos anos atrás, quando se pensou em introduzir no ensino básico uma disciplina idêntica de formação para a cidadania, a direita e as forças mais retrógradas da sociedade desencadearam uma luta feroz e mobilizações agressivas, que pareciam despropositadas. Agora, o governo de direita em Portugal aproveita-se da tal indefinição para igualmente a varrer do ensino.

Trata-se de mais um golpe na escola pública e na democracia dentro da escola, já que nas escolas privadas a “formação integral” para os valores confessionais e religiosos está implícita.

Continuamos na velha falsa dicotomia inventada pelas elites dos países escolarmente mais atrasados da Europa: para que serve a escola pública? Qual o valor primordial: os conhecimentos ou as pessoas, neste caso as crianças e jovens ?

O que acontece é que nos países onde as elites mais atrasadas e retrógradas dominam, como no nosso caso, existe a ideia de que a escola é exclusivamente para aprender acriticamente as matérias de cada disciplina e para ir chumbando e excluindo 20, 30 ou 40% dos jovens das classes com menos recursos, ou empurrando-os para cursos de segunda e terceira categoria.

A disciplina de Formação Cívica tem todo o cabimento, como aliás se verifica nos países com elites mais abertas e modernas, assumindo nomes diversificados, mas no mesmo sentido de considerar as pessoas, crianças e jovens, nas dimensões e necessidades humanas.

Basta fazer uma pequena resenha de alguns assuntos geralmente tratados nas aulas de Formação Cívica para se ver como é grave o seu desaparecimento e para que o leitor fique com uma ideia do que está em causa e se irá perder.

Geralmente o professor desta cadeira era o diretor da turma. Logo aí se abria a única possibilidade de serem tratados com o mínimo de condições assuntos decisivos  que contaminam a qualidade do ensino, a saber, aprender regras e comportamentos básicos necessários para exercer nas aulas das outras disciplinas. Trata-se de possibilitar o trabalho do diretor de turma e coordenador dos trabalhos: ajudar a aprender a elaborar trabalhos de pesquisa e de grupo com recurso às disciplinas de artes e de TIC, ouvir os outros, participar, falar em público, projetar a voz, questões que as outras disciplinas, com programas excessivos, não permitem. Às vezes servia também para apoiar outras disciplinas ou compensar algum atraso. Ou aprender como reagir em situações de emergência, primeiros socorros, muitas vezes com a colaboração de entidades vizinhas. De igual modo se iam tratando temas relacionados com cursos e futuras profissões, abrindo um leque de opções e caminhos possíveis.

Para além destas necessidades que costumavam ser assumida por muitos diretores de turma, a Formação Cívica tem (tinha!) outras dimensões de enorme relevância. A sua elasticidade podia proporcionar a expressão de talentos em temas livres do agrado dos alunos, valorizando a cultura e os saberes a que cada um está ligado.

Eram tratados assuntos como a educação sexual, com recurso a especialistas ou centros de saúde, mas também a paz, o bullying, a violência doméstica ou a igualdade de género. Os direitos humanos abrem todo um mundo de questões que os telejornais apenas enunciam ou insinuam, sem dar a hipótese de colocar dúvidas, partilhar experiências. Assuntos da atualidade, de carácter social, económico, ambiental, cultural permitiam uma integração e colaboração de vários saberes dispersos.

Enfim, a Formação Cívica proporcionava a abertura para a participação democrática dos alunos, para o conhecimento dos direitos e deveres, o respeito pelo outro e pelas diferenças.

Afinal, quem tem medo de melhores cidadãos e cidadãs?

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