Esta é a primeira revisão aos currículos do Ensino Básico e Secundário?
Não. A organização geral dos currículos como existe hoje foi aplicada a partir de 2001 e esta é já a sexta revisão. No Ensino Básico o currículo foi revisto em 2002, 2007, 2008 e por duas vezes em 2011 e no Ensino Secundário as revisões ocorreram em 2004, 2006, 2007, 2008 e 2011.
Mas com tantas revisões o objetivo da reforma de 2001 não ficou comprometido?
É evidente que sim. Aliás, o Conselho Nacional da Educação diz mesmo que essas alterações a privaram progressivamente de elementos essenciais, "desvirtuando o modelo e a sua coerência interna", para além de condenar a opção dos Governos por "ajustamentos esporádicos, em detrimento de práticas sistemáticas de diagnóstico e monitorização".
Em concreto, o que é que ficou comprometido com tantas revisões?
A reforma de 2001 definia três componentes complementares no Ensino Básico e Secundário: a disciplinar, curricular não-disciplinar e transdisciplinar. As sucessivas revisões acabaram por comprometer a vertente não disciplinar - a Área de Projeto no Básico e Secundário e a formação cívica e o estudo acompanhado no Básico - tendo sido reduzida ao mínimo no ano passado, com a extinção da Área de Projeto em todos os graus de ensino e da área de estudo acompanhado no 3º ciclo, mantendo-se apenas no 2º ciclo. Paralelamente, ganhou espaço na escola a vertente disciplinar, com a aposta no ensino do Português e da Matemática, duas áreas que ocuparam boa parte da Área de Projeto e do estudo acompanhado.
O que é que esta reforma curricular tem a ver com a troika?
Infelizmente, parece ter muito. Olhando para o esboço de linhas gerais divulgado pelo Governo, não é difícil perceber que esta reforma está mais preocupada com a obediência à troika e aos cortes que ela exige na despesa pública com Educação. Na prática, são 102 milhões de euros que são retirados em 2012, o que corresponde ao despedimento de milhares de professores. As primeiras vítimas da reforma, para além dos alunos, serão os professores contratados.
Houve alguma avaliação do atual modelo para se chegar à conclusão de que a reforma é necessária?
Nem por isso. É evidente que a realidade mudou e os programas das disciplinas deveriam acompanhar a mudança. Mas neste caso tudo indica que são os cortes previstos no Orçamento de Estado para 2012 a determinar as escolhas na organização curricular proposta por Nuno Crato. Os dados conhecidos na avaliação internacional indicam que os estudantes portugueses evoluíram muito entre 2003 e 2009, sendo dos que mais progrediram em leitura e Matemática e o segundo que mais progrediu em Ciências. Mas nas três áreas continua abaixo da média da OCDE no que respeita à percentagem de alunos com notas mais altas. Quanto à taxa de abandono escolar precoce, provocada normalmente pelo insucesso repetido, passou de 43,6% em 2000 para 28,7% em 2010, enquanto a média na União Europeia é de 14,1%.
Mas não é positiva a obrigatoridade de cinco anos de aprendizagem da língua inglesa?
Sim, mas a verdade é que hoje em dia muitas escolas já ensinam o inglês logo no primeiro ciclo, uma situação que não está assegurada na proposta do Governo. E há ensino de inglês durante 5 ou 7 anos no 2º e 3º ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, a par de outras línguas estrangeiras, cujo futuro agora também é uma incógnita.
E a recém-criada disciplina de Formação Cívica é mesmo para acabar?
Em abril de 2011, esta disciplina foi introduzida pela primeira vez no ensino secundário - 45 minutos por semana no 10º ano -, para integrar a educação para a saúde e a sexualidade, uma velha reivindicação dos alunos. Até foi criado um grupo de trabalho para elaborar uma proposta curricular de educação para a cidadania nos 12 anos de escolaridade. Ainda no fim de novembro passado, o ministro Nuno Crato homologou orientações curriculares sobre essa disciplina. Agora faz marcha-atrás nesta orientação sem dar grandes explicações.
Um dos focos de contestação a esta reforma vem dos professores do ensino artístico. Que razões apresentam?
No fundo, pretendem que o Governo respeite a Lei de Bases da Educação, que agrega a Educação Visual e a Educação Tecnológica. Nuno Crato quer separá-las, mesmo sabendo que toda a formação dos docentes nesta área foi feita de acordo com a orientação oposta.
A proposta do Governo diz defender maior autonomia das escolas. Quer dizer que cada escola terá mais espaço para ensinar a área que pretende?
Não, quer dizer precisamente o contrário: apesar de ter aumentado esse espaço em novembro passado, agora o Governo propõe pura e simplesmente eliminá-lo.
Feitas as contas, a carga horária aumenta ou diminui?
A intenção do Governo diminui-la: no 2º ciclo, o horário previsto terá menos três blocos de 45 minutos no 5º ano e no 6º ano, enquanto no 3º ciclo haverá menos um bloco de 45 minutos no 8º ano e menos quatro no 9º ano. No Secundário, para além da Formação Cívica (meio bloco), cortam-se mais 3 blocos de 90 minutos com a eliminação de uma das opções anuais.
A que se deve esse corte substancial no 12º ano?
O Governo quer acabar com uma das opções anuais da componente de formação específica. Na prática, virá limitar a escolha do percurso escolar e profissional do estudante, ao reduzir o leque de conhecimentos ao seu dispor no ano que antecede a passagem para o Ensino Superior.
Quais as razões que justificam esta mudança na estrutura dos currículos?
O parecer do Conselho Nacional de Educação é explícito quando diz que "não são explícitas na Proposta as razões que justificam a mudança, os fundamentos das opções preconizadas e a oportunidade de uma nova revisão num prazo tão curto em relação à revisão anterior".
P&R: Reforma curricular
A proposta do Governo vem transformar a vida nas escolas, embora não se conheçam as justificações para a mudança, à exceção da necessidade de cortar nas despesas. Eis algumas Perguntas e Respostas sobre a Reforma Curricular, baseadas no parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Educação.
17 de março 2012 - 19:30
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Foto alexanderdrachmann/Flickr