CNE arrasa reforma curricular

O parecer do Conselho Nacional de Educação diz que a proposta de Nuno Crato "não só restringe o âmbito do currículo, como altera o seu equilíbrio interno, afeta a extensão e contradiz alguns dos seus próprios pressupostos". Para os conselheiros, o Governo não explica nem as razões nem a oportunidade desta revisão, feita "num prazo tão curto em relação à revisão anterior".

17 de março 2012 - 19:28
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Nuno Crato não justificou as razões desta reforma, diz o Conselho Nacional de Educação. Foto PSD/Flickr

Este parecer foi publicado a 7 de março no Diário da República e começa por fazer o historial das sucessivas revisões à organização curricular estabelecida em 2001, que foram reduzindo progressivamente o espaço da vertente curricular não disciplinar, de gestão autónoma das escolas. Para o CNE, "a opção por ajustamentos esporádicos, em detrimento de práticas sistemáticas de diagnóstico e monitorização, acabou por introduzir alterações que progressivamente a privaram de elementos essenciais, desvirtuando o modelo e a coerência interna".



Sobre a reforma agora proposta por Nuno Crato, o CNE assinala a contradição da medida de eliminar um espaço específico para a formação cívica, depois de nos últimos anos de ter constituído um grupo de trabalho para elaborar uma proposta curricular de educação para a cidadania para os 12 anos de escolaridade, e dessa disciplina ter sido introduzida no ensino secundário em abril do ano passado. "A extinção desta área à sua dimensão transdisciplinar deixa de fora precisamente a vertente agora mais valorizada dos conceitos e conhecimentos, que não prescinde de um tempo dedicado para o seu ensino e assimilação", refere o parecer.



A parcelização da área artística e tecnológica é outra das preocupações do CNE, uma vez que na opinião dos conselheiros ela "contraria as orientações da Lei de Bases" e toda a formação de professores se têm vindo "a consolidar em sentido oposto, em resultado da orientação anterior". Para o CNE, a antecipação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para o 2º ciclo é justificada, mas avisa que partilhar o mesmo espaço da educação tecnológica, "pode representar a desvalorização destas áreas e denota a ausência de uma política claramente assumida para este setor e em particular para o desenvolvimento da literacia mediática".



Nas suas conclusões, o CNE recorda os progressos da escola pública nos últimos anos, com a "substituição da escola seletiva do passado por uma escola destinada por direito a todos os alunos", que trouxe ao ensino "uma população cujos pais não o frequentaram e para a qual a escola não tinha sido concebida". Hoje em dia "'ler, escrever e contar', sendo essenciais, não chegam", avisa o CNE, sublinhando a importância da aprendizagem ao longo da vida. Neste contexto há aprendizagens "indispensáveis para se sobreviver num mundo complexo e em acelerada mudança" e que não cabem no formato marcadamente disciplinar que a reforma de Nuno Crato virá reforçar. "São as chamadas «Educações para» ou «aprendizagens de vida» que dificilmente encontram espaço na tradicional divisão dos curricula apenas em disciplinas", acrescenta o parecer, que volta a defender um tempo próprio para a Formação Cívica nos futuros currículos.



Para os conselheiros, "o currículo necessário não é compatível com um currículo reduzido a «disciplinas estruturantes», «fundamentais» ou «essenciais»", como pretende o ministro da Educação. Aliás, o CNE recorda que na avaliação internacional dos alunos portugueses de 15 anos em leitura, matemática e ciências, a principal fraqueza no desempenho está nas notas mais altas e "não aos níveis mais elementares, nas perguntas que apenas requerem memorização e automatização das aprendizagens".  



Nas recomendações finais, para além de defender um tempo próprio para a Formação Cívica e a manutenção da opção anual no 12º ano que o Governo quer retirar, o CNE defende a necessidade de "clarificar em que medida as novas propostas contribuem para que mais alunos aprendam e aprendam mais", "garantir uma dimensão de abertura no currículo, o equilíbrio das suas componentes e uma maior autonomia das escolas na sua gestão", "não basear a construção das mudanças numa conceção dicotómica entre conhecimento e competências".

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